A maternidade pede licença

Comportamento

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Criado em 10 de Agosto de 2015 Comportamento

Fotos: Jéssica Nery

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Altamente benéfica, a amamentação propicia ao recém-nascido o alimento mais completo e necessário. No entanto, números alarmantes mostram que muitas das mamães interrompem esse importante estágio de forma precoce porque precisam retornar a seus postos de trabalho. Para dar voz a todas elas, na primeira semana deste mês, a maternidade pediu licença, pois passava pelas ruas de várias cidades do país a Hora do Mamaço.

Julia Ruiz

A JORNALISTA DAYSE AGUIAR, de 25 anos, poderia ser considerada uma mulher de sorte. Mamãe da fofíssima Melissa, de 2 aninhos, ela pôde se dedicar à pequena durante os quatro meses de licença-maternidade a que teve direito (é o período mínimo garantido por lei à iniciativa privada), com um plus de um mês das férias já vencidas. Sorte, porque esse tempinho extra ao lado da filha é algo raríssimo para os padrões brasileiros, que não chegam perto sequer dos 120 dias assegurados. De acordo com o Ministério da Saúde, a amamentação ocorre, em média, no Brasil, por apenas 54 dias. Em Belo Horizonte, esse índice é de 53,8 dias. O conceito de sorte, no entanto, rapidamente cai pelos ares quando se tem noção de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo por um período mínimo de seis meses e cai ainda mais quando se tem noção de que, em outros países, o período de licença, concedido igualmente ao pai da criança, pode chegar a 1 ano e 4 meses.

Por entraves como esse, Dayse e outras dezenas de mamães ocuparam a Praça da Liberdade (região Centro-Sul de BH), na manhã do dia 1º, para a Hora do Mamaço, mobilização realizada pela quarta vez na capital mineira, que chama a atenção para os inúmeros benefícios da amamentação, bem como para as dificuldades que surgem quando esse processo tem sua integridade interrompida. A iniciativa, que ocorreu simultaneamente em várias cidades do Brasil e do mundo, faz parte do calendário de atividades da Semana Mundial do Aleitamento Materno, comemorada entre os dias 1º e 7 de agosto. Com o tema “Amamentar e trabalhar: basta apoiar”, o objetivo do evento, neste ano, foi promover uma conscientização sobre a importância de uma licença-maternidade mais justa, saudável e com mais igualdade entre os gêneros – hoje, os pais só têm direito a cinco dias para ficar com os filhos.
 
Como em todas as edições anteriores, a Hora do Mamaço também pediu à sociedade uma visão mais humanizada sobre o ato de amamentar. “É preciso quebrar tabus muitas vezes até dentro do próprio lar, com amigos e familiares, que não encaram a amamentação como algo natural”, ressalta Dayse, que, desde a gestação de Melissa, é ativista das causas ligadas à maternidade. Além de compartilhar suas experiências como mãe nas redes sociais e no blog Mel’Tamorfose, a jornalista, neste ano, aderiu ao evento. “A ideia de nos unirmos para conscientizar outras mamães, bem como toda a sociedade, é bastante válida e nobre”, acredita.
 
CORRIDA CONTRA O TEMPO
Idealizadora da Hora do Mamaço no Brasil, a pedagoga Simone de Carvalho afirma que o tema dessa edição é um “protesto subliminar”. “Não é possível apoiar e proteger a amamentação, um gesto tão singular e precioso para o bebê, desta forma: mulheres melindradas, sem tempo suficiente e espaço respeitoso para a extração do leite materno, com muitas delas tendo de utilizar uma bomba extratora, que exige manejo e, sendo mecânica, apresenta riscos. Tudo isso sob vergonhosa licença, que as obriga a uma separação tão precoce de seus pequeninos. Por isso, queremos conscientizar a sociedade de que o recém-nascido merece tempo digno para que se alimente da melhor forma, tendo sua mãe acessível nesse momento crucial de seu desenvolvimento”.
 
