Cabo de guerra familiar

Casos de alienação parental tiveram aumento superior a 100% nos tribunais mineiros nos últimos dois anos. Briga entre os pais prejudica principalmente os filhos.

Criado em 18 de Dezembro de 2018 Comportamento
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O termo ainda causa estranheza a algumas pessoas, mas o conceito já se tornou bastante popular. A alienação parental ocorre quando o pai ou a mãe de uma criança ou adolescente interfere na formação psicológica do filho, desqualificando a imagem do outro genitor e impedindo a boa relação com ele. Em alguns casos, a situação é praticada também por avós ou pessoas próximas da família. O resultado, geralmente, é o mesmo: apego excessivo a um dos lados e desprezo ao outro.

O problema é tão grave que levou à sanção da Lei 12.318, em 26 de agosto de 2010, no Brasil, também conhecida como Lei da Alienação Parental. O problema, no entanto, é bem mais antigo. A manipulação dos filhos – e o efeito dela na vida deles – começou a ser estudada pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, na década de 1980. Em 1985, ele propôs a criação do termo Síndrome da Alienação Parental (SAP) e mostrou como jovens vítimas dessa interferência apresentavam forte temor e ansiedade por desenvolverem preferência por um dos pais.

De acordo com o advogado especialista em direito de família Rachid Silva, outros sintomas comumente observados nos filhos que vivem esse conflito são baixo rendimento escolar, insegurança, medo e fobias, apatia, timidez e até febre. Por isso, ele afirma, a SAP começou a ser tratada pela medicina antes de chegar ao direito.

“Em 1998, tivemos a primeira lei que modificava o Código Civil na questão da guarda em casos de separação ou quando os pais não viviam juntos. Começamos a introduzir mecanismos da chamada guarda compartilhada, que é a participação de ambos os genitores em todos os atos da vida da criança enquanto ela não for responsável por si mesma. Não é uma questão de morar com um ou com o outro, mas de haver um envolvimento constante das duas partes”, relembra Silva. “A lei, então, aparece em 2010 para caracterizar a alienação parental e dar aos juízes condições de analisar as alegações de impedimento de convivência com os filhos”, emenda o advogado.

Quando a denúncia é confirmada, conforme explicado por Silva, o juiz pode advertir o alienante, aumentar o direito de visita do alienado ou até mesmo inverter a guarda. Se houver descumprimento – como evitar contato do filho, tirar acesso ao telefone, não entregar a criança nos dias de visita –, poderá ser estabelecida uma multa diária para o infrator.

Casos mais graves, a exemplo da mudança de endereço para locais muito distantes, negar informações sobre questões médicas e escolares do filho e evitar convivência com parentes do antigo parceiro, podem resultar na retirada do nome do pai ou da mãe da certidão de nascimento, “o que é muito grave, do ponto de vista psicológico ou jurídico, e já há jurisprudência em todo o Brasil de casos assim, de perda do poder familiar, inclusive no Superior Tribunal de Justiça”, segundo o advogado.


Difusão

Levantamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mostra que a mudança na legislação, com a sanção da Lei 12.318, tem sido uma ferramenta importante não só para os magistrados, mas para os pais alienados. O número de processos no Estado mais do que dobrou de 2016 para 2017, saltando de 516 para 1.042. Em Belo Horizonte, o aumento foi de 100%, na mesma comparação: 110 ações em um ano e 220 no outro.

Para especialistas da área de família, a conscientização sobre o problema e os debates cada vez mais frequentes nos meios acadêmicos, na imprensa e no próprio Judiciário contribuem para esse cenário.

Foi o que aconteceu com o ferramenteiro João*, de 50 anos. Ciente de que estava sofrendo alienação, ele decidiu acionar a Justiça para tentar uma reaproximação com as quatro filhas que ele não vê há quase uma década. 

Segundo João, depois de 21 anos de casamento, a separação não foi nada amigável, porque a ex-companheira não aceitava o término. A situação se agravou ainda mais quando ela ficou sabendo que João estava se relacionando com outra pessoa: “A partir daí, inventou que eu tinha trocado minhas filhas por outra mulher. Isso foi passado para elas de uma maneira que talvez seja no que acreditam. É uma situação difícil, porque envolve sentimentos e comportamentos que eu não entendo”.

O ferramenteiro afirma que não buscou os direitos de exercer a paternidade antes para não prejudicar as meninas, todas menores de idade, na época. “Eu não poderia deixar que minha ex-mulher me usasse para fazer pressão sobre elas. Não valia a pena tentar ter contato. Era melhor que houvesse harmonia lá”, diz.

Hoje, ele lamenta o distanciamento – até o momento, não houve avanços no processo – e é ponderado quanto ao futuro. A esperança é que pelo menos a filha caçula, agora com 12 anos, faça contato novamente. “Ou pode ser que as coisas mudem de uma hora para outra. Não dá para prever”, afirma.

Solução pacífica

A história de João não foge à regra quando o assunto é alienação parental. De acordo com a advogada Michelle Melo da Silva, que atua principalmente no direito familiar, os pais são mais alienados do que as mães, principalmente, porque, na maioria das vezes, a guarda dos filhos é concedida a elas.

“Acontece muito quando o casal está separado de fato ou judicialmente, sobretudo, quando ocorrem atrasos no pagamento da pensão ou a pessoa acha que o valor está baixo. Aí, a mãe decide que o pai não pode visitar o filho, mas uma coisa não tem a ver com a outra”, explica.

Segundo Michelle, para tentar resolver esses embates, os juízes têm lançado mão de métodos de solução de conflitos, como, por exemplo, a mediação, a conciliação e a constelação familiar (técnica terapêutica realizada em grupo).

Sinal de alerta

Crianças e adolescentes apresentam alguns sinais quando o pai ou a mãe sofre alienação parental. De acordo com o advogado Rachid Silva, as mudanças podem ser observadas por professores, parentes, amigos, por relatos do próprio jovem ou por qualquer pessoa que esteja atenta. Diante de alterações no comportamento, falta de prazer típico, desânimo e queixa de dor, é hora de procurar um psicólogo e um advogado para ajuizar uma ação contra o alienante.

“A primeira providência é pedir ao juiz para chamar a pessoa denunciada para esclarecer a situação e solicitar um laudo psicossocial com uma assistente social para checar se há ou não alienação parental”, diz Silva.




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