De usina hidrelétrica a centro cultural

A Usina Dr. Gravatá, que gerou energia para Betim por cinco décadas, será restaurada para se transformar em espaço de cultura para a cidade

Criado em 26 de Setembro de 2016 História
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Sara Lira

Restaurar um imóvel outrora abandonado é resgatar a história de pessoas, de famílias inteiras e do local onde a estrutura está. No caso de Betim, um importante espaço do início do século passado vai passar por uma restauração e virar um espaço cultural: a Usina Dr. Gravatá. Localizado às margens do rio Betim, no bairro Pingo D’água, e criado em 1914, o local foi responsável pela geração de energia na cidade e, posteriormente, para Divinópolis e Contagem.

 A execução da obra será feita pela MRV, em contrapartida a um pacote de R$ 1 bilhão em investimentos em Betim, denominado Boulevard das Cachoeiras. As intervenções, que devem começar ainda em setembro, serão realizadas nos bairros Pingo D’Água, Brasileia e Cachoeira. O projeto de restauração, elaborado por um arquiteto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi aprovado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio de Betim. De acordo com o diretor da MRV, Hudson Andrade, que esteve na Câmara Municipal para apresentar o projeto aos vereadores, nesta primeira fase devem ser gastos cerca de R$ 250 mil. Três meses são a previsão de duração das obras, que devem ser entregues em 17 de dezembro, no aniversário do município.

No primeiro momento, as mudanças são pavimentar o acesso à usina, fazer o paisagismo do local e do entorno, promover a reabilitação arquitetônica do imóvel e realizar  todas as intervenções necessárias de limpeza, além de reforçar as áreas danificadas e construir espaços de apoio, como banheiros, estacionamento, anfiteatro, entre outros.


Cultura

O local será transformado em um espaço cultural para oferecer atividades variadas à população. “O que está previsto é o funcionamento de um museu, provavelmente destinado à história da indústria em Betim e das energias renováveis”, adianta a presidente da Fundação Artístico-Cultural de Betim (Funarbe), Márcia Dutra. Além disso, o entorno do lugar será um parque ecológico, que irá disponibilizar à comunidade atividades de educação ambiental e patrimonial.

As ações serão geridas ou pelo poder público ou por meio de Parceria Público-Privada (PPP), mas isso ainda será definido pela construtora e pela prefeitura. De todo modo, a previsão de funcionamento do espaço é no primeiro semestre de 2017. “Estamos tentando resgatar a originalidade do local e dar-lhe destinação social, somando cultura e ações sociais”, destaca Hudson Andrade.

Para a presidente da Funarbe, a restauração é uma forma de resgatar a memória de um dos períodos mais importantes da industrialização betinense. “Cada imóvel histórico é como se fosse uma página de nossa história. Restaurá-los é trazer à luz do conhecimento coletivo essa página ou esse capítulo de nossa história”, resume.

Cinco décadas de história

A Usina Dr. Gravatá foi construída em 1914, pela empresa Schnoor em parceria com o governo de Minas Gerais. A idealização do projeto partiu do engenheiro-chefe da corporação, Antônio Gonçalves Gravatá, responsável pela criação da Estação Ferroviária Capela Nova, em 1909, na Estrada de Ferro Oeste de Minas, que liga Belo Horizonte a Divinópolis. De acordo com informações disponíveis no Dossiê de Tombamento da Usina, elaborado pelo Departamento de Planejamento e Pesquisa da Funarbe, foi ele quem identificou a necessidade de uma geração de energia própria no município.

A hidrelétrica foi construída no rio Betim, e a estrutura gerava energia de sobra para Betim, além de Divinópolis e Contagem. Aliás, foi a energia da Dr. Gravatá que auxiliou Betim a se transformar em uma cidade industrial, a partir da década de 1940. O coração da usina ficava na casa de máquinas, onde duas turbinas de 250 W funcionavam dia e noite sem parar.  Esse espaço também será restaurado.

Até chegar lá, a água desviada do rio ficava presa a uma barragem e passava por um sistema com cinco comportas e canais que a conduziam a um tanque com capacidade de 72 metros cúbicos. Lá havia tubulações que encaminhavam a água para a casa de máquinas, onde ela era transformada em energia. Esse percurso media em torno de 1.300 metros.

 A usina colocou Betim no cenário industrial mineiro, que começou a ser desenhado na segunda metade do século XIX, momento em que a eletricidade era indispensável. Na época, o Estado fazia concessões de exploração de recursos naturais ou contratos com empresas que desenvolviam esse tipo de trabalho, denominadas “hulhas brancas”. 

Essas empresas foram as pioneiras na produção de energia no Estado. Segundo o dossiê, a Dr. Gravatá foi catalogada e classificada como uma “hulha branca”. “Na época, a Dr. Gravatá chegou a fornecer energia gratuita para os moradores da cidade e para a iluminação das ruas”, completa a presidente da Funarbe. A usina funcionou até meados da década de 1950, quando foi instalada uma distribuidora de energia da Cemig, então recém-criada. “A usina foi o marco da transição da iluminação por combustível fóssil e orgânico para a luz elétrica”.

Memória

A moradores mais antigos da cidade não faltam histórias e lembranças relacionadas à usina. É o caso da aposentada Sônia Brant, de 69 anos, que se lembra bem dos equipamentos. O avô dela, Domingos Alves Teixeira, trabalhava na manutenção do espaço, e, quando chovia muito, era ele quem ia desentupir os canais devido ao excesso de água. “Na casa da minha avó, tinha um telefone, e, quando ligavam para lá, meu vô tinha que sair correndo, às vezes no meio da noite, para acudir. Ele não tinha hora para pegar ou largar serviço”, conta a senhora, que tinha cerca de 8 anos na época. 

 Segundo dona Sônia, a casa de máquinas era limpa e organizada, embora ela só tenha conhecido o espaço da porta. “Vovô não nos deixava entrar lá porque nós éramos muito curiosos e queríamos mexer em tudo”, brinca. 

Já o pai de Lígia do Amaral, de 74 anos, José Amaral, até permitia que ela entrasse no lugar, mas sob supervisão. “Era uma casa grande, com duas janelas viradas para o rio. As turbinas ficavam no fundo, e, na entrada, tinha o quadro de horários dos funcionários”, lembra. “A parte externa era de nos tirar o fôlego por tanta beleza”, recorda-se ela. “Ao lado da casa de máquinas existia um jardim, com dálias de cores maravilhosas. Nunca mais vi iguais. Havia também rosas brancas, vermelhas e boninas”, diz. A represa também era muito bonita e, além de fazer parte do processo de geração de energia, servia como área de lazer da região. “As pessoas iam nadar e pescar na cachoeira. A água era limpinha, e vinha gente de várias cidades próximas”, relata dona Sônia. 

Desde quando Lígia nasceu até o início da juventude dela, o pai trabalhou no local. O eletricista custou a aceitar quando a usina foi desativada. “Queriam transferi-lo para o interior de Minas, mas ele não quis ir. Então, ele ficou fazendo serviços como eletricista em Betim até se aposentar”, conta. 

Para dona Sônia, restaurar a usina será uma forma de retomar essas memórias das famílias mais antigas de Betim, bem como de um importante período do município. “Vai ser maravilhoso, pois vai resgatar a história da cidade e a minha também. Fico muito feliz com essa notícia”, ressalta.

MRV investe R$ 1 bilhão em obras em Betim

Parque Industrial, condomínios e uma série de intervenções estão no pacote de investimentos que a MRV começou a executar em Betim. Uma, já em andamento, é a construção do Boulevard das Cachoeiras, que vai ligar a avenida Edmeia Mattos Lazzarotti (trecho que cruza a avenida Amazonas) à BR-262, onde havia um acesso provisório, com ruas de terra e sem iluminação. As obras começaram em fevereiro de 2016, com previsão de término para o início de 2017.

 Outra realização será a construção do Parque Industrial de Betim (PIB), em um terreno de 6 milhões de metros quadrados às margens da BR-262. Quando pronto e em funcionamento, o espaço deverá gerar em torno de 66 mil empregos, de acordo com a construtora. Além disso, serão construídos oito prédios, nos bairros Cachoeira, Pingo D’Água e Brasileia, que vão disponibilizar 4.500 apartamentos em áreas que somam  642 mil metros quadrados em torno da via. Um centro comercial e um parque linear também serão instalados na região.

Quem foi o Dr. Gravatá?

O nome da usina surgiu popularmente em homenagem ao engenheiro-chefe da empresa responsável pela construção da estrutura: Antônio Gonçalves Gravatá. Nascido em Salvador, na Bahia, ele morou em Betim por cerca de dez anos, quando a cidade ainda era o distrito de Capela Nova. Conforme apontam dados históricos, ‘Dr. Gravatá’ era uma pessoa carismática. Além de Betim, ele atuou em outros municípios mineiros e do país, vindo a falecer em maio de 1950, em Belo Horizonte. 




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