Simone, que é mãe de Rebeca, de 15 anos, e de Rafael, de 10, explica que apostou na ideia do mamaço em razão do grande número de mães que buscam auxílio e orientação no momento do aleitamento. “Em nossa comunidade virtual Apoio Materno Solidário (AMS), é possível ler, diariamente, centenas de relatos de superação”.
 
Para conquistar esse objetivo, a AMS dispõe de um manifesto, que inclui uma petição eletrônica pela aprovação da Emenda nº 12, do Projeto de Lei 6.998/13, que prevê a ampliação da licença-maternidade para um período de 12 meses (para saber mais, acesse o site horadomamaco.wordpress.com). Hoje, conforme a legislação vigente, o benefício é concedido a mulheres que trabalham e contribuem para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O período mínimo de afastamento é de quatro meses, e o máximo, de seis – este é assegurado apenas para os órgãos públicos. A iniciativa privada, porém, pode conceder esse mesmo tempo e até possui incentivos fiscais para isso. No entanto, nem todas as corporações optam pelo benefício. Quando retornam à sua ocupação profissional, essas mulheres têm o direito de, durante 15 dias, fazer duas pausas de 30 minutos por turno para coletar o leite ou amamentar os bebês. Entretanto, grande parte delas não pode contar com espaço adequado para ambas as alternativas.
 
Organizadora da Hora do Mamaço em Belo Horizonte, a empresária Gabrielle Faria, 28, ressalta que os governantes precisam tratar esse tema com mais atenção. “Sabemos que até existem algumas empresas que apoiam as mães, criando espaço para que elas amamentem enquanto trabalham. Mas, nesse período, o bebê está indefeso e deve ser preservado de sair às ruas. Precisamos de apoio e de garantias para que a saúde dos nossos filhos seja preservada”.
 
Ela, que é mãe de Hugo, com 2 anos, e que integra o Grupo de Apoio à Gestante (Gestar) de BH, alerta sobre o que considera as principais dificuldades das mães atualmente: “falta de suporte, que inclui tirar o direito da mulher de amamentar onde ela bem entender, e falta de informações corretas sobre o aleitamento”.
 
DOSES DE AMOR E DE SAÚDE
Rico em proteínas, lipídeos, vitaminas, minerais, dentre outros nutrientes, o leite materno é o melhor, mais completo e importante alimento para a saúde do bebê. Diversos estudos já comprovaram que a amamentação é essencial para a formação do sistema imunológico da criança, prevenindo alergias, intolerâncias e, até mesmo, a obesidade. Fácil de ser digerido, o leite materno também é eficaz para a formação da flora intestinal do recém-nascido. O movimento de sucção que a criança faz para mamar contribui ainda com o desenvolvimento de sua arcada dentária. Além disso, de acordo com uma pesquisa da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, o aleitamento materno pode ajudar a criança a ter melhor desempenho escolar.
 
Mas os benefícios da amamentação não se restringem ao bebê. Essa mesma pesquisa concluiu que o ato protege a mãe contra doenças cardiovasculares. Outros levantamentos mostraram que o aleitamento materno promove uma redução mais rápida de peso após o parto; ajuda o útero a recuperar seu tamanho normal, diminuindo o risco de hemorragia; e reduz a possibilidade de a mãe ter diabetes e câncer de mama e de ovário.
 
Por fim, a amamentação fortalece o vínculo entre mãe e filho, promovendo efeitos na saúde mental de ambos, ao propiciar um movimento psicológico positivo e contribuir com a diminuição do estresse.
 
A mamãe Helcilene Resende, mãe da Júlia, de 7 anos, e, há dois meses, mãe dos gêmeos Miguel e Matheus, tem a sensação de que, no momento da amamentação, o amor e o orgulho pelos filhos aumentam. "Muitas mães pensam que é perder tempo, mas penso que é o contrário. Ao amamentarmos, desenvolvemos um relacionamento com nossos filhos, passamos segurança e carinho para eles", diz.

 




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