Apologia ao feio

0
Criado em 14 de Maio de 2013 Cultura
A- A A+

Por Domingos de Souza Nogueira Neto*

 
Para iniciar a discussão sobre a estética – ramo da filosofia que tem por objeto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte –, temos de colocar no papel algumas reflexões que são simples, mas quanto as quais não estamos habituados.
A primeira é que o conceito de beleza só é inteligível como contraponto ao de feiura, melhor dizendo, se não tivéssemos impressões sobre o feio, também não teríamos sobre o bonito. A segunda questão é que as ideias sobre nossas apreciações das aparências variam entre pessoas, grupos, sociedades e civilizações.
O terceiro ponto é o fato de que as concepções sobre a estética variam no tempo, com as alterações na cultura. A quarta e última é que todos exercem uma resistência ao mudar suas concepções sobre feio e bonito, mas são, ao mesmo tempo, influenciados por todas as outras opiniões sobre o assunto.
Se tivéssemos, inerente à personalidade, a distinção entre o feio e o bonito, se afirmássemos, a priori, que somente tem valor o que, por exemplo, reflete ordem, nos dá prazer, seja proporcional, venha de Deus, agrade aos olhos e à alma, ou nos faça sentir amor, teríamos um problema insolúvel para explicar os filmes de terror ou suspense, o sucesso de alguns quadros, a temática de nossas novelas, a letra e o ritmo de certas músicas e, mesmo, a realização de alguns casamentos.
Alguém certamente afirmará que a opção por gostar ou não é apenas exercício da liberdade. Outros, mais eruditos, vão se lembrar do fracasso de modelos políticos autoritários, que tentaram definir o que poderia ser apresentado à sociedade como arte e, mesmo, quais eram as “raças mais puras e bonitas”.
Vamos lembrar, então, que a palavra preconcepção, no sentido de ideia própria, firmada sem análise, é exatamente a origem filosófica das posturas preconceituosas.
Assim, ao retomar a discussão sobre estética, digo que não caberia nesta coluna ensinar a distinguir como usar a sua concepção para escolher obras de maior valor artístico, mas, talvez, seja possível fazer algumas sugestões. Sobre o que é bonito, verifique a técnica do artista, considere o tempo, a cultura, a opinião da crítica, das outras pessoas e o propósito da aquisição. Sobre o que é feio, trate absolutamente tudo como mero preconceito, porque sobre isso não sabemos nada, ou lembre-se de que: “num voo de pombas brancas, um corvo negro junta-lhe um acréscimo de beleza que a candura de um cisne não traria”.*
* Citando Giovani Boccaccio, na obra “Decamerão”.
 

Detalhe da valiosa obra “O Inferno”, de Hieronymus Bosch - pintor holandês conhecido por seu uso de imagens fantásticas para ilustrar conceitos morais, religiosos e narrativas

 
 
* Estudioso de psicanálise, direito e crítico de arte – [email protected].
 
 
 



AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Mais. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Mais poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.