Grudento, eu?

Sentir-se carente em estados situacionais é comum. Quem nunca ficou mais exigente de atenção quando sofreu uma separação traumática? É preciso, entretanto, ficar atento quando esses sentimentos são permanentes

Criado em 15 de Março de 2017 Comportamento
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 Você ama seu companheiro e seus amigos, faz tudo por eles e não se importa em colocá-los à frente de seus planos? Você até fica sozinho em casa, mas só acha graça em um programa quando eles estão com você? Quando estão longe, é impossível ficar sem contato por redes sociais e telefonemas?  Você pode não ter se dado conta, mas há a possibilidade de você ser chamado de “grudento” por aí. E se essa carência é acompanhada de ciúmes e de insegurança, é melhor ficar atento, pois você pode estar vivendo uma relação de dependência emocional.

Segundo especialistas, é comum todos nós passarmos por momentos de carência em um ou outro momento de nossas vidas, uma vez que esse sentimento é natural e até saudável. “Podemos dizer que há estados de carência, porém, é preciso atentar quanto à constância desse sentimento, pois, se ele se apresenta como uma característica constante, pode comprometer a autonomia da pessoa”, explica a psicóloga Rosane Ruela, de 39 anos. “A carência afetiva afeta tanto homens quanto mulheres. Se o indivíduo apresenta baixa autoestima, considera-se inadequado e sem atrativos, faz coisas que não deveria apenas para manter a outra pessoa no relacionamento, exigindo dela uma atenção exagerada, e experimenta um grau de ansiedade intensa à medida que fantasia a possível perda do outro, esse já é um indicativo de um processo de dependência emocional”, enfatiza.

Em grande parte das vezes, a pessoa não percebe esse desequilíbrio emocional, pois a carência pode ter tido origem no passado. “Na infância, principalmente, tanto a superproteção e o excesso de cuidados quanto as experiências emocionais não atendidas pelos pais podem ser responsáveis por esses desdobramentos. A dependência que se estabelece com os pais limita a capacidade do indivíduo, e, como consequência, seu bem-estar fica condicionado a outras pessoas”, afirma a psicóloga. Em outros casos, a pessoa se assume “grudenta” e compreende a possível origem dessa característica. Esse é o caso do engenheiro Lucas Medeiros, de 26 anos, que se assume “grudento” desde a infância. “Pensei que isso fosse mudar quando eu crescesse, mas não. Eu continuo ‘grudento’. As pessoas sempre apontam essa característica em mim, mas, para ser sincero, eu não me importo. Acredito que a necessidade de carinho e de atenção está intimamente relacionada à relação com minha mãe. Sempre fui muito apegado a ela. Agora, que namoro, transferi esse sentimento ao meu relacionamento. Sem falar em amigas íntimas ao longo da vida, com as quais mantive relação forte: também era ‘grudento’”, afirma Lucas. O engenheiro, entretanto, tem uma visão positiva sobre essas características. “O fato de ser ‘grudento’ pode representar preocupação e necessidade de dar proteção. Sei que isso pode incomodar, e muito, algumas pessoas mas, até então, não me prejudicou a ponto de eu sentir necessidade de ajuda psicológica. Mas, se um dia eu perceber que preciso, não hesitarei em procurar”, conta.

Há ainda quem não se assume ‘grudento’, mas pode ser considerado assim por aí. “Eu já fui mais, digamos, ‘carente’, mas não considero minhas atitudes reféns de uma dependência emocional. Posso associar isso à imaturidade, talvez, por ser muito nova na época. Eu tive um período de instabilidade emocional, por volta dos 17 anos. Com o passar do tempo, entretanto, fui abrindo mão de algumas pessoas e coisas. Acredito que as expectativas frustradas vão modificando o modo como encaramos tudo e todos. Duas iniciativas me ajudaram muito a melhorar esse lado: fiz tratamento com terapeuta e psicólogo durante quatro anos e passei por sessões de acupuntura,” afirma Mayra de Assis, de 22 anos. “Meu tio, contudo, me chama de ‘grudenta’. Isso porque eu vivo demonstrando carinho, abraçando-o e beijando-o, para ver se ele amolece”, brinca a jovem. O tio, Geraldo Eugênio de Assis, de 48 anos, confessa que se preocupa com as outras pessoas, mas não curte esse 'grude'. “Nunca fui de ficar abraçando e beijando demasiadamente. Gosto de minha companhia. E, para falar a verdade, curto a solidão às vezes. Fico dias em uma viagem sem a necessidade de uma pessoa a meu lado", conta.

 Efeito inverso

Existe um ou outro casal que exige mutuamente atenção exagerada e dá certo, mas essa carência, quando é cobrada só de um parceiro, pode comprometer uma relação e provocar o contrário do que se propõe: o desequilíbrio do relacionamento. É o que ocorreu com a publicitária Clarice Nogueira Mota, de 25 anos, que, se percebe que o rapaz é “grudento”, afasta-se rapidamente. “Acho que não exigir atenção em demasia do outro vem com a maturidade e significa gostar de sua companhia e saber e curtir fazer coisas sem a companhia do outro. Eu, por exemplo, era bem ‘grudenta’ com minhas amigas e com ‘namoradinhos’ quando mais nova. Hoje, se a pessoa for ‘grudenta’ e quiser minha atenção integral, já sei que não vai dar certo. Ah, ser ciumento também não dá, pois acho que deve haver confiança em um relacionamento. Por isso, não vejo problema em sair, por exemplo, sem o namorado às vezes. Prezo muito meu espaço e minha liberdade”, arremata Clarice. “É estranho porque geralmente quem é ‘grudento’ não percebe que é. Então, às vezes, fica difícil tocