Batalha vencida

Pacientes do grupo de risco da Covid-19 relatam suas vitórias sobre uma doença ainda pouco conhecida. Guerra contra a pandemia, no entanto, está longe de terminar. Por isso, é preciso manter todos os cuidados, alertam pessoas que já se contaminaram e cons

Criado em 24 de Dezembro de 2020 Saúde e Vida
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Iêva Tatiana

Volta por cima

Rudson Fidelis de Miranda, de 60 anos, começou a apresentar febre baixa em um domingo de outubro. O primeiro sintoma da contaminação pelo novo coronavírus foi controlado com antitérmicos em casa. Na quarta-feira seguinte, ele procurou uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Betim, mas, diante do quadro sem gravidade, a orientação foi aguardar para fazer o teste. Dois dias depois, porém, o idoso passou a sentir muita falta de ar e precisou ser encaminhado ao Centro de Cuidados Intensivos para Covid-19 (Cecovid-4), onde permaneceu internado por mais de um mês – quase a metade desse tempo em estado gravíssimo.

A história de Miranda é contada nesta edição da Mais pelo primogênito dele, o professor Rudson Filho, de 35 anos. “Foram 15 dias intubado. Vivemos uma angústia. Apesar de termos bastante fé e muita gente nos ajudando com orações, temíamos o óbito”, relembra o rebento.

O temor da família fazia jus ao estado de saúde do idoso, que se agravava cada vez mais. Além da idade, a hipertensão e o sobrepeso o colocavam no grupo de risco da doença. Durante o período de coma induzido, ele passava 16 horas por dia em prona (de bruços) para melhorar a oxigenação. No mesmo intervalo, uma insuficiência renal o submeteu a sessões de hemodiálise, e a sobrecarga dos órgãos demandou a administração de adrenalina para que não ocorresse uma falência múltipla.

“À medida que o tempo foi passando, fomos ficando mais confiantes porque, mesmo o quadro sendo grave, ele estava resistindo dia após dia”, afirma Rudson Filho.

A internação de Miranda se estendeu por exatos 33 dias. Ao receber alta hospitalar, em 18 de novembro, ele estava muito mais magro e em uma cadeira de rodas por conta da fragilidade muscular que dificultava a locomoção, assim como a fala. Hoje, ainda faz sessões de fisioterapia e já recuperou a autonomia da maior parte dos movimentos.

Segundo o filho mais velho, o pai foi o primeiro da casa a manifestar sintomas da Covid-19 e o único com gravidade. A mãe de Rudson, Vânia Lúcia, de 59 anos, e os irmãos, Lucas, de 31, e Sara, de 29, também foram contaminados, mas não tiveram complicações. Já o primogênito, que é casado e não mora com os outros membros da família, saiu ileso.

“Meu pai não sente mais dores, desconforto nem mal-estar. Só comenta que a visão piorou bastante. Essa é a história de superação de quem chegou ao fundo do poço. Queremos que ela sirva de inspiração para outras famílias que estão enfrentando a mesma situação”, ressalta Rudson Filho.

Temor desconhecido

A técnica de enfermagem Valdênia Aparecida Costa de Jesus, de 39 anos, também desafiou as estatísticas e superou a doença causada pelo novo coronavírus mesmo fazendo parte do grupo de maior risco de intercorrências. Hipertensa, diabética e obesa, ela precisou ser afastada do trabalho no Hospital 25 de Maio, em Esmeraldas, na região metropolitana, cerca de dois meses após o início da pandemia, para não correr o risco de ser contaminada e desenvolver uma forma grave da Covid-19. No entanto, a rotina do marido, Geraldo de Jesus, de 42 anos, manteve-se inalterada, e a suspeita é que ele tenha levado o vírus para casa, já que foi o primeiro a apresentar sintomas.

“Eu tinha muito medo da doença. No hospital, estava entrando em pânico nos primeiros dias, não queria ter contato com nenhum paciente contaminado. O médico do trabalho chegou a dizer que, se eu adoecesse, seria muito difícil sobreviver. Quando o resultado deu positivo, não passava outra coisa pela minha cabeça a não ser que eu iria morrer”, relata Valdênia.

O sinal de alerta da técnica de enfermagem acendeu quando ela passou a apresentar tosse seca, muito cansaço e dor no corpo, além da perda de olfato e paladar. Isso ocorreu em meados de junho. Cerca de uma semana depois do início da manifestação da virose, veio também a falta de ar. Mas, felizmente, Valdênia não precisou de oxigênio nem de internação. Em cerca de duas semanas, “já estava ótima”, como ela mesma classifica.

