Doutores do riso

Comédia stand up ganha força em Minas e revela talentos locais nos palcos e na internet. Figuras já conhecidas tiveram mais notoriedade com a estreia de mostra exclusivamente dedicada ao estilo importado dos EUA.

Criado em 15 de Março de 2018 Capa
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Se rir é o melhor remédio, provocar o riso é a medicina dessa turma que vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil fazendo graça em pé. Os “doutores”, nesse caso, são os humoristas da comédia stand up, gênero importado dos Estados Unidos que vem fazendo a alegria também dos brasileiros. O sucesso incontestável resultou na criação de uma mostra exclusivamente destinada a esse formato de apresentação dentro da 44ª edição da Campanha de Popularização Teatro & Dança, neste ano.

Ao menos 20 humoristas se revezaram no palco da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, durante oito dias de janeiro e de fevereiro. De cara limpa e sem cenário, eles não deixaram dúvidas de que vieram mesmo para ficar. “A receptividade do público à mostra de stand up foi muito positiva. Todas as sessões ficaram esgotadas, e muitas tiveram até potencial para abrir um horário extra, o que confirmou nossa expectativa de que a novidade seria um sucesso”, avalia o presidente do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc), Rômulo Duque, organizador do evento.

Segundo ele, o gênero evidencia a existência de uma sintonia entre os espectadores e os atores – muitos deles já consagrados na comédia e em cartaz na campanha com outras peças –, principalmente, quando assuntos e situações corriqueiras são satirizadas.

“O ser humano gosta mesmo é de se divertir. A vida já tem bastantes dificuldades, e o sofrimento vem como excesso. Não é bom para nada. A comédia traz mais leveza à vida, e a tradição do humor no país é muito forte, passando por grandes nomes, que vão desde Mazzaropi a Grande Otelo e Chico Anysio”, conclui o presidente do Sinparc, antecipando que, no ano que vem, a proposta é fixar o stand up na grade de espetáculos durante toda a Campanha de Popularização Teatro & Dança.

Made in Ceará

Radicado na capital mineira desde 2006, o ator, humorista e produtor cultural cearense Glauber Cunha, de 43 anos, foi um dos responsáveis por divertir o público na mostra de stand up da campanha. Mas vale dizer que a saída dele de Fortaleza e a vinda para Minas pouco tiveram a ver com a atual consagração na terra do “uai”, já que a mudança de endereço ocorreu em função de uma proposta de emprego como analista de suporte na área de informática.

Hoje, com quase 180 mil seguidores nas redes sociais, ele relembra o início da carreira no humor, ainda como espectador, em 2009. “Vi uma apresentação de stand up comedy, escrevi um texto e, no mesmo ano, fiz meu primeiro open mic (microfone aberto, em tradução literal), no Bar Canapé, com o grupo Queijo Comédia e Cachaça”, relata Cunha, referindo-se à oportunidade de apresentação que comediantes profissionais costumam oferecer aos iniciantes.

Sem experiência alguma com palcos e público, ele, que é formado em produção multimídia, procurou se especializar, fazendo cursos de teatro, oratória e neurolinguística, além de oficinas de improviso e clown (“palhaço” em inglês). Tanta dedicação trouxe resultados. Em menos de uma década, o humorista vem acumulando premiações: foi o campeão do 2º Concurso de Stand Up Comedy do programa “Tudo é Possível”, da TV Record; ficou em segundo lugar no 1º Campeonato de Causos & Piadas de Buteco de Belo Horizonte; e conquistou a terceira colocação no I Festival Mineiro de Humor do Sesc, nas categorias Stand Up
e Personagem. “Os concursos foram um ótimo aprendizado para mim. Aprendi a como me comportar diante das câmeras, ganhei alguns seguidores nas redes sociais e viajei fazendo shows pelo Brasil”, conta.

A fala modesta contrasta com os números alcançados em pouco tempo. Com milhares de visualizações no YouTube e curtidas no Facebook, o humorista admite que começou a levar a sério as publicações na internet somente a partir de novembro do ano passado e, desde então, tem tido um crescimento “acima do esperado”. E é justamente à web que ele atribui a delícia e a “peleja” de fazer o que faz. “Temos muito mais humoristas hoje do que há dez anos. É muito conteúdo de humor na internet, muitas opções de shows. Então, é preciso fazer um bom trabalho para se destacar e ser bem-sucedido. Por outro lado, isso também é uma vantagem, pois reforça o sucesso do stand up comedy no Brasil. E outra vantagem, atualmente, são as redes sociais. Não é preciso mais esperar uma oportunidade na TV para que as pessoas conheçam seu trabalho”, ressalta.

