Boa forma, saúde e combate ao senso comum

Criado em 30 de Agosto de 2017 Saúde e Vida

O casal Patrícia Coelho e Rafael Queiroz se libertou do 'efeito sanfona' quando conheceu a low carb e, consequentemente, o médico José Neto

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Você faz parte do expressivo grupo da população que precisa eliminar alguns quilinhos para ter melhor forma física e uma vida mais saudável? Se sim, o que acha de consumir 
sem medo alimentos como carnes, bacon, laticínios “gordos”, abacate, entre outros, sempre que sentir fome? Achou estranho? Então saiba que essa estratégia alimentar tem ganhado cada vez mais adeptos no mundo. É a low carb, high fat – em português, “baixo carboidrato, alta gordura”. Quer entender como funciona? Então, devore o conteúdo a seguir! 
 
ADEPTOS DA LOW CARB, HIGH FAT advertem: “não é uma dieta. É um estilo de vida que transforma o modo de entender e de lidar com a comida”. O que significa, então, ter uma vida em que a base nutricional é uma alimentação com baixo índice de carboidratos e maior ìndice de gorduras? Como todo tema que está muito voga, esse também é, muitas vezes, tratado de forma superficial, o que provoca a criação de mitos e interpretações errôneas. Com o intuito de esclarecer os princípios, as bases e os estudos que sustentam a LCHF, a Mais convocou um time de especialistas no assunto para fazer um verdadeiro raio X dessa estratégia alimentar. 
Quando se trata de profissional de saúde com amplos conhecimento e experiência em LCHF, ninguém é mais consultado no Brasil que o médico cirurgião-urologista gaúcho José Carlos Souto. Apesar de muito estudioso – é graduado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-graduado pela Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, e mestre pela Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre –, não foi o interesse médico pela nutrição que o levou a conhecer a low carb. “Foi totalmente por acaso. No início de 2011, ouvi um podcast no qual o escritor/pesquisador americano Gary Taubes falava sobre seu mais recente livro, o “Why We Get Fat: And What To Do About It” – em português “Por que Engordamos e o que Fazer para Evitar” - e sua narrativa era fascinante. Na entrevista, ele citava estudos de médicos respeitados e termos que demonstravam domínio do conceito de medicina baseada em evidências científicas, como os ensaios clínicos randomizados, que são o santo graal da pesquisa médica”, narra Souto. 
A grande surpresa veio quando o urologista percebeu que os conceitos de nutrição apresentados pelo pesquisador entravam em choque com tudo o que ele conhecia nessa área. “Era completamente diferente do que eu julgava saber, o que, na realidade, era o senso comum nutricional. Imediatamente, fiz o download do livro e não consegui parar de ler. Chequei várias fontes que Taubes citou e vi que existiam, de fato, todos aqueles estudos mostrando que a restrição de carboidratos é muito mais eficiente que a simples restrição calórica – não apenas para o emagrecimento como também para a saúde – e que a gordura presente nos alimentos não está diretamente relacionada à doença cardiovascular”.
A prova incontestável dos novos conceitos veio em seguida. “Logo que concluí que não se tratava de uma teoria maluca, decidi imediatamente testá-la em mim mesmo. O resultado foi a eliminação de praticamente 20 kg, sem passar fome e sem maior esforço. A partir daí, comecei a estudar de forma incessante o assunto porque me pareceu e ainda me parece, seis anos depois, fascinante que tantos estudos sérios estivessem publicados e eu nunca tivesse lido a respeito”, comenta.
Antes de citarmos os principais itens que devem ser excluídos e os que estão inclusos na low carb, vale saber: é uma estratégia alimentar benéfica para todo mundo? “Pode perfeitamente ser aderida por todos, mas não é necessário para todos. Quem mais se beneficia, especialmente, são pessoas com sobrepeso, obesidade, síndrome metabólica e os diabéticos. Quem tem baixo peso, muita facilidade para emagrecer e dificuldade para engordar talvez não deva fazer restrição de carboidratos porque naturalmente tenderá a perder ainda mais peso. Pessoas saudáveis, que são fisicamente ativas e que não querem/precisam emagrecer não têm necessidade de fazer a LCHF de forma ampla – nesse caso, o que a gente sugere é que tenham uma alimentação o mais natural possível, buscando como fontes de carboidratos todas as frutas e raízes”, diz Souto. 
Quem quiser adotar esse estilo de vida, então, deve evitar ao máximo os açúcares e os farináceos (pães, biscoitos, bolos, massas e outros que contenham qualquer farinha que não seja derivada de um alimento low carb); bebidas adoçadas, como sucos e refrigerantes tradicionais; e sobremesas convencionais. Também devem ser excluídos os alimentos ricos em amido, como arroz e milho; tubérculos, a exemplo de batatas e mandioca (e tapioca); e as frutas que não forem citadas abaixo, em razão da alta quantidade de frutose (o açúcar da fruta). Em suma, devem ser restringidos ao máximo todos os alimentos com alto índice glicêmico, assim como os óleos vegetais (soja, milho, girassol), ricos em ácido linoleico, que favorecem inflamações. É bom também dar uma pausa nas bebidas alcoólicas. 
Já os alimentos indicados para o consumo incluem hortaliças/verduras (todas); legumes; peixes; aves; carnes; bacon; ovos; laticínios fermentados ou centrifugados, como queijo, iogurte (sem açúcar), nata, requeijão e creme de leite – o leite deve ser excluído em razão da lactose (açúcar próprio da bebida), e, também por esse motivo, deve-se dar preferência aos queijos amarelos, pois eles contêm quantidades ainda menores de lactose que os brancos. Frutas como morango, mirtilo, kiwi, abacate e coco e oleaginosas, a exemplo de nozes, amêndoas, castanhas, pistaches, macadâmias e também amendoins, podem ser ingeridos tranquilamente. O médico indica ainda o uso sem receio do azeite de oliva extravirgem, da manteiga, do óleo de coco e da banha de porco. 
O leitor pode estar pensando: “quantas refeições e em que quantidade devo consumir por dia?”. Um dos trunfos da low carb com relação a outras estratégias alimentares é que ela propõe: coma quando estiver com fome e até que se sinta saciado, sem intervalos de tempo ou porções pré-estabelecidas. Como não se baseia em restrição calórica, o adepto não fica fazendo cálculos ou sentindo fome. Diante disso, o leitor pode se perguntar: “não é preciso limitar calorias para emagrecer?”. José Souto esclarece que, “de fato, para se emagrecer, o número de calorias gasto deve ser maior que o ingerido. O grande ponto aqui é que com a LCHF passamos naturalmente a sentir menos fome e a consumir menos calorias – é que, ao se reduzirem os carboidratos, há a diminuição da produção de insulina no organismo, e essa baixa facilita a lipólise, isto é, o corpo usa a gordura que já está acumulada nele como combustível (energia). Essa gordura então passa a ficar disponível para uso pelos demais tecidos do corpo, e a pessoa sente menos fome”. 
Além disso, a quantidade-limite de carboidratos que pode ser consumida diariamente, para gerar resultados, varia de pessoa para pessoa. “Temos desde o indivíduo saudável, fisicamente ativo, que está em seu peso ideal – para quem, como já dissemos, a orientação é basicamente evitar açúcar e farináceos, até o outro extremo de pessoa, por exemplo, diabética, que necessita restringir o máximo possível de carboidratos para manter sua glicemia normal, com o mínimo de medicação. A orientação de um profissional familiarizado com LCHF é de grande utilidade para auxiliar nesse processo”, salienta José Souto. 
Existem ferramentas eletrônicas que também podem ajudar no controle do índice de carboidratos ingeridos. O aplicativo Fat Secret, disponível para Android e IOS, é um deles. No app, é possível saber a quantidade exata de macronutrientes (carboidratos, fibras, gorduras, proteínas) e de calorias de cada alimento ou refeição, bem como monitorar o peso corporal.
 