“Pior do que o susto foi o preconceito. Os moradores do meu bairro ficaram sabendo que eu estava doente, e alguns passavam pela minha casa e gritavam que ali tinha gente com coronavírus. Tem pessoas que ainda não entendem que, depois de 14 dias, quem teve a doença pode ser reinserido na sociedade”, lamenta.

Além de Valdênia e do marido, dois dos três filhos do casal – Arthur Guilherme, de 9 anos, e João Pedro, de 12 – tiveram Covid-19, mas todos sem gravidade. Já Raphael Victor, de 18, não foi contaminado. “Acho que eu fiquei pior, demorei um pouco mais para melhorar. Com as crianças foi rapidinho”, conta a profissional da saúde, que continua afastada do trabalho, já que pouco se sabe a respeito da possibilidade de reinfecção. “Tirando o medo e a insegurança, está tudo bem”, conclui a técnica de enfermagem, que não ficou com nenhuma sequela da doença.

Comorbidade sob controle

A história de Anderson Moreira com a Covid-19 teve um início parecido com a de Valdênia. No caso do microempresário de 57 anos, que é hipertenso, foi a esposa, Nilvânia, de 52, quem apresentou os primeiros sintomas da doença no feriado da Independência, em setembro último: fortes dores pelo corpo, dor de cabeça e febre. Inicialmente, os médicos suspeitaram de dengue.

Em Moreira, a febre, os calafrios e a dor de cabeça surgiram no dia 10 do mesmo mês. No dia seguinte, ele levou a esposa para fazer um teste de detecção do novo coronavírus e, como também já apresentava sinais, aproveitou para ser testado junto com ela.

“Tivemos sintomas leves comparados a tudo o que já vimos e ouvimos. Na Nilvânia eles duraram apenas dois dias. Eu tive dores abdominais, dores nas costas e uma suposta reação alérgica à Novalgina (manchas vermelhas na pele) durante mais tempo. Após uma segunda consulta médica, porém, elas foram diagnosticadas como um possível sintoma da Covid-19. O médico me receitou um antialérgico que ajudou no desaparecimento das manchas em cinco dias”, relata o microempresário.

Segundo ele, somente depois de ele entender que realmente deveria seguir a quarentena é que o mal-estar provocado pela doença começou a cessar. “Passei a fazer repouso, descansando algumas horas do dia”, conta.

Ele afirma que, 15 dias após o diagnóstico, ainda sentia fadiga e cansaço físico e notou que estava se esquecendo de tarefas simples do cotidiano. Para Moreira, o fato de seguir à risca o tratamento de controle da pressão arterial contribuiu para que ele não apresentasse um agravamento do quadro hipertenso em decorrência do novo coronavírus.

Efeitos prolongados

Outro caso de superação da Covid-19 é o da administradora Isabella Marinho, de 34 anos. Asmática e com um histórico de bronquite (ambas doenças respiratórias), ela nem desconfiou de que pudesse ter sido contaminada quando começou a tossir e sentir muita dor de cabeça, no início de novembro. Mas, depois que a dor no corpo se juntou aos outros sintomas e ela ficou sabendo que havia tido contato com uma pessoa infectada, procurou atendimento médico.

“Somos cinco pessoas em casa, e todas contraíram o vírus. Não sabemos quem foi o primeiro. Foi um momento de bastante receio, eu confesso, pois sou do grupo de risco. Mas, graças a Deus, ficou tudo bem”, diz a administradora.

Durante uma semana, ela teve, além das dores de cabeça e pelo corpo, diarreia e enjoo. Nos dias seguintes, ainda vieram fraqueza e perda de olfato e de paladar. As comorbidades, felizmente, não resultaram em falta de ar nem em complicações relacionadas a elas. Contudo, Isabella continua em processo de recuperação cerca de um mês depois dos primeiros sintomas. “Tenho tomado polivitamínicos receitados pelo médico porque estou tendo bastante queda de cabelo e tontura. No mais, está tudo bem”, finaliza.

Com novo aumento de casos, médico reforça: “fiquem em casa”

O aumento do número de casos de Covid-19 em Minas Gerais e no Brasil, de maneira geral, acende um novo alerta. O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador do Serviço de Infectologia do Hospital Madre Teresa, em Belo Horizonte, além de membro do Comitê de Enfrentamento da Pandemia de Belo Horizonte, Estevão Urbano, ressalta que ainda não é o momento de relaxamento das medidas de prevenção. Aglomerações e celebrações de fim de ano devem ser evitadas, segundo ele. Se as festividades acontecerem mesmo assim, precisam seguir algumas recomendações para que o sistema de saúde não entre em colapso.

Como o senhor avalia o momento atual que estamos enfrentando em relação à Covid-19: trata-se de uma “nova onda” ou de um agravamento da primeira?

Hoje, estamos vivendo um cenário de piora: os hospitais mais cheios, a mortalidade aumentando, um contágio muito maior no mundo inteiro. Obviamente, há algumas exceções. No Brasil como um todo, também está havendo uma heterogeneidade, ou seja, alguns locais com mais e outros com menos aumento nessa transmissão. Isso é extremamente preocupante porque nós estamos voltando a números muito parecidos com os do pico da epidemia no país. Quanto a ser um repique da primeira ou uma nova onda, existe divergência entre as pessoas, mas a maioria tende a acreditar que nós ainda estejamos na primeira, já que os números não baixaram o suficiente para falarmos que acabamos com ela e, agora, estamos na segunda.

A pressão pela manutenção do funcionamento do comércio neste fim de ano pode contribuir para um aumento ainda maior no número de casos da doença?

Neste fim de ano, tudo que puder levar a aglomeração poderá aumentar o contágio. As pessoas vão às ruas, fazem compras e festas, enfim, circulam mais. Se houver alguém infectado, a chance de infecção de outras pessoas é obviamente maior do que se elas estivessem em casa. Então, todo tipo de aglomeração que puder ser evitado é fundamental que o seja. O comércio não é o principal ponto de transmissão, desde que as pessoas cumpram os regramentos: saiam de máscara, higienizem as mãos, fiquem o mínimo de tempo possível dentro das lojas e circulem. Nem todos vão seguir esses regramentos, as pessoas agem de forma heterogênea. Por isso, então, é muito importante ficarmos atentos à possibilidade de o aumento de idas às lojas no fim de ano coincidir com o crescimento do número de casos.

É possível que as pessoas festejem o Natal de maneira responsável? O que o senhor orienta que seja feito?

Nas festas de fim de ano, o ideal, obviamente, era que as pessoas não se reunissem. A vacina está aí, o jogo está acabando, mas algumas vidas poderão ser desperdiçadas por causa de uma festa. Se não houver outro jeito, se as famílias fizerem questão de se reunir, as recomendações são aquelas que respeitam a transmissão do vírus: o menor número de pessoas pelo menor tempo possível; que haja distanciamento e se evitem, por exemplo, abraços, beijos, gritos e cantos, coisas que eliminam mais vírus no ar; fora os momentos da alimentação e da bebida, deve-se usar a máscara; que se mantenha o ambiente ventilado para diluir o ar e um eventual vírus que estiver circulando – quanto menos vírus presente no ar, menor a chance de adoecimento; quanto menor a concentração do vírus no ambiente, menor a chance de transmissão; pessoas que tiverem qualquer sintoma não devem frequentar as festas; se alguém estiver com Covid-19, aqueles que moram com o doente também não devem participar das festividades, porque já podem estar contaminados; e evitar ao máximo que as pessoas de maior risco para adoecimento grave frequentem as reuniões. Essas são algumas recomendações para tentar minimizar o problema.

Existe a expectativa de novos picos de contaminação em janeiro, considerando-se o cenário atual?

Obviamente. Com as viagens e as festas de fim ano e muitas pessoas transmitindo o vírus de forma assintomática – ou seja, aqueles casos em que elas estão doentes, mas não sabem que têm o vírus porque não apresentam sintomas e, mesmo assim, o transmitem –, as chances de uma piora ainda maior nos próximos meses é muito grande. Há uma grande preocupação de haver um aumento exponencial de casos coincidindo com as festas. Fazemos questão de chamar a atenção das pessoas porque isso pode ser extremamente grave e ainda gerar um colapso no sistema de saúde.

Para reforçar: quais são os cuidados que todos devem adotar para evitar a propagação do novo coronavírus?

As medidas são as mesmas de sempre. O vírus é transmitido pela proximidade, principalmente pelas vias respiratórias e pelas mãos. Então, é fundamental sair de casa sempre de máscara, ficar com ela o tempo inteiro, evitar locais aglomerados, permanecer fora de casa pelo menor tempo possível, higienizar as mãos com frequência e, se estiver com sintomas da doença, não sair, a não ser para se consultar. São medidas fundamentais para se evitar uma piora dos casos e situações extremamente desagradáveis exatamente em momentos tão felizes, nos quais todos desejam estar bem, que são o Natal e o réveillon.

 

 




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