Entusiastas do bacon, apertem os cintos!

Essa iguaria e todas as outras carnes processadas foram alvo de estudos da OMS, que alertou a população para o potencial que esse tipo de alimentação tem para provocar câncer

Criado em 04 de Abril de 2016 Saúde e Vida

ALIMENTOS CARCINOGÊNICOS

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Julia Ruiz

PESQUISA REALIZADA por um grupo de aproximadamente 20 cientistas de todo o mundo revisou mais de cem estudos sobre esse tipo de alimento – e também sobre a carne vermelha. As conclusões para quem o consome frequentemente não são nada animadoras. O anúncio de que esse tipo de alimento é “sabidamente carcinogênico”, ou seja, que tem poten­cial para provocar câncer, causou tristeza em muita gente. A boa notícia é que se prevenir não é tão difícil. Se você também faz parte do grupo de entusiastas do ba­con, do hambúrguer, da salsicha, dentre outros, não deixe de ler esta reportagem e entenda por que esses alimentos devem ser luxo esporádico.


O aposentado Sidney Varanda, 60 anos, sempre viu com certo receio as pesqui­sas científicas que tratam determinados alimentos como “mocinhos” ou “vilões”. Contemplado com uma estrutura corporal longilínea, fruto da “boa genética”, sempre muito ativo e com ótima saúde, nunca se preocupou em fazer dietas ou ter restri­ções alimentares. “Sempre comi tudo que já provocou debates entre pesquisadores, como ovo, carne vermelha e amendoim. Só abro mão da cerveja quando estou diri­gindo”, conta. Fascinado por pizza e embu­tidos, ele não titubeia – nem se sente cul­pado – em incluir esses tipos de alimento no cardápio semanal. Um estudo recente, porém, está fazendo com que ele reveja seus hábitos. É que, desta vez, a pesquisa não foi desenvolvida por alguma univer­sidade sem tanto prestígio no mundo ou com um número inexpressivo de cobaias.

No fim de outubro de 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc em inglês), que integra a Organiza­ção Mundial da Saúde (OMS) e que avalia o risco daquilo que pode levar à doença, jogou um verdadeiro balde de água fria em amantes dessas iguarias. Ela classificou as carnes processadas (salsicha, presunto, hambúrguer, linguiça, bacon, dentre ou­tras) como pertencentes ao “grupo 1”. E o que isso significa? Para a Iarc, alimentos “sabidamente carcinogênicos”, ou seja, que favorecem o surgimento do câncer. A carne vermelha (boi, porco, cavalo, cordei­ro, cabra...) está no “grupo 2 A”, um nível abaixo dos mais prejudiciais, que indica alimentos “possivelmente carcinogênicos”. A associação entre o consumo desses ali­mentos e a doença ocorre, sobretudo, para câncer colorretal, mas também para câncer de pâncreas e de próstata.

Vale ressaltar que o grupo 1 inclui nada menos do que tabaco, amianto, fumaça de diesel, exposição solar e bebidas alcoólicas, para citar alguns. Isso não quer dizer que todos provocam câncer na mesma magni­tude, mas que existem evidências cientí­ficas suficientes para fazerem a ligação. Já na categoria 2A, a das carnes vermelhas, constam ainda o glifosato, ingrediente ati­vo de muitos inseticidas, frituras em tem­peratura muito alta e, até mesmo, ativida­des profissionais em horários irregulares, que, segundo a pesquisa, rompem o ciclo circadiano, que representa o período de 24 horas em que se completam as atividades biológicas do corpo humano.

AMEAÇA

Mas, afinal, qual é o problema da car­ne processada? Esse tipo de carne sofre modificações para alterar seu sabor e/ou para estender o tempo em que pode ficar na prateleira de um estabelecimento co­mercial. Para isso, são utilizados conser­vantes, além de processos de defumação, fermentação, secagem, dentre outros. Grande parte contém ainda restos e mis­turas de cortes de carnes bovinas, suínas e de aves, bem como sangue ou vísceras.

Conforme o documento da Iarc, cada 50 gramas de carne processada aumenta em 18% o risco de câncer, o que obviamen­te mostra que, quanto maior o consumo, maior o risco.

E por que esses alimentos podem pro­vocar câncer? Compostos químicos can­cerígenos, como N-nitrosos ou hidrocar­bonetos aromáticos policíclicos, podem se formar a partir do processamento das carnes. Com o intuito de facilitar a com­preensão, a Mais convidou o oncologista Roberto Fonseca, clínico-presidente do Conselho Superior da Sociedade Brasilei­ra de Cancerologia, para discorrer sobre o tema. Ele explica que o câncer é uma doença genética, que pode ser hereditá­ria ou surgir, principalmente, depois do contato com substâncias e/ou agentes mutagênicos. “A maioria dos tumores malignos que acomete os seres humanos tem relação com os hábitos de vida. O ci­garro é responsável por 30% dos tumores malignos; outros 30% têm a ver com os alimentos consumidos frequentemente, sendo que, desses, 20% estão ligados à obesidade. Se nós adicionarmos à lista outros fatores causais, como radiação io­nizante e o uso indevido de hormônios, podemos afirmar que, potencialmente, 50% de todos os cânceres podem ser pre­venidos. Devemos lembrar que o câncer não é só uma doença. Dependendo do tipo de célula no organismo que o origi­nou, terá fator causal, evolução natural e desfecho próprio”.

