Contra o sistema

Criado em 09 de Agosto de 2017 Cultura

Movimento punk comemora quatro décadas e ainda se mostra firme em seus ideais e nas distintas formas de manifestação; conforme os adeptos afirmam, trata-se de um estilo de vida que não se conforma com sistemas políticos e se baseia no princípio da autoges

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“PUNK IS NOT DEAD!” (em português, “o punk não está morto!”). A afirmativa fica evidente na fala de quem atuou intensamente nas ações do movimento e fez dessa ideologia uma filosofia de vida. Engana-se quem pensa que o punk se resume a um estilo musical. É uma contracultura, conforme atestam seus adeptos, baseada no inconformismo com sistemas políticos que se amparam na exploração. Neste ano, o punk completa quatro décadas, e seus ideais permanecem cada vez mais fortes.
De acordo com estudo do Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), não há um acontecimento em comum que tenha dado início ao movimento em todo o mundo, mas é possível encontrar elementos da cultura punk em grandes centros urbanos como Nova York e Londres. 
O punk surgiu como um meio de contestar e questionar crises econômicas que geraram aumento do desemprego entre classes operárias. As primeiras manifestações se deram por meio da música e da moda, quando bandas como Ramones (Nova York) e Sex Pistols (Londres) estouraram com seus estilos sonoros agressivos, com letras de revolta. Mas, para muitos punks, grupos como esses não são considerados punk de verdade por terem “se vendido” ao mercado.
O que o movimento teve em comum em todos os lugares foram o inconformismo e a subversão da cultura. Tais aspectos respingaram na música, na moda, nas artes, na poesia e em outras manifestações. 
 
DIY
Os punks geralmente exibiam seus ideais por meio da filosofia “Faça Você Mesmo” (“Do It Yourself” no inglês, ou “Diy”), que significa “assumir o controle sobre tudo o que o cerca”. Esse foi um dos legados do punk na opinião do professor de história e de inglês Sânzio Magno de Oliveira, de 36 anos, de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte. “Não curte o som que toca na rádio e na TV? Monte sua própria banda! Odeia a moda e o consumismo? Crie sue próprio estilo de se vestir! Isso é sobre resistência e como retomar nossas vidas sequestradas pelo sistema”, destaca ele, que se envolveu com a cultura punk na adolescência. Segundo Oliveira, a adesão a essas ideias o ajudou a moldar seu caráter e sua ética pessoal. “Até mesmo minha dieta – sou adepto do vegetarianismo – tem a ver com o punk”, completa.
 
 
BRASIL
O punk se espalhou ao redor do mundo, atingindo países de todos os continentes. No Brasil, de acordo com o estudo da USP, o movimento se consolidou nas décadas de 1980 e 1990. Bandas como Cólera e Mukeka di Rato são representativas no cenário punk nacional. “A produção punk daqui, desde o início até agora, traz características únicas e peculiares, fruto de um regime militar. Apesar de todas as dificuldades financeiras e culturais, o punk que se firmou por aqui tem características próprias e formas de atuação significativas no contexto mundial”, destaca o inspetor de mecânica industrial Gabriel Herege, de 42 anos, que atua no movimento desde 1991.
O punk no Brasil também foi responsável por uma série de protestos no país. Alguns deles foram mobilizações junto a outros movimentos sociais, cujas bandeiras iam dos direitos dos animais à emancipação feminina, além da população negra e da causa LGBT. 
Um dos adeptos do punk que estiveram presentes nesses protestos é o marceneiro Enieverson Mendes Rodrigues, conhecido pela alcunha de Ameba. Ele começou a participar de ações do movimento aos 14 anos e, posteriormente, fez parte do AnarcoPunk de Belo Horizonte. Desde então, continua firme no cenário e com as mesmas ideologias libertárias. Na música, ele é vocalista da banda Atack Epiléptico desde sua fundação, em 1986, que carrega letras de protesto às mais diversas questões da sociedade. “Junto com os punks desenvolvi meu senso crítico e de justiça e vivenciei práticas sólidas de união e solidariedade. É uma corrente antiautoritária, em que cada punk é um elo contribuindo a seu modo”, define.
 
COMUNICAÇÃO
Os punks nunca deram credibilidade para a mídia tradicional. Por isso, suas principais maneiras de se expressar eram os zines, publicações alternativas, e também rádios comunitárias. “Atuávamos em vários programas com a temática punk e anarquista”, diz Gabriel Herege. 
Ele e Enieverson atuaram juntos em emissoras e em várias ações do movimento punk em Belo Horizonte. Atualmente, Gabriel participa de um coletivo de organização de eventos musicais e políticos, o Metalpunk Overkill. 
 
LEGADO
Para os punks, o movimento é atemporal, adequando-se a épocas e realidades diversas. Na opinião de Gabriel, hoje há menos engajamento político no movimento e mais música. No entanto, ainda existem aqueles que seguem firmes em fazer do punk uma ameaça. “As possibilidades digitais de ação, produção e propagação de ideias são totalmente diferentes das que eu vivi anteriormente. Porém, a insatisfação e a inquietude são velhos combustíveis do punk, e o contexto que vivemos está altamente propício não só ao questionamento e ao combate direto, mas também a uma grande desilusão com a condição e o futuro da humanidade”, observa. 
 
 
ATIVISTA PUNK E FUNDADOR 
DA BANDA CRASS EM BH
 
Um dos nomes importantes da cultura punk no mundo esteve em Belo Horizonte em abril. Jeremy John Ratter, que adotou a alcunha de Penny Rimbaud, tem hoje 73 anos. Ele é ativista e fundador da banda Crass e participou de diversas manifestações por meio das artes visuais, da poesia e, principalmente, da música. Por aqui, o punk lançou o livro “Eles nos Devem uma Vida – Crass, Escritos, Diálogos e Gritos”, um compilado de materiais produzidos por ele e pelos integrantes da banda. O evento, organizado pelo coletivo Metalpunk Overkill, também contou com exposições artísticas e fotográficas e uma feira. 
Na época, em entrevista ao jornal “Estado de Minas”, Rimbaud afirmou que o movimento permanece cada vez mais firme. “Ideologias e princípios não mudam por si próprios, mas as pessoas que os sustentam, a cada tempo, sim”, declarou.
 
 



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