Solidariedade marcada na pele

Bom exemplo

Criado em 19 de Outubro de 2015 Bom Exemplo

Acervo pessoal

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Imbuído do desejo de ajudar o próximo, o artista Miro Dantas tatua seios de mulheres que venceram o câncer de mama, devolvendo-lhes a autoestima; conheça o projeto “Uma tatuagem por uma vida melhor”
 
Viviane Rocha
 
NESTE OUTUBRO ROSA, um dos projetos sociais mais surpreendentes no atendimento a mulheres que venceram o câncer de mama completa um ano. Longe dos consultórios e dos grupos de apoio, centenas de mulheres que passaram pelo traumático processo de extração parcial ou total das mamas reencontraram o caminho da autoestima, da beleza e da sexualidade em um estúdio de tatuagem. O cenário possui agulhas, tintas, desenhos artísticos e, sobretudo, a destreza e o altruísmo do tatuador paulista Miro Dantas, criador do projeto “Uma tatuagem por uma vida melhor”.
 
Toda semana, o artista tatua, gratuitamente, os mamilos de seios reconstruídos após a mastectomia – retirada da região interna da mama. O sucesso do projeto é estrondoso. “Estou com a agenda fechada até outubro do ano que vem”, revela o tatuador, profissional da área desde 1993.
 
A técnica consiste em reproduzir o desenho do mamilo na região anatômica correta, respeitando a forma e as cores e provocando uma visão tridimensional da região para amenizar a aparência das cicatrizes. “Muitas mulheres procuram clínicas de estéticas ou profissionais de maquiagem definitiva, mas nem sempre o resultado é satisfatório”, destaca.
 
Ele diz que, como tatuador, acumulou conhecimentos de desenho, pintura e localização anatômica da tatuagem. “Com todos esses recursos, faço o possível para que o resultado seja o mais satisfatório para minhas clientes”, ressalta. Muito mais do que restauração física, o grande benefício, segundo Miro, é emocional. “É muito difícil para uma mulher se olhar no espelho e perceber que os seus seios não estão completos. É um golpe duro na autoestima”, acredita.
 
O tatuador atende, em média, quatro mulheres por semana. “São três mulheres na triagem e uma sessão semanal”. Na triagem, Miro conversa com as candidatas para conhecer suas expectativas e seus anseios. “A angústia principal de todas elas é o abandono por parte de maridos e namorados”. O artista também se preocupa em deixá-las familiarizadas com o ambiente do estúdio de tatuagem. “Elas chegam muito assustadas porque a maioria nunca esteve num local assim antes”, conta.
 
Miro recebe mulheres das mais variadas faixas etárias, mas a maior parte está entre os 25 e os 37 anos. Para atender, o tatuador também exige um laudo, por escrito e assinado por médicos, liberando as pacientes para o procedimento. “O documento é anexado ao prontuário”, relata. Para poder realizar o trabalho social, Miro buscou parceria com uma empresa que fornece a ele parte do material utilizado no projeto. “Os primeiros três meses foram bem difíceis. Por isso, resolvi ir atrás de ajuda”, diz.
 
TATOO SOLIDÁRIA
Miro fez a primeira reparação do tipo em 2005. Essa sessão, em especial, inspirou-o a criar um projeto que pudesse ajudar as pessoas. “Acredito que cada um deve fazer o seu melhor e oferecer algo de bom para a sociedade”, declara. Assim, alguns anos depois, em outubro de 2014, ele decidiu mergulhar nesse projeto, que tem chamado a atenção da mídia, das mulheres que venceram o câncer e da comunidade médica. “Os médicos perderam o medo dos tatuadores”, brinca. Com a visibilidade do projeto, muitos profissionais orientam suas pacientes a procurarem o trabalho do tatuador”. A iniciativa de Miro inspirou outros tatuadores do Brasil.
 
DE PEITO ABERTO
A supervisora financeira Andressa Oliveira, 38 anos, do Rio de Janeiro, percebeu, durante o autoexame mensal, um caroço no seio esquerdo. “Imediatamente, procurei ajuda médica, fiz uma mamografia e uma biópsia, que comprovou a existência da doença”, recorda-se. A descoberta aconteceu no ano passado. “Não precisei fazer quimioterapia, mas, em agosto de 2014, fiz a mastectomia de toda a mama esquerda”, conta.
 
Diferentemente de muitas mulheres, que acabam desanimadas e inseguras com a situação, Andressa, com a ajuda da espiritualidade e o apoio da família, encarou o câncer de forma positiva. “Não é um momento fácil, mas, nem por isso, perdi a autoconfiança, a alegria e a vontade de viver”. Logo após a retirada do seio, ela fez a cirurgia reconstrutora e também o procedimento que iguala o tamanho do seio não afetado ao que recebeu a prótese. No início do ano, navegando na internet, a supervisora viu o link de uma notícia que falava do trabalho de Miro e pesquisou tudo sobre ele. “Descobri o telefone do estúdio e entrei em contato”, relata.
 
No dia seguinte, ela viajou, na companhia da mãe, para São Paulo, ao encontro do tatuador. “Fui a segunda pessoa a ser atendida no projeto e fui muito bem-recebida”, conta. No fim da sessão, tomada pela emoção e pela gratidão, Andressa foi às lágrimas, junto com a mãe, emocionadíssima. “Olhei-me no espelho e vi minha imagem de volta. Afinal, o seio é um órgão muito importante para a afirmação da identidade da mulher”, pontua.
 
A sessão aconteceu em janeiro, e, além da imagem do mamilo completo, Miro fez uma flor em cima de uma das cicatrizes. Hoje, mais do que gratidão, Andressa sente uma profunda admiração pelo profissionalismo e pela delicadeza de Miro e de toda a equipe do estúdio de tatuagem. “Miro foi incrível, muito gentil, além de toda a equipe, que nos tratou com muito cuidado”, relembra. Mais feliz do que nunca, Andressa aproveita a vida e esbanja autoconfiança por onde passa. “Amo usar decotes e amo viver!”, finaliza.
 
Quando as sessões de tatuagem sobre as cicatrizes terminam, Miro conta que, quando as sessões terminam, a reação de todas as mulheres é, no mínimo, carregada de muita emoção. “O choro é inevitável. É um momento muito significativo na vida de cada uma”. Apesar de toda a atmosfera emotiva, ele tenta ser firme. “Claro que me envolvo, mas procuro ficar mais comedido. Como profissional, devo sempre transmitir segurança, mas a sensação é fantástica, de dever cumprido mesmo”.
 
ROSA PELA VIDA
O movimento Outubro Rosa nasceu na década de 1990, nos Estados Unidos, como forma de sensibilizar a população para a prevenção e o controle do câncer de mama naquele país. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) endossa a campanha desde 2010 com várias ações integradas por diversos órgãos de todo o país. De acordo com o Inca, o câncer de mama é o tipo da doença mais comum no Brasil, responsável por 25% das ocorrências de câncer no país. A estimativa é que, até o fim de 2015, mais de 157 mil casos sejam diagnosticados na população brasileira.

 




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