 “CIÊNCIA LOW CARB”
O tema LCHF encantou tanto José Souto que ficou difícil conter as descobertas. Foi aí que ele decidiu compartilhar seus conhecimentos na internet criando o blog Ciência Low Carb (www.lowcarbpaleo.com.br), que também aborda a alimentação paleolítica – bem parecida com a de baixo carboidrato, mas com algumas diferenças pontuais. O início foi tímido. “Passei todo o ano de 2011 estudando com afinco o assunto, mas tinha receio de compartilhar isso publicamente por conta das possíveis reações dos colegas. Mas, em dezembro de 2011, decidi escrever. Durante um tempo, não divulguei para ninguém. Depois, passei a recomendar para alguns amigos, familiares e, eventualmente, para algum paciente que apresentasse síndrome metabólica, obesidade ou diabetes. O blog acabou decolando por conta própria. Contudo, jamais imaginei que isso seria o pontapé para um movimento nacional”, relata.  
Em 2014, o “Blog do dr. Souto”, como é popularmente conhecido, completou 2 milhões de acessos. De 2015 para cá, a página se tornou um fenômeno quando o assunto é nutrição. Além de divulgar estudos, artigos científicos, trechos de livros e textos de autoria própria, Souto utiliza o blog para esclarecer dúvidas dos internautas e dar orientações, por exemplo, sobre o que comer em viagens. O blog também conta com sugestões de receitas para diversificar o cardápio dos adeptos.
 
 
APOIADORES DE PESO
Apesar do receio inicial do médico gaúcho, o blog conquistou o apreço de vários profissionais de saúde. Um deles é o mineiro José Barros Neto, clínico geral e nefrologista que aderiu ao estilo de vida depois de “devorar” o conteúdo do Ciência Low Carb. Com atuação significativa – ele é graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais, coordenador do Serviço de Nefrologia do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, e diretor científico da Sociedade Mineira de Nefrologia –, sempre se interessou pelo que considerava alimentação saudável. Mas, assim como Souto, enxergava a nutrição pelas lentes do senso comum. “Quando conheci a LCHF, em fevereiro de 2014, seguia aquele protótipo de comer de três em três horas, com pouca gordura. Estava em São Paulo para um evento de nefrologia e, quando fui tomar café da manhã, vi um amigo médico comendo ovos, bacon, presunto de parma e fiquei espantado. Ele conversou comigo e explicou que havia emagrecido 26 kg, controlado a pressão e que nunca havia se sentido tão bem. Ele me deu um norte, e resolvi pesquisar o assunto. Foi aí que encontrei o blog do doutor Souto, o qual li copiosamente durante duas semanas. Fiz uma revisão da literatura médica e vi que tudo o que ele escrevia era muito bem fundamentado. Então pensei: ‘não custa tentar’. Naquele período, eu pesava 92 kg, estava pré-diabético, usando remédios e em descontrole lipídico. Perdi 4 kg no primeiro mês, mais 4 kg no segundo e, ao fim de três meses, havia eliminado 10 kg. O bem-estar, a disposição e a melhora da saúde vieram junto”, descreve Neto.
O novo estilo de vida foi a ponte para a amizade e a parceria profissional entre os dois médicos, que, frequentemente, participam de congressos e workshops juntos.
 
EVIDÊNCIAS
Um dos inúmeros estudos que Souto destaca em seu blog é o Dietary Intervention Randomizes Controlled Tiral (Direct). “Você pode não gostar de low carb, pode não seguir, mas precisa se dobrar às evidências. É um ensaio clínico randomizado com mais de 300 voluntários que durou dois anos. O estudo foi publicado no periódico médico de maior prestígio do mundo, o ‘New England Journal of Medicine’”, conta o urologista.
O experimento dividiu em três grupos homens e mulheres com índice de massa corporal maior que 27, com diabetes tipo 2 e doença coronariana. Em suma, todos com excesso de peso. No sorteio, foi determinado que um grupo faria uma dieta pobre em gorduras (low fat), com restrição de 1.500 calorias para mulheres e 1.800 para homens. O segundo faria a dieta do Mediterrâneo, com a mesma restrição calórica para mulheres e homens. E o terceiro, uma dieta low carb baseada no livro “A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins”, sem qualquer restrição calórica. “É essencial ressaltar que o grupo que praticou low carb foi orientado a consumir quantas calorias quisesse e a aumentar a ingestão de carboidratos até 120 g após os primeiros dois meses. Como já se sabe desde, pelo menos a década de 1950, que a restrição de carboidratos é mais eficaz para a perda de peso, os autores do estudo utilizaram um estratagema para que a vantagem da low carb não fosse tão absurda. É como se um corredor olímpico fosse competir com amadores, mas largasse atrás de todos para dar a eles uma vantagem que diminuísse a óbvia e previsível disparidade de seus desempenhos”, assevera José Souto.
O resultado? “A low carb foi mais eficaz, enquanto a low fat foi a pior até o fim do estudo. E é preciso lembrar o tempo todo que o grupo low carb foi orientado a aumentar a ingestão de carboidratos e podia comer quantas calorias quisesse. Apesar disso, essa turma reduziu seu consumo calórico à mesma proporção dos outros grupos porque sentia menos fome. Conclusão: as pessoas que fizeram low carb perderam mais peso e tiveram maior redução de circunferência abdominal entre as três, enquanto a low fat foi a pior nesse quesito também”, explica Souto.
O mineiro José Barros Neto aponta outro estudo que, para ele, também é marcante: a Public Health Collaboration, respeitada entidade britânica, catalogou 54 ensaios clínicos randomizados comparando uma dieta low carb com uma low fat. O resultado foi expressivo: do total dos experimentos, 47 favoreceram a low carb, dois foram inconclusivos, e cinco foram a favor de uma alimentação pobre em gorduras. Neto ressalta que nenhum dos estudos atingiu significância estatística com uma dieta de baixo índice de gordura.
 
