Amor ou doença?

Saúde e Vida

Criado em 19 de Outubro de 2015 Saúde e Vida

Fotos: Augusto Martins

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Conheça a Síndrome de Diógenes, transtorno psicológico que leva ao acúmulo de animais de forma desorganizada; acumuladores não são protetores, e é preciso cuidado para não generalizar

Luna Normand

PODE O AMOR AOS ANIMAIS IR além do zelo e virar compulsão? A medicina diz que sim e dá até nome para isso: Síndrome de Diógenes ou Transtorno de Acumulação, um tipo de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) conhecido pela necessidade de se coletarem intencionalmente objetos ou animais e pela dificuldade de se desfazerem dessas posses, gerando-se problemas de organização associados ao ambiente de convívio.
 
Estima-se que entre 2% e 4% da população mundial sofra desse mal, muitas vezes confundido com proteção. Mas como saber quando a paixão pelos animais é apenas uma forma de proteção ou é doença? A médica psiquiatra Bárbara Perdigão Stumpf, autora de um trabalho sobre a Síndrome de Diógenes, explica que indivíduos acometidos pelo transtorno têm como principal característica a dificuldade patológica em se desfazer das posses, mesmo que elas não apresentem mais utilidade ou causem desorganização. Segundo a médica, colecionar e guardar são comportamentos humanos conservados ao longo da evolução, mas há limites. “A doença deve ser diferenciada do colecionismo normal, uma atividade comum, prazerosa, organizada e seletiva. Os colecionadores não chegam a entulhar ambientes como os acumuladores compulsivos”, afirma.
 
A doença atinge principalmente pessoas idosas, de ambos os sexos, mas a necessidade de coletar e a dificuldade em descartar objetos começam ainda na adolescência, aumentando com o passar dos anos. Pessoas obstinadas, desconfiadas, teimosas, dominadoras e que tendem ao isolamento são mais predispostas a se tornar acumuladoras. “Acredita-se que esse transtorno seja de etiologia multifatorial, envolvendo questões genéticas, psicológicas e sociais. Do ponto de vista genético, familiares de acumuladores têm mais chance de absorver o problema do que pessoas que não possuem casos na família. Indivíduos com a doença frequentemente relatam eventos de vida estressantes antes do surgimeno ou da exacerbação do transtorno”, diz a médica.
 
 
MAIS GRAVE
Quando envolve animais, o colecionismo se torna ainda mais grave. Bárbara afirma que, nesses casos, o manejo é ainda mais difícil por atingir pessoas de personalidade independente e dominadora, que têm resistência em aceitar ajuda. “Os protetores de animais os recolhem para cuidar deles e encaminhá-los para a adoção. Já os acumuladores, geralmente, vivem em lares extremamente desorganizados, sujos e com animais malcuidados”, distingue.
 
Em 2014, após várias denúncias, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), juntamente com o Movimento Mineiro pelos Direitos Animais a Delegacia de Proteção Animal e a Secretaria Municipal de Saúde, interditou as imediações da casa de um professor aposentado de 70 anos (a identidade e o endereço foram mantidos em sigilo a pedido do movimento) que vivia na capital com mais de cem animais em condições de total falta de higiene. “Ele morava sozinho em uma casa sem energia elétrica e com muitos ratos, baratas, larvas de dengue, lixo e seus pertences pessoais em meio a tudo isso”, conta a presidente do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais, Adriana Araújo. Segundo ela, esse é um problema frequente nas grandes capitais, onde inexistem políticas públicas de manejo populacional ético de cães e gatos e onde as pessoas vivem mais isoladas.
 
De acordo com ela, foram retirados três caminhões de lixo da residência desse senhor e muitos galhos de plantas. No entanto, por falta de suporte do poder público, somente as cadelas prenhas e as ninhadas foram resgatadas e encaminhadas para adoção. Isso porque, conforme lei municipal (Portaria 020/2008), o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da PBH não tem autorização para recolher animais que estão em propriedade particular e/ou sob tutela, somente cães que representam risco à saúde da população, como os com leishmaniose visceral.
 
Em situações em que se identificam os maus-tratos, apenas com mandado judicial é possível recolher os animais. Para isso, é preciso que seja feita denúncia aos órgãos competentes e instaurado inquérito. Segundo o Artigo 32 da Lei Federal nº. 9.605/98, a pena para esse crime varia de 3 meses a 1 ano de prisão e multa. Já o fiscal da Vigilância Sanitária pode entrar em residências para verificar questões de salubridade, como mau cheiro, sujeira e fezes acumuladas, mesmo sem respaldo jurídico. O órgão só precisa ser acionado.
 
TRATAMENTO
A pessoa com suspeita de Transtorno de Acumulação deve ser examinada por um psiquiatra. Caso ela tenha capacidade de responder por seus atos, inicialmente, precisa ser orientada a fazer a limpeza do local. “Caso ela não consiga, pode-se oferecer ajuda. A limpeza à força só deve ser feita em casos extremos. Pessoas consideradas incapazes têm de ser interditadas e tratadas, devendo a limpeza ficar por conta de familiares, mas, muito frequentemente, o que se vê é que essas pessoas voltam a acumular”, destaca a médica.
 
Para conscientizar a população da gravidade do problema e da importância do diagnóstico e do tratamento correto, a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte formou, em 2014, um grupo interdisciplinar para criar um fluxo de trabalho nos casos de acumuladores (sindrômicos). Após serem identificados, eles são acomIIpanhados pelas Gerências de Atenção à Saúde, pelo Controle de Zoonoses, pela Assistência Social e pela unidade de saúde de referência do usuário.
 
CONTROLE
Até o momento, não há lei que limite o número de animais a serem criados por uma pessoa. O Projeto de Lei nº 1.132/2015, que tramita na Assembleia Legislativa, propõe o controle da reprodução de cães e gatos com o objetivo de se reduzir o número de animais nas ruas. Segundo estimativa do Centro de Controle e Zoonoses de Belo Horizonte, a capital mineira tem 275.603 cães e cerca de 54.985 gatos. Desse total, em torno de 10% estão nas ruas.
 
Em Betim, a prefeitura diz não possuir esse levantamento. Também não há uma lei que determine a quantidade de animais domésticos. Entretanto, o novo Código de Saúde Municipal, em fase de construção, irá contemplar essa regulamentação. MartinsA presidente da Sociedade Protetora de Animais de Betim, Zilda da Silva Cabral, aguarda a doação de um terreno pela Prefeitura de Betim para a construção de um abrigo público para animais abandonados em situação de risco. Dessa forma, ela acredita ajudar a reduzir os maus-tratos a animais de ruas e a dificultar a ação de acumuladores. “O projeto arquitetônico já está pronto. Estamos aguardando apenas a definição do terreno, que deve ser no Bandeirinhas”, revela. Paralelamente, a prefeitura oferece orientações, por meio do programa Posse Responsável, sobre os cuidados que os donos devem ter com os animais de estimação.
 
ACUMULADOR NÃO É PROTETOR
Acumuladores ou colecionadores de animais não são protetores. Segundo a presidente do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais, Adriana Araújo, o acumulador age por causa de transtorno psicológico. Ele não consegue cuidar de si nem dos animais, não aceita a castração dos bichos nem a ajuda de pessoas e entidades. “Já o protetor é um cidadão que se compadece animais abandonados nas ruas. Ele busca o auxílio da sociedade e, sobretudo, do poder público”, ressalta.
 
No Brasil, além de órgãos do governo e das organizações não governamentais (OGNs), há uma infinidade de ativistas que atuam em defesa dos bichos. Eles resgatam, reabilitam, dão carinho e atenção a cães, gatos e a diversos outros tipos de animais. É o caso da agrônoma e culinarista Isabela Freitas, 42, que vive com mais de 150 animais em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. É lá que ela ajuda a reabilitar animais em situação de risco resgatados das ruas. “Uma pessoa verdadeiramente humana jamais passa perto de um ser vivo, seja ele animal, seja humano, e omite socorro. Atualmente, estou cuidando de 120 cães, 40 gatos, 16 cavalos e alguns cabritos e bodes”, revela.
 
Isabela se diz uma protetora incondicional. Além de resgatar, ela prepara o animal para uma nova vida. “Não se trata de compulsão, mas de uma questão humana. Sou totalmente consciente. O acumulador apenas coloca o animal para dentro de casa. Já o protetor resgata, medica e reabilita”, conta.
 
A agrônoma Isabela Freitas é um exemplo de quem protege os animais, pois ela resgata os bichos das ruas, os reabilita e os encaminha para adoção; atualmente, ela cuida de mais de 150 animais
 
SERVIÇO
Movimento Mineiro pelos Direitos Animais
Isabela Freitas (protetora de animais)
Facebook: Isabela Freitas II



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