A bravura indômita de Duda Salabert
Recordista de votos para a Câmara Municipal de Belo Horizonte, professora será a primeira mulher trans a exercer um mandato no Legislativo da capital. Pioneirismo faz parte da essência dela.
Iêva Tatiana
Ela foi a vereadora mais votada de todos os tempos em Belo Horizonte, escolhida por 37.613 eleitores. Ela será a primeira mulher transexual a assumir uma cadeira no Legislativo da capital mineira, no ano que vem. Professora de literatura há 20 anos, Duda Salabert (PDT), de 39, vem fazendo história na cena política belo-horizontina.
A vitória pujante nas eleições municipais de 2020 fez ecoar, em uníssono, um grito de basta de violência contra a população LGBT – justamente no país em que mais se matam pessoas transgêneras.
“Os partidos e as organizações que praticam a necropolítica (política da morte) têm como estratégia fazer a gente perder a esperança, que é um traço fundamental da humanidade. A nossa vitória e a de outras pessoas do campo progressista são uma forma de nos mantermos esperançosos e de mostrarmos que estamos vivas”, disse Duda à reportagem.
Por outro lado, a visibilidade adquirida com o resultado recorde conquistado nas urnas colocou a vereadora eleita ainda mais na mira dos intolerantes de plantão. No início de dezembro, ela chegou a receber graves ameaças de morte, que se estenderam a dirigentes, funcionários e até alunos da escola em que trabalha. De acordo com Duda, ela, que já era um “alvo ambulante” por integrar uma comunidade com expectativa máxima de vida de 35 anos (a dos LGBTs), acabou se tornando um alvo nacional por conta das eleições.
A professora ressalta que, diante de tantas adversidades, para travestis e transexuais a política não é uma opção, mas uma sina: “Nossos corpos e identidades são políticos por natureza. Fazemos parte de grupos historicamente negligenciados pelo poder público”.
Ecocentrismo
Dar voz e vez às causas pelas quais luta é o principal objetivo de Duda para o primeiro mandato na Câmara Municipal. O compromisso, inclusive, teve início já na campanha eleitoral, que não utilizou nenhum material impresso para não causar ainda mais impactos ambientais. Segundo ela, a quantidade de lixo gerada pela distribuição de santinhos e panfletos no pleito de 2016 seria suficiente para produzir cerca de 40 milhões de livros.
“Para ser coerente com a minha ética e a minha visão de mundo, optei por uma campanha com lixo zero. O resultado foi tão positivo que eu fui a vereadora mais votada da história. Isso mostra a vontade popular de que haja respeito ao meio ambiente e à saúde pública, porque os santinhos também são um vetor da Covid-19”, frisa a vereadora eleita, que é ativista ambiental e vegana há oito anos.
Uma das promessas de campanha dela foi plantar uma árvore para cada voto recebido. A missão acabou se tornando maior do que ela imaginava, mas a expectativa é que, em breve, sejam anunciadas novidades. Duda antecipou à reportagem da Mais que a equipe dela está em contato com algumas organizações e movimentos que trabalham com o plantio de espécies e que o projeto que estão desenvolvendo juntos será divulgado “logo, logo”.
“Devemos lançar um site de geoprocessamento para que as pessoas possam acompanhar o desenvolvimento das árvores e batizá-las. Também estamos chamando cientistas para que o plantio seja responsável, respeitando as espécies nativas e o ecossistema da capital, afinal são mais de 37 mil árvores”, adianta.
Questionada sobre o que pretende fazer em prol da causa animal – ainda muito preterida no cenário atual –, a professora garantiu que a pauta estará presente em toda a sua legislatura, sobretudo pelo fato de “estarmos à beira de um colapso climático, batendo recordes de desmatamento no Brasil”. Na avaliação de Duda, os movimentos que lutam pelo social e ignoram o ambiental estão fazendo errado, e vice-versa.