A GORDURA NÃO É A VILà
Mas se a gordura dos alimentos não é, isolada, a responsável pelo ganho de peso, por que existe esse receio dela? De acordo com José Neto, é primordial distinguir a gordura animal da corporal. “Muita gente acredita que porque comeu um alimento com gordura irá engordar. Aí foge daqueles alimentos que poderia consumir sem culpa. É um pensamento cartesiano, e ciência não funciona dessa forma simplória”, afirma.
“Tornar a gordura natural dos alimentos uma vilã talvez tenha sido um dos maiores equívocos da ciência nutricional, porque a ideia de que a gordura é responsável por doenças, sobretudo a cardiovascular, e pelo ganho de peso era apenas uma hipótese nas décadas de 1960 e 1970. E até hoje as pessoas reproduzem isso, apesar da grande massa de evidências mostrando que a gordura não apenas não está relacionada à doença cardiovascular, mas, principalmente, que dietas com mais gordura e menos carboidratos estão ligadas à redução de peso e à melhora em todos os preditores dessa doença”, acrescenta Souto. 
José Barros Neto enfatiza que a gordura tem papel fundamental no organismo. “As membranas celulares são feitas de gordura, assim como vários hormônios, inclusive os sexuais. Isso sem contar os demais usos em nosso metabolismo”, diz.
Para evitar distorções, José Carlos Souto ratifica: “não se trata de defender o consumo ilimitado de gordura, e, sim, de aceitar que aquela presente naturalmente nos alimentos não é o problema. Do contrário, as pessoas acabam evitando algumas das comidas mais saudáveis e saborosas da natureza e embarcando em produtos processados ou ricos em açúcar e amido apenas porque tais alimentos são teoricamente pobres em gordura”. Para os adeptos da LCHF não escorregarem, vale o bom senso: evite ficar adicionando gordura aos alimentos, como misturar manteiga ou nata no café toda vez que for ingerir a bebida ou consumir uma lata inteira de creme de leite na sobremesa.
Quem quiser saber mais sobre isso, recomenda o urologista, pode ler os livros “The Big Fat Surprise”, de Nina Teicholz, recentemente lançado no Brasil com o nome “Gordura sem Medo”, e “Bad Calories, Good Calories”, de Gary Taubes, publicados em 2007, ainda sem tradução para o português.
 

 
 