Ainda de acordo com o oncologista, a maneira mais eficaz de combater o cân­cer é a prevenção primária, ou seja, evitar que a doença surja no organismo. E, como “substâncias oriundas do processamento têm poder mutagênico e, consequente­mente, carcinogênico, particularmente para o câncer do intestino grosso”, o con­sumo dos processados não deve ser feito no dia a dia, apenas esporadicamente. O que se recomenda, então, é que se reduza ao máximo a ingestão desse tipo de ali­mento, priorizando-se o consumo diário de legumes, verduras e frutas, aliado à prática de atividade física, ao uso modera­do de bebida alcoólica, ao não-tabagismo e à avaliação médica periódica”, alerta Fonseca.

Se isso parece muito para você, é me­lhor ficar atento. Conforme ressalta o on­cologista, a OMS aponta que, em 2020, o câncer irá superar as doenças cardiovascu­lares e assumir o topo da causa de mortes no mundo. Por isso, enfatiza o profissional, é necessário prevenir-se. “Estima-se que, só em 2008, 13 milhões de novos casos de câncer surgiram no mundo, provocando 7,5 milhões de mortes. Por isso, a preven­ção foca a mudança do estilo de vida e de fatores ambientais, grandes responsáveis pelo aparecimento da doença”.

BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS

A nutricionista Mônica Burgueira en­fatiza que sim, os alimentos processados devem ser evitados ao máximo. Fica tam­bém um alerta para o churrasco, queridi­nho dos brasileiros, já que a fumaça e a alta temperatura também podem produ­zir compostos cancerígenos.

Tudo bem, já sabemos que as carnes processadas são luxo esporádico. Mas e a carne vermelha? De acordo com Mônica, ela não deve ser abolida da dieta por con­ter nutrientes importantes para o corpo humano. “É rica em proteínas e fornece ao organismo as vitaminas lipossolúveis D, E, K e A; e as do complexo B, principalmente a B12. A falta da vitamina B12 pode acarre­tar mudanças no sistema nervoso, como di­ficuldade de expressão e locomoção, além de anemia megaloblástica. Já a vitamina D ajuda no desenvolvimento e no cresci­mento dos ossos; a vitamina E, na proteção das membranas celulares; a vitamina K, na coagulação sanguínea; e a vitamina A, na proteção da visão. A carne vermelha possui ainda proteína de alto valor biológico, ou seja, contém aminoácidos essenciais, que auxiliam na recuperação, no crescimento celular e na formação das hemoglobinas, pela alta quantidade de ferro”. Então, qual é o problema? “Os malefícios normalmente estão associados ao consumo excessivo e ao consumo de cortes mais gordos, com excesso de gorduras saturadas e coleste­rol”, explica a nutricionista.

Ela ressalta que a quantidade ingeri­da deve variar de acordo com o peso e a composição corporal de cada indivíduo. “Porém, a recomendação é a ingestão de carnes magras, sem gorduras aparentes, e preparadas no forno, cozidas ou grelhadas, evitando-se frituras. Devemos nos lembrar dos benefícios que a carne nos traz se con­sumirmos com moderação, da maneira adequada e sem aditivos ou conservantes”.

Já a nutricionista vegetariana Karina Ri­beiro diz que os mesmos nutrientes con­tidos na carne podem ser obtidos nos ali­mentos de origem vegetal. “Por exemplo, podemos obter proteína consumindo ole­aginosas como castanhas, nozes ou amên­doas; leguminosas como feijões, ervilhas, lentilhas, soja ou grão de bico – se esses alimentos forem germinados então, me­lhor ainda o aproveitamento de minerais e vitaminas”, explica, acrescentando outras fontes de proteína, como os cereais aveia, quinoa ou amaranto, dentre outros. “Já o ferro pode ser adquirido por meio das leguminosas, das folhas verdes escuras ou do melaço de cana. Uma dica para se ter uma melhor absorção do ferro é acrescen­tar uma fruta cítrica após o almoço ou o jantar”. Já a vitamina B12, de acordo com a nutricionista, pode ser encontrada em algas ou em alimentos enriquecidos, ou ainda ser suplementada”.

Segundo a profissional, desde que a ali­mentação vegetariana seja bem-orientada, ela pode ser incluída em qualquer fase da vida. “Inclusive, o novo Guia Alimentar, feito pelo Ministério da Saúde em 2014, mencio­na que a carne não é um alimento indispen­sável na alimentação e diz mais: se seu con­sumo for diminuído, pode contribuir para a redução do efeito estufa, do consumo de água e do desmatamento”, completa.

O “segredo”, pelo jeito, está no bom senso e no equilíbrio, lição que Sidney Varanda, o entusiasta dos processados e embutidos, busca aplicar em seu estilo de vida. “Li bastante sobre o estudo, me assustei, mas também me informei bem e decidi ter uma alimentação mais saudável. Claro que não vou cortar da minha vida tudo aquilo de que gosto, mas aprender a viver bem também é algo que dá prazer, tanto quanto comer a linguiça calabresa”, brinca o aposentado, que confessa que vai aproveitar para fazer um check-up e começar a passear mais vezes mais com a cadela da casa, a rotweiller Akira.




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