Eu estava no Concórdia

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Criado em 06 de Setembro de 2012 Pé na Trilha
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Depois de sete meses do naufrágio na Itália, Luiz Vono, único mineiro presente no navio, relata o susto que passou e como foi o resgate dos sobreviventes

Em 2 de janeiro deste ano, eu e minha esposa, Neida, embarcamos para uma viagem de 20 dias pela Europa. A programação era a seguinte: alguns dias em Roma e, depois, embarcaríamos no navio Costa Concórdia para fazermos um giro pelo Mediterrâneo, partindo  e Savona, seguindo para Toulon, Barcelona, Palma de Maiorca, Gagliari, Palermo, Civitavecchia e retornando a Savona.

E assim fizemos. Após quatro dias em Roma, embarcamos no Costa Concórdia. A viagem estava maravilhosa. Todos os lugares, lindos e muito interessantes. Passados seis dias no navio, estávamos na nossa última noite na embarcação. Desceríamos na manhã seguinte no porto de Savona. Por volta das 21h30, eu e Neida jantávamos no restaurante do navio e, quando brindávamos a bela viagem, tudo começou a ir ao chão. O restaurante ocupava uma área de dois andares, e muita coisa caiu do quarto para o terceiro andar. Em instantes, o alto comando do navio pedia “calma” a todos os passageiros, cerca de 4.000, e informava que não se tratava de nada grave. Mas não adiantou. Houve pânico geral.
 
Neida estava apavorada. Apesar do susto, eu acreditava não se tratar de nada grave, pois já havíamos passado por algo parecido em um outro cruzeiro, no encontro dos oceanos Pacífico e Atlântico, sem piores consequências. Infelizmente, eu estava enganado. O Concórdia havia batido em uma pedra e teríamos que sair do navio. Descobrimos isso cerca de 40 minutos depois de nosso champanhe ter ido ao chão, quando o comando do navio anunciou a necessidade de todos saírem pelos botes. O navio estava muito adernado e afundando lentamente.
 
Nesse momento, eu e Neida decidimos voltar à nossa cabine para buscar algumas coisas: peguei minha carteira e o passaporte italiano – tenho cidadania italiana. O passaporte brasileiro havia ficado com o comando do navio. Neida apanhou um casaco.  No caminho, encontramos uma senhora oriental, que saiu de sua cabine sem saber o que estava acontecendo. Não entendi o que ela falava, mas parece ter perguntado o que havia acontecido, e Neida respondeu com gestos a ela, que partiu apavorada. Hoje brinco com Neida que não sabia que ela falar japonês (risos). Na hora do aperto, a gente consegue se comunicar de qualquer maneira, impressionante.
 
Bom, o restante de nossas coisas, nunca mais vimos. Isso porque eu, Neida e quase todas as 4.000 pessoas que estavam no  Concórdia, já sobre o bote, em direção a qualquer lugar, assistimos ao Concórdia afundar. Graças a Deus, após duas horas da batida do navio, já estávamos sobre terra, na Isola del Giglio, com cerca de 800 habitantes, que ficava bem perto da pedra na qual o navio bateu.
 
 Foi a imagem mais triste que já assisti: afundar. Durante toda noite e madrugada, vimos aquele imenso e lindo navio naufragar a poucos metros de nossos olhos e com todas as nossas coisas: roupas, notebook, câmeras fotográficas, en fim, tudo o que adquirimos durante a viagem, além do que havíamos levado. Foi uma cena inesquecível: no céu, helicópteros; no mar, barcos da Guarda Costeira; e, na terra, ambulância, que levava, para uma espécie de pronto-socorro da ilha, os casos mais urgentes.
Alguns dados
  • O navio, com capacidade para 4.500 passageiros, na noite do naufrágio transportava cerca de 4.000, em sua maior parte, alemães, italianos e franceses
  •  Havia cerca de 40 brasileiros na embarcação 
  •  O navio tinha 290 metros de comprimento e 17 andares
  •  A distância do local do naufrágio para o porto da ilha era aproximadamente 300 metros. Com a batida, o casco do Concórdia sofreu um rasgo de 49 metros

Trinta e quatro pessoas não tiveram a nossa sorte e morreram no naufrágio. Felizmente, eu e Neida não sofremos nada. Apenas fazia muito frio. Comecei a conversar com um pescador que estava próximo da gente, e ele acabou me emprestando um agasalho. Aliás, todos da ilha fizeram o que puderam para nos ajudar; muito bacana! Perguntei a esse pescador, que também já havia sido chefe de casa de máquinas de navios, se ele tinha ideia do que havia acontecido. Ele nos contou que o comandante do Concórdia tinha um grande amigo na ilha e que ele sempre passava muito próximo de lá para saudá-lo. Provavelmente, naquela noite, ele havia exagerado...

Bem, o dia amanheceu, e fomos resgatados por uma balsa, que nos conduziu ao continente – porto Stefano. De lá fomos, de ônibus, para Savona e, depois, para Milão, onde fomos atendidos no consulado brasileiro daquela cidade, junto com mais uns dez brasileiros. Em torno de 30 brasileiros, foram para Roma. Eu e Neida decidimos continuar a viagem. Inicialmente, pensamos que não precisaríamos voltar para casa, já que eu estava com carteira e podíamos comprar novas roupas o consulado brasileiro em Milão também nos atendeu com alguns serviços. 
 
E assim fizemos. De Milão, fomos a Paris, onde ficamos mais alguns dias. Mas hoje me arrependo. Deveríamos ter vindo embora. Com toda aquela Paris maravilhosa, não conseguimos curtir nada. Ficamos pensando no naufrágio e falando sobre ele o tempo todo. Estávamos aéreos. Enfim, não foi bom continuar a viagem. 
 
Por muito tempo, quis tentar recuperar minhas coisas – em meu notebook, havia arquivos de trabalho, afinal, nossa cabine ficava numa parte do navio que se manteve fora d’água, mas, hoje, imagino que já devem ter pegado tudo. De toda forma, fui devidamente indenizado. Além disso, o importante é que tenho minha vida. Depois de sete meses do ocorrido, planejo voltar àquela ilha, não para recuperar minhas coisas, porque até acho que não estão mais lá, mas para agradecer e presentear com uma nova blusa de frio o pescador que me levou até sua casa para telefonar e me emprestou seu agasalho, num gesto de gentileza e solidariedade. 
 
As pessoas me perguntam sempre se tenho coragem de fazer outras viagens de navio, e eu respondo a mesma coisa: “sim”. Naquela noite, apesar do susto e do medo, no fundo, não deixei de acreditei que iria sobreviver. E, felizmente, estou muito bem. Levo minha vida normalmente, sem qualquer trauma. Após alguns meses, é interessante contar a história novamente, apesar da tristeza pelo acontecido.
 
Luiz Vono tem 52 anos, é engenheiro, mora em Nova Lima e trabalha em Betim há sete anos.



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