PAZ COM O CORPO
Com uma sucessão de dietas convencionais, a médica endoscopista Patrícia Coelho e o advogado Rafael Queiroz, casados há 11 anos, viveram tempos de “efeito sanfona”. Os belo-horizontinos encontraram no estilo de vida LCHF as respostas que procuravam para os resultados nada duradouros que ocorriam em outras estratégias alimentares. “Os resultados apareciam em curto prazo, porém não conseguíamos mantê-los por muito tempo, o que acabava gerando um rebote. Quando adotei a low carb, em abril do ano passado, pesava mais de 90 kg. Em janeiro deste ano, cheguei a 78 kg, peso que ainda mantenho, o que demonstra que não há dificuldade em conservar as conquistas”, relata Queiroz.
Foi pela indicação de amigos que Patrícia conheceu a LCHF – e, consequentemente, o médico José Neto, de quem ela e o marido são pacientes. Quando a mudança de vida foi proposta, ela ficou ansiosa. Mas não demorou para o casal adotar a alimentação de baixo carboidrato como estilo de vida. “Além do emagrecimento e da melhora da saúde, o conhecimento das nossas reais necessidades alimentares é uma das descobertas que mais me impressionam”, diz Rafael Queiroz. Apesar da diminuição expressiva de carboidratos, Patrícia destaca a sensação de liberdade que adquiriu. “Não tenho mais aquele sentimento de quem está sofrendo com uma dieta, que precisa contar minutos para comer e se preocupar com a quantidade de calorias que ingere. Quando sinto fome, como com prazer, só que agora eu é que estou no comando do meu próprio corpo, não mais a comida”, destaca. 
E não é difícil trabalhar fora e se manter firme? Eles garantem que não. “Não temos dificuldades porque existem opções que se encaixam na alimentação. Em restaurantes, pedimos para substituir o risoto ou a batata por legumes e salada. O bacana da low carb é que, raramente, precisamos fazer um lanche na rua porque a saciedade nos dá a flexibilidade de pular refeições sem qualquer incômodo. Além disso, oleaginosas como as castanhas são sempre uma boa opção para esses momentos, pois saciam e podem ser encontradas com facilidade no comércio”, garante Patrícia.
A vontade de trocar ideias e experiências com outras pessoas sobre LCHF fez com que o casal criasse, em fevereiro deste ano, um perfil no Instagram, o cafecombacon. Nele, Patrícia e Rafael compartilham receitas, estudos e eventos relacionados à low carb. 
 
REDE LOW CARB
O grande desejo de falar sobre LCHF também motivou a criação do perfil low_carb_br no Instagram, mantido pela bióloga e veterinária mineira Denise Souza, em setembro de 2016. Quem vê o sucesso da página, que conta com quase 70 mil seguidores e traz dicas, orientações, estudos e relatos sobre low carb e alimentação paleolítica, não imagina que Denise sofreu compulsão alimentar. “Lutava para emagrecer e não conseguia. Cansada disso, comecei a fazer várias pesquisas e descobri a LCHF. O fato de emagrecer podendo comer tudo o que eu mais gostava, como carnes, ovos e laticínios, e ver a fome despencar, me arrebatou”, atesta.  
Além do retorno dos seguidores, a recompensa de Denise está, principalmente, na nova relação que estabeleceu com a comida. “Acabou a aflição de acordar pensando que ia comer uma torradinha e continuar com fome. Eu como o que gosto; quando não estou com fome, não como nada, simples assim. Com isso, eliminei 18 kg e passei a me sentir bem, com ótima saúde”, relata.
 
 
AÇÚCAR É SEMPRE AÇÚCAR 
Muitos imaginam que é um grande avanço substituir o açúcar refinado/cristal pelo mascavo, demerara, de coco ou mel. Souto e Neto, contudo, alertam: “açúcar é sempre açúcar, e, entre todos os carboidratos, esse é o pior”. 
“Podemos consumir carboidratos na forma de açúcar ou de amido. Amido é glicose pura; açúcar é mistura de glicose e frutose. A glicose pode ser utilizada por qualquer célula do corpo. Já a frutose só pode ser metabolizada pelo fígado. Porém, nosso fígado é evolutivamente preparado para lidar com a quantidade de frutose presente naturalmente nas frutas, e não com a quantidade maciça que há no açúcar. A frutose, consumida em grande quantidade, apresenta toxicidade no fígado, representada principalmente pela produção de gordura que se acumula no órgão, chamada de esteatose. O fígado gorduroso torna-se resistente à insulina. É um duplo efeito negativo: aumenta a glicose no sangue e, ao mesmo tempo, deixa o fígado resistente ao hormônio. Isso é praticamente uma receita para sobrepeso, diabetes e obesidade”, explica Souto. 
“O açúcar do mel é melhor que o refinado? É, mas, para fazer uma analogia, é como comparar um cigarro com filtro com um sem filtro. O fato de um ser menos pior do que o outro não quer dizer que seja bom para a saúde. Definitivamente, açúcar é uma substância que qualquer pessoa deveria evitar”, completa José Barros Neto. 
E os adoçantes? De acordo com Souto, “num mundo ideal, conseguiríamos abdicar do gosto doce. Contudo, para a maioria das pessoas, o doce é um verdadeiro vício. Então, até que a adoção de um estilo de vida low carb permita que se diminua essa necessidade, os adoçantes têm uma função a cumprir. Para quem quiser utilizar, seja o natural, que é a stévia, sejam os artificiais, a ideia é adotar uma quantidade pequena e ir diminuindo ao longo do tempo, de modo a simplesmente realçar um pouco o sabor doce”.
 