Trem de doido

Episódios recentes têm deixado bem claro que os palcos online são, de fato, um atalho para o triunfo. Mais de 1 milhão de visualizações e quase 22 mil compartilhamentos foram a marca alcançada pelo comediante Stevan Gaipo, de 22 anos, com um vídeo postado no Facebook, em janeiro último, sobre a supremacia da drogaria Araujo em Belo Horizonte. Apostando na famosa piada interna – uma vez que é preciso conhecer o cenário local para entender a graça –, o mineiro de Oliveira, na região Centro-Oeste do Estado, rapidamente viralizou na internet e conquistou reconhecimento também no mundo real.

“Para um artista isto é muito legal: ver pessoas apreciando e compartilhando seu trabalho. Após o sucesso do vídeo, algumas situações bem engraçadas aconteceram. Eu estava na rua, e um policial gritou: ‘ei, você aí de listrado’. Olhei vagarosamente para ele enquanto me perguntava o que eu teria feito de errado. Ele completou: ‘você faz stand up, não faz? Vi seu vídeo da Araujo’”, conta Gaipo.

Representante da nova geração de humoristas brasileiros, ele não pensa em deixar Minas Gerais. Entre seus planos está a estreia de um show solo em breve, aproveitando as oportunidades que o mercado mineiro oferece, ainda sem mirar a projeção nacional. “Há muito para conquistar e trabalhar aqui”, garante, sem esconder que o ideal seria “fazer shows no fim de semana e jogar videogame no restante do tempo”.

Apesar do pouco tempo de estrada – e de vida –, o comediante oliveirense acumula experiências e histórias para contar. Graduado em marketing, com pós-graduação em marketing digital, ele já fez teatro e chegou a apresentar peças como “A Farsa da Boa Preguiça”, escrita por Ariano Suassuna, até que foi convidado a participar de um grupo de humor e conheceu o stand up, ainda no interior de Minas. O amor à primeira vista pelo gênero resultou nesse relacionamento estável, que segue firme até hoje.

Para ele, a oportunidade de subir em um palco e divertir o público acabou sendo muito mais do que a descoberta de uma vocação e se tornou uma injeção de ânimo aplicada diretamente na autoestima. “No começo da adolescência, passei a ser uma pessoa com muita necessidade de aceitação. Queria que todo mundo gostasse de mim. Comecei a perceber naturalmente que, quanto mais engraçado eu fosse, mais as pessoas iriam gostar, querer estar perto e ouvir o que eu tinha a dizer. Talvez essa tenha sido a época em que eu mais exercitei a habilidade de fazer rir”, diz.

Gaipo, então, montou junto a amigos o espetáculo “Comédia de Quinta”, que permaneceu em cartaz durante cinco temporadas, em Oliveira. “Nesses cinco anos de comédia, eu me apresentei para plateias lotadas, mas também para seis pessoas após viajar 440 km para um show no Rio de Janeiro. Nessa ocasião, aprendi que não deveria ter colocado o show para concorrer com as Olimpíadas. Acredito, porém, que, por um lado, foi bom um público tão vazio: ganhei uma ótima história para contar”, diverte-se.

Graça alcançada

A origem da comédia stand up (“em pé” na tradução literal do inglês) não é precisamente conhecida. Acredita-se que ela tenha nascido de um movimento de contracultura norte-americano, no qual os comediantes, por estarem cansados das mesmices apresentadas no cenário humorístico dos Estados Unidos, decidiram transformar a própria rotina em sátira.

Na ausência de consenso, há quem afirme também que esse modelo de apresentação teve início com o teatro de revista (vaudeville), novamente na terra do Tio Sam. Naquela época, fim do século XIX, os comediantes eram meros contadores de piadas que entretinham a plateia com um número de abertura ou durante os intervalos de espetáculos e shows.

Nesse gênero, o humorista normalmente se apresenta sozinho no palco, em um monólogo sem figurino específico (vestindo roupas normais), sem cenário nem acessórios. No Brasil, o stand up chegou por volta dos anos 1960, trazido por Chico Anysio e José Vasconcellos. A partir dos anos 2000, o movimento ganhou força no país com a inauguração de bares dedicados às performances de humoristas nacionais, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Alguns programas de televisão também contribuíram para a ascensão do gênero. É o caso, por exemplo, do “CQC” (Custe o que Custar), da Band, que tinha na formação original Danilo Gentili e Rafinha Bastos, dois nomes de peso do humor brasileiro contemporâneo. Já o semanário “Porta dos Fundos”, lançado na internet, trouxe à tona novamente ícones de blogs e do stand up, como Kibe Loco e Jacaré Banguela, para esquetes online.

Atualmente, os canais de TV por assinatura Multishow e Comedy Central são os que mais apostam nessa modalidade na programação regular.

Agora é que são elas

A exemplo do que ainda acontece em várias outras profissões, as mulheres são minoria no stand up em Minas e no Brasil. Hoje, dos 18 comediantes do Estado com Atestado de Capacitação Profissional (ou registro, também popularmente chamado de DRT, sigla de Delegacia Regional do Trabalho), apenas duas representam o sexo feminino.

A belo-horizontina Júnia Flor, de aproximadamente 30 anos (ela não revela a idade exata nem por um decreto!), é uma delas. Graduanda em teatro pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a moradora de Contagem, na região metropolitana, apresenta-se como uma multiprofissional: atriz, comediante, palhaça e fotógrafa.

A aventura pela comédia stand up começou em 2016, depois de ela ter participado de uma oficina com o também comediante Léo de Castro e de alguns open mics em um projeto dele, o “Redondamente Engraçado”. Acostumada com os palcos e com o público – no currículo, ela já traz atuações em teatro político e dramas –, fazer humor pela primeira vez foi desafiador e “muito difícil”.

“Dei continuidade para me provocar. Diferentemente dos espetáculos teatrais, para os quais a gente ensaia muito e se prepara para a apresentação, no stand up só percebemos se a piada funcionou ou não na hora. Vemos isso de cara limpa, sem suporte de cenário ou figurino. Não é um personagem. Somos nós mesmos falando nossas verdades”, diz.

Como mulher em um meio predominantemente masculino – tanto de comediantes quanto de público –, Júnia percebe que a identificação das espectadoras com o texto dela é naturalmente mais fluida do que em relação aos homens. Por causa disso, ela defende que haja mais presença de comediantes do sexo feminino nesse formato de apresentação. “Temos essa necessidade, porque os homens fazem humor a partir da perspectiva deles. As mulheres acabam comprando muitas verdades masculinas, porque é o que mais circula. Mas também temos que ter muito cuidado para que isso não se transforme em uma guerra de sexos, afinal o que procuramos é o equilíbrio. Somos seres que se complementam”, pontua.

Também natural de Belo Horizonte, Paloma Santos, de 37 anos, é a outra comediante com registro profissional em território mineiro. Jornalista e radialista de formação, ela “tentou ser normal” ao longo da década em que trabalhou no Judiciário, mas não conseguiu se manter afastada dos palcos, dos quais ela já gostava desde os tempos de escola, quando escrevia peças e participava de todo o processo teatral.

No início dos anos 2000, por força do destino, assim como Júnia Flor, ela acabou participando de uma oficina de stand up com outros quatro comediantes, e, em 2008, eles criaram o primeiro grupo do gênero no Estado, o “Queijo Comédia e Cachaça” – aquele mesmo que abriu o microfone para Glauber Cunha.

O pioneirismo de Paloma em um estilo relativamente novo na Grande BH – por aqui, ele chegou por volta de 2009, segundo ela mesma conta – rendeu muita exposição midiática, convites para participar de programas nacionais e concursos de humor Brasil afora. “Eu participei de praticamente todos da época: do ‘Show do Tom’, do Tom Cavalcante, até o ‘Quem Chega Lá’, do Faustão. Só não me apresentei ainda na TV Senado e na TV Câmara. A concorrência ali é muito grande”, brinca. Atualmente, ela participa do programa diário “Central FM”, da rádio 98 FM.

Com vasta bagagem profissional, a comediante relembra que, desde o início, tirou de letra o fato de ser minoria em um meio majoritariamente formado pelo sexo oposto e acredita que tenha sido mais intimidadora do que intimidada. Para ela, uma série de fatores justifica essa predominância de homens no stand up. “Entre eles está a falta de estímulo, no sentido de termos ainda uma cultura muito misógina e ‘piadocas’ de reforço de estereótipo. Esse tipo de humor afasta alguns grupos, como os de mulheres e gays, que, em grande parte, são o foco de alguns artistas. Outro fator é o da falta de generosidade no meio. Não é o caso aqui, em Minas, que tem muito intercâmbio de ideias, indicações e parcerias, mas em outras praças acontece, sim, uma pressão maior em relação às mulheres, de subjugação mesmo”, afirma.

Com muitas batalhas vencidas e olhando para frente, Paloma adianta que, neste ano, quer se dedicar ao conteúdo online, sem abandonar, é claro, o trabalho no rádio e na TV. “Talvez escrever meu monólogo”, antecipa.


 




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