Anticoncepcional: vilão ou mocinho?

ANTICONCEPCIONAL

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Criado em 13 de Fevereiro de 2015 Saúde e Vida

Daniella Toledo foi vítima de complicações da pílula anticoncepcional; após dez anos de uso do medicamento, ela desenvolveu uma trombose venosa cerebral, doença que pode levar à morte/ Fotos: Hilário José

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Prestes a completar 55 anos, essas pílulas provocaram discussão nas redes sociais depois que várias pacientes relataram graves problemas após o seu uso; especialistas esclarecem benefícios e malefícios que o medicamento pode gerar no organismo da mulher

Luna Normand

EM DEZEMBRO DE 2013, a bancária Daniella Torres Toledo, 25, foi surpreendida com um diagnóstico de trombose venosa ce­rebral, um tipo de acidente vascular ce­rebral que acontece quando um coágulo entope uma das artérias do cérebro, po­dendo levar à morte ou gerar sequelas, como dificuldade na fala, cegueira ou pa­ralisia. Após um cochilo em uma tarde de sábado, veio o primeiro sintoma: dor na nuca, que evoluiu para dor de cabeça, fo­tofobia, dor na coluna, formigamento do lado direito do corpo e dormência de um dos membros.

Daniella entrou em desespero. Duran­te uma semana, ela passou por sete mé­dicos. Antes da trombose, a bancária foi diagnosticada com enxaqueca, crise de estresse, início de depressão, labirintite e sinusite. “Tomei antidepressivos for­tes, antibióticos e remédios para dores de cabeça em doses excessivas”, lembra. A jovem, então com 24 anos, ouviu dos médicos que foi vítima das complicações da pílula anticoncepcional, da qual fazia uso há dez anos.

Em 2013, 23 mortes no Canadá foram relacionadas ao uso do medicamento. Na época, o Ministério da Saúde local apon­tou as pílulas Yaz e Yasmin, do laboratório alemão Bayer, como possíveis causadoras dos óbitos. No mesmo ano, na França, quatro mulheres também faleceram após o uso de hormônios orais, nesse caso, do remédio Diane® 35, também da Bayer, suspenso no país. No Brasil, multiplicam­-se nas redes sociais depoimentos de mu­lheres que também tiveram problemas. A página “Vítimas dos Anticoncepcionais - Unidas a Favor da Vida”, no Facebook, no ar desde setembro de 2014, possui mais de 23 mil curtidas e centenas de re­latos de ex-usuárias surpreendidas com diagnósticos graves, causados pelo uso da pílula. Mas quais os reais riscos desse medicamento tão defendido pelos médi­cos e sinônimo de liberdade sexual para as mulheres?

Prestes a completar 55 anos – a pri­meira pílula, a Enovid, foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, em maio de 1960 –, o contraceptivo oral evoluiu desde seu surgimento e, hoje, está disponível no mercado em dois tipos: os que associam o estrogênio e a progesterona, chamados de “combinados”, e os à base somente de progesterona. Eles também ganharam ou­tras formas de administração além da oral – a injetável, por exemplo. Presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais e professor de gineco­logia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o médico Agnaldo Lopes da Silva Filho afirma que, assim como tudo na medicina, o uso de contracep­tivos hormonais tem riscos e benefícios que ultrapassam a gravidez. “As pílulas anticoncepcionais estão associadas a uma diminuição do risco de câncer no ovário e de endométrio. Além disso, há uma série de outras vantagens não contraceptivas, como, por exemplo, regularizar e dimi­nuir o volume do fluxo menstrual, tratar a TPM e melhorar a acne”, revela.

Apesar desse lado positivo do medi­camento, as bulas fazem o alerta: “o uso de agentes inibidores da ovulação está as­sociado a uma maior incidência de fenô­menos tromboembólicos venosos e arte­riais, principalmente trombose retiniana, tromboflebite, embolia pulmonar, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (...), náuseas, vômitos, sangramento in­termenstrual, dismenorreia, tensão ma­mária, cefaleia, enxaqueca, nervosismo, depressão, alterações da libido”.

Segundo o médico, isso ocorre, sobre­tudo, com os anticoncepcionais que con­têm altas doses do análogo do estrogênio, o etinilestradiol. Antigamente, as pílulas possuíam cerca de 50 mcg do hormônio, mas, hoje, os comprimidos têm, em mé­dia, 15 mcg, reduzindo os efeitos colate­rais. Mesmo assim, a trombose, fenômeno em que um coágulo se forma dentro das veias ou artérias do nosso corpo e blo­queia a passagem do sangue, podendo evoluir para uma embolia pulmonar ou um AVC, continua sendo um dos maiores riscos da administração dos anticoncep­cionais sem orientação médica.

“Esse risco para a população feminina, em geral, não apenas para as usuárias do anticoncepcional, é de 5 em cada 10 mil mulheres. Para as usuárias, gira em tor­no de 10 a cada 10 mil. Dessa maneira, a trombose é, sim, uma complicação, po­rém, bastante infrequente. Os benefícios da pílula parecem ser mais importantes que os perigos”, garante o profissional. Alguns fatores, no entanto, elevam esses riscos para usuárias de contraceptivos hormonais. Tabagismo, obesidade, enxa­queca com aura e hipertensão são algu­mas das consequências.

ALERTA

A empresária Simone Vasconcelos, 34, não possuía nenhum fator de risco, con­tudo, em julho de 2014, foi diagnosticada com uma embolia pulmonar, depois de três meses usando o anticoncepcional combinado Iumi. A pílula foi o método es­colhido pelo médico dela para evitar uma gravidez – Simone já é mãe de dois filhos. “Não tenho trombofilia (alterações na co­agulação sanguínea que resultam em um maior risco de adquirir trombose) e não tinha nenhum outro problema de saúde. Os médicos afirmaram que foi o anticon­cepcional, de forma isolada, que causou a doença”, diz ela, que precisou fazer tratamento com coagulantes durante seis meses e nunca mais poderá usar nenhum medicamento à base de hormônios, incluindo reposição hor­monal ao longo da menopausa.

Para alertar outras mulheres sobre os riscos dos anticoncepcionais e lutar por mudanças sérias junto às autoridades brasileiras, Simone decidiu criar no Facebook a página “Vítimas de Anticoncepcionais”. “Recebemos mais de 1.200 depoimentos, infelizmente, com três casos de óbito. Algumas mulheres ficaram com graves sequelas, como um membro inferior amputado, cegueira, falta de movimentação de um lado do corpo, tetraplegia, ausência da fala, mas em muitos casos não houve sequelas, assim como no meu”, diz.

A bancária Daniella Torres Toledo, citada no início desta matéria, perdeu o campo visual esquerdo, o nervo óptico continua inchado e ela sente fortes apertos na cabeça por causa da veia principal do cérebro trombosada. “Vou precisar de acompanhamento pelo resto da vida. Anualmente, terei que pas­sar por neurologista e hematologista, bem como realizar exames de sangue, para analisar a incidência da doença. Além disso, estou em tratamento com oftalmologista e vou tomar um medicamento para ‘ralear o sangue’, preve­nindo-me do risco de ter coagulações para o resto da vida”, conta ela, que, agora, faz uso do DIU para prevenir a gravidez. “Me sinto muito bem. Não tive nenhum desconforto, e minha médica disse que, atualmente, esse é um dos métodos mais seguros”, afirma.

GRANDE PARTE DAS MULHERES PODE VIVER SEM O ANTICONCEPCIONAL

Na contramão da medicina “mo­derna”, o médico homeopata Ícaro Alves Alcântara declara que 90% das mulheres são capazes de viver sem o anticoncepcional. Autor de dezenas de artigos sobre o tema, ele mantém um site (www.icaro.med.br) em que defen­de o organismo livre de hormônios que não sejam bioidênticos – substâncias hormonais que possuem exatamente a mesma estrutura química e molecular encontrada nos hormônios produzidos no corpo humano.

“Todo anticoncepcional é perigo­so porque ele substitui o estradiol e a progesterona da mulher por hormônios que não são bioidênticos. À medida que esses hormônios se acumulam no organismo, mesmo em baixa dosagem, vários sintomas vão aparecendo, dentre eles dores de cabeça, depressão, celuli­te, distúrbios de humor, problemas de sono, cicatrização e circulação, ganho de peso, alguns sangramentos de esca­pe, redução do desejo sexual e do me­tabolismo.

Ele afirma que falta informação so­bre o uso indiscriminado dos anticon­cepcionais e os seus malefícios. “Já atendi a várias mulheres cujas vidas foram devastadas pelo uso das pílulas, e estas continuam sendo vendidas livre­mente porque a indústria farmacêutica minimiza os seus riscos. Pelos meus estudos, posso afirmar que a pílula não compensa”, garante.

Como alternativa aos métodos hor­monais, Ícaro indica o DIU de cobre, o método Billing, o coito programado e o preservativo. “Já para o alívio dos sinto­mas da TPM, temos os óleos de prímula e de borragem, os hábitos saudáveis de vida, como exercício físico regular, ali­mentação saudável e meditação, tão ne­gligenciados hoje em dia”, indica. 

ANVISA DIZ MONITORAR SEGURANÇA DOS MEDICAMENTOS

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que monitorar os riscos e os dados de farmaco­vigilância dos medicamentos faz parte da sua rotina, mas acrescenta que, até o momento, não há fatos que tenham motivado uma revisão do perfil de segurança dos anticoncepcionais. O último posicionamento da agência sobre o tema é de 2013, no qual ela se compromete a realizar uma análise do benefício/risco do medicamento Diane® 35 e seus genéricos, após as mortes na França e a suspensão de sua venda no país.

O ginecologista Agnaldo Lopes da Silva Filho garante que a pílula anticoncepcional é segura e que ela constitui um dos grandes avanços da medicina moderna, porém, salienta que seu uso deve ser prescrito por um médico. “Os benefícios superam os riscos, mas a escolha do me­lhor método contraceptivo deve ser compartilhada entre ginecologista e paciente. Em caso de efeitos colaterais, como cefaleia, inchaço nas pernas e sangramentos irre­gulares, a paciente precisa ser avaliada”, pondera.

A gerente comercial Marina Oliveira, 24, utiliza a pí­lula Diminut há seis anos, por conta das fortes cólicas que sentia. Segundo ela, desde então, só sentiu bene­fícios. Mas, antes de começar a usar anticoncepcional, Marina procurou um ginecologista. “O desconforto era tamanho que eu tinha de administrar em torno de dois a três comprimidos de Buscopan por dia. Já fui até parar no hospital por isso. Depois de interromper o uso do anticoncepcional, as dores melhoraram surpreendente­mente, a minha pele ficou com o aspecto mais saudável e os efeitos da TPM – irritabilidade, fadiga, alteração do apetite e dores de cabeça – amenizaram”, conta.

Amiga da bancária Daniella Torres, ela diz que o pro­blema vivido pela colega não a fez abandonar o medica­mento. “O que aconteceu com a Dani me levou a pes­quisar ainda mais a pílula, os sintomas da trombose e o medicamento que utilizo, embora isso não tenha me levado a pensar em mudar o método. Acredito que esse problema não atinge todas as mulheres”, conclui.

PRINCIPAIS MÉTODOS DE CONTRACEPÇÃO

HORMONAIS

  • Pílulas combinadas (possuem dois hormônios: o estrogênio e a progesterona); minipílulas (têm apenas progesterona e são recomendadas para mulheres que não podem com o estrogênio, como aquelas com enxaqueca com aura, sob risco de doenças tromboebólicas ou que estão amamentando); adesivo; injeção mensal ou trimestral; implante subcutâneo e dispositivo intrauterino hormonal (DIU – libera o hormônio levonorgestrel diretamente no útero. Como não atinge a corrente sanguínea, possui muito menos efeitos colaterais do que a pílula).


NÃO HORMONAIS

  • Preservativos femininos e masculinos: diafragma; DIU de cobre (nãopossui hormônios, agindo por meio das propriedades do cobre, que impedem a fertilização); tabelinha; coito programado e método Billing.



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