CUIDADO COM OS RÓTULOS
Preocupar-se com uma alimentação saudável implica também desvendar os rótulos dos produtos. E é aí que surgem as grandes armadilhas da indústria. “A única forma de enfrentar esse desafio é aprender os vários nomes que o açúcar e o amido podem ter. Itens como ‘açúcar evaporado de cana’, ‘melado’, ‘dextrose’, ‘maltodextrina’ são nomes com os quais quais a glicose é introduzida em alimentos. A orientação é ficar especialmente atento a produtos dietéticos, como geleias, iogurtes e pudins. A maioria tem grande quantidade de carboidratos, mas, pela legislação, são considerados açúcares apenas glicose, frutose ou sacarose. Qualquer outro tipo de carboidrato pode estar presente – provocando o mesmo efeito do açúcar no organismo –, embora no rótulo esteja escrito ‘zero açúcar’. A melhor solução, então, é evitar alimentos industrializados”, aconselha José Souto. 
 
MARKETING X CIÊNCIA 
Ao longo dos anos, foi comum a classificação de alimentos ora como vilões, ora como herói, assim como o ovo e o abacate. Esses altos e baixos deixaram muita gente descrente quanto ao que se divulga como pesquisa científica. José Barros Neto concorda que a desconfiança tem fundamento. “Endosso o que afirmou o endocrinologista David Ludwing, professor da Escola de Medicina da Universidade de Harvard: representantes da ciência deviam ir a público e dizer ‘desculpem, erramos’. O papel que muitos profissionais desempenham hoje é justamente uma tentativa de recuperar a credibilidade com a população”, afirma.
Outro exemplo desses altos e baixos é a divulgação maciça de alimentos ditos milagrosos. “O viés econômico de querer vender e lucrar em cima de ‘alimentos mágicos’ contribui muito para esse processo da falta de credibilidade. Veja o frisson sobre o sal do Himalaia. Falar que é melhor para a saúde que o sal tradicional é pura ação de marketing. O próprio óleo de coco, muitas vezes vendido em cápsulas, é bom para a saúde? Sim, mas para fins culinários, exatamente como o azeite de oliva extravirgem, a manteiga e a banha de porco”, completa o mineiro.    
 
NUTRICIONISTAS X LOW CARB
Afinal, nutricionistas e nutrólogos aprovam o estilo de vida low carb, high fat? “De forma geral, a resposta tem sido favorável. Acredito que isso se deve ao cuidado de alicerçar as informações em ensaios clínicos randomizados e meta-análises. Contudo, às vezes algum leitor me informa que um nutricionista ou nutrólogo está falando mal de mim nas redes sociais, mas isso não me incomoda, pois acho que o debate precisa ser travado no campo das referências de alto nível”, afirma José Souto.
O fato é que muitos profissionais da área são resistentes à LCHF, defendendo com fervor a tradicional pirâmide alimentar - em que carboidratos devem ser a base da alimentação humana. Mas de onde parte essa conduta? “Minha experiência mostra que nutrição é uma matéria muito malvista na medicina. A maioria das pessoas crê nas fórmulas prontas. Os cursos de nutrição também seguem esse modelo, e, quando alguém tenta ir contra, fica parecendo uma briga sectarista. Vejo como algo multifatorial. Ocorre por ser algo que ainda é ensinado nas universidades e também porque há interesses comerciais da indústria do trigo e do açúcar, que são fortíssimas”, opina José Barros Neto.    
O nutrólogo Lucas Penchel, colunista da Mais, que atende em Belo Horizonte, na Clínica Penchel, faz parte do grupo de profissionais que reconhecem os benefícios da LCHF.  “Costumo dizer que o que é remédio para alguns pode ser veneno para outros. Cada caso é um caso. Indico a low carb e tenho tido resultados excelentes tanto na cura quanto na melhoria sintomas de doenças. Então, há pacientes que reduziram drasticamente o uso de medicamentos, além de terem melhorado sono e autoestima e diminuído a circunferência abdominal”, relata.
Penchel acredita que os conceitos da nutrição estão mudando. “Antes, as dietas eram baseadas em valor calórico. Mas a gente consegue fazer uma dieta de 2.000 calorias só com Mc Donalds; outra de 2.000 calorias só com salada; outra de 2.000 calorias só com carnes, com efeitos completamente diferentes no organismo. Assim como o mito da gordura-vilã está indo por água abaixo, o de ficar só contando calorias também. Há, então, que se avaliar a individualidade biológica de cada pessoa, levando-se em conta o objetivo dela, a idade, níveis hormonais, estilo de vida, hábitos, tudo isso”, arremata Penchel. 
Também do lado favorável à LCHF está a nutróloga Jackelyne Mendonça, que atua em Betim, na região metropolitana da capital mineira, na clínica Yaga. Ela ressalta que a low carb tem uma plasticidade enorme, podendo ser realizada por atletas, para melhorar o rendimento, por pessoas com obesidade ou com sobrepeso, visando ao emagrecimento, pelos já saudáveis, como forma de prevenção de doenças, e como estratégia alimentar em vésperas de provas e concursos, para o melhor funcionamento cerebral, e também como medida coadjuvante no tratamento das mais diversas doenças.
Além dos profissionais, vale ressaltar o posicionamento de uma instituição, a Faculdade de Ciências e Tecnologia de Viçosa (Univiçosa), na Zona da Mata. Só neste ano, a Univiçosa promoveu dois workshops abertos ao público sobre low carb – com a participação de José Carlos Souto e de José Barros Neto, bem como nutricionistas alinhados à low carb. A coordenadora do curso de nutrição da Univiçosa, a nutricionista, mestre e doutora em bioquímica Cristiane Sampaio explica que “a ideia de promover eventos sobre o assunto surgiu da necessidade de informar melhor os alunos sobre o tema, ainda tão polêmico entre os profissionais de saúde e pouco visto nas universidades, mas com enorme fundamentação científica”.
Ela explica que os alunos da Univiçosa estudam a alimentação de baixo carboidrato. “Temos um grupo de estudos coordenado por uma professora da área clinica em que os estudantes têm a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos em low carb. Além disso, temos também duas disciplinas específicas do curso nas quais o assunto é abordado”. Apesar disso, Cristiane confirma que as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação para os cursos de nutrição giram ainda em torno de conceitos como redução de gordura e restrição calórica, mas que cabe à instituição munir os estudantes de outras informações essenciais. 
Ela crê que a LCHF tem mexido muito com as comunidades médica e de nutrição. “Aprofundar os conhecimentos no tema significa sair da zona de conforto. Por isso, é tão importante a realização de eventos para abordagem do assunto low carb", arremata.
 
NÃO É SEITA
 “Digo aos pacientes que não vão ouvir de um médico que eles devem parar de fumar e, quando estiverem com a saúde melhor, poderão retomar o hábito ruim. É o mesmo em uma intervenção dietética: se a pessoa voltar a consumir tudo o que ingeria antes, perderá as conquistas obtidas. Por isso, o conceito de uma dieta com início, meio e fim não faz nenhum sentido. Por outro lado, entendo a necessidade de estabelecer um fim quando a intervenção que se propõe é algo intolerável por longos períodos, como uma dieta de 1.200 calorias. Low carb não é seita, e ninguém coloca tudo a perder por uma ocasião, uma vez na semana. Mas haverá prejuízos se essas exceções se tornarem frequentes”, ressalta Souto. 
Ele esclarece ainda que, na LCHF, o adepto pode reinserir na rotina, depois de um tempo, alimentos naturais dos quais abdicou sem que haja prejuízos. “A reinserção de carboidratos de boa qualidade, como todas as frutas e raízes, é algo desejável para a pessoa que não precisa mais perder peso e/ou não tem mais problemas de síndrome metabólica ou de diabetes”, explica o gaúcho.
LCHF não é seita, mas os médicos esbanjam satisfação em seguir e difundir esse estilo de vida, como conclui José Barros Neto: “Low Carb foi algo que me tornou mais humilde, mais feliz e me fez melhor médico. A ciência muda, avança, progride. Hoje enxergo a medicina  como algo que atua nos galhos de uma árvore. E precisamos tratar a raiz dos problemas. Se não cuidarmos do básico, que são alimentação, hidratação, sono e controle do estresse, a árvore vai cair”. 
 

 
 
 
 
 
 
 

 




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