Ditados na ponta da língua

Muitas expressões utilizadas no dia a dia pelos mineiros tiveram origem no Ciclo do Ouro, no século 18; conheça algumas delas

Criado em 20 de Maio de 2018 Cultura
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O local, assim como todas as outras minas ouro-pretenses, foi berço de muitos ditados populares que repetimos até os dias atuais, muitos deles resignificados. De acordo com o filho da proprietária da mina, Jefferson dos Santos, o espaço era da bisavó dele, ex-escrava que foi libertada com a promulgação da Lei Áurea, em 1888. É ele quem guia a visita pelos túneis cavados pelos escravos e conta, com detalhes, como surgiram muitos dos ditados que estão na boca de todo mineiro.

“Os ditos populares que surgem em Minas Gerais são decorrentes do fato de locais como este ter sido uma torre de babel no século 18. Os tropeiros eram pessoas distintas, vindos de rotas diferentes, cada qual com sua cultura e costumes. O linguajar empregado por eles se juntava aos do período da escravidão, formando muitas frases que usamos atualmente”, explica Santos.

Um dos mais falados é o que diz “foi feito pelas coxas”. A expressão se refere a algo malfeito. E como ela surgiu? Na época, as escravas pegavam a argila e a transformavam em cerâmica, moldando as telhas nas coxas. Como cada uma tinha uma estrutura corporal, algumas telhas ficavam mais finas, e outras, mais grossas, tornando o telhado completamente desigual.

Quando afirmamos que algo ou alguém é de “meia tigela”, estamos querendo dizer que se trata de algo ou alguém ruim de serviço ou destruída de habilidades. Dessa forma, também ressuscitamos um dito do período da escravidão. É que os escravos tinham uma meta a ser atingida todos os dias e, se assim faziam, ganhavam como prêmio uma tigela de comida. Caso o objetivo não fosse alcançado, o castigo deles era ganhar apenas metade do recipiente, pois os senhores os enxergavam como escravos que não cumpriram seu dever.

Por outro lado, se eles atingissem a meta, não só recebiam a tigela cheia como também uma quantidade de fumo, passando a ser odiados pelos companheiros, pois isso significava que as tarefas haviam aumentado ou passaram a ser mais difíceis de ser cumpridas. “Por isso, atualmente, quando dizemos que determinada situação é ‘fumo’, queremos afirmar que ela é ruim ou uma enrascada”, conta Jefferson.

E, por falar em enrascada, não é de hoje que a corrupção se faz presente na sociedade, com sistemas políticos que dificultam a vida do cidadão. No período colonial, era necessário pagar um quinto da produção de ouro para a Coroa portuguesa como imposto. Na época, havia muitas formas de sonegar essa taxa, e uma delas era colocando o pó precioso dentro de uma imagem de madeira que imitava uma santa da Igreja católica. Por dentro, ela era oca, cheia de ouro. Por isso, surgiu a até hoje conhecida expressão “santa do pau oco”.

Outra maneira que os cidadãos encontraram de não pagar os impostos na época foi misturando o pó de ouro com argila e passando-o no lombo das éguas que saíam de Vila Rica (nome de Ouro Preto na época). Quando o material secava, o ouro ficava escondido. Depois, o dono “lavava a égua” e retirava o material desviado, conseguindo, com sucesso, a façanha de se livrar do pagamento do imposto.

Muitas expressões também surgiram em torno da exploração aurífera. Na febre de se dar bem com o material precioso, muita gente acabava levando uma substância metálica com características semelhantes que soltava um brilho com destaque, mas sem valor algum: a famosa pirita. Daí vieram os ditados “nem tudo que reluz é ouro” e “ouro de tolo”, que alertam para situações que podem provocar engano.

Segundo o guia da mina Santa Rita, esses são apenas alguns dos ditados que fazem parte do linguajar mineiro originados no período colonial. Ainda há muitos outros,  como “está ferrado” (o escravo era marcado com ferro pelos senhores; sugere que a pessoa está em situação de complicações); “tamanco” (calçado de madeira usado pelos escravos que os deixava com dores e os fazia mancar); e “enfezado” (as necessidades fisiológicas eram feitas em barris em alguns locais, e os escravos descartavam o material. Com isso, ficavam sujos de fezes e, obviamente, irritados, sentido que a palavra transmite hoje em dia).

“Os ditos populares são expressões idiomáticas que a gente nem percebe, mas que estão em nossa linguagem todos os dias”, afirma Santos. A professora de língua portuguesa e redação Juliana Jardim Teixeira explica que não há um único conceito que defina as expressões idiomáticas. O que as diferencia de outros tipos de fraseologismos é o fato de tais expressões apresentarem valor conotativo. “O significado de uma expressão idiomática não é a soma do sentido literal de suas partes”, pontua.

Autora do estudo denominado “Auto da Compadecida e Caramuru – A Invenção do Brasil: uma análise da relação entre unidades fraseológicas e cultura”, ela destaca que essas sentenças ajudam a entender contextos históricos e culturais. “Estudá-las atualmente é importante, pois é um modo de conhecer e compreender a cultura de um dado grupo de falantes”, salienta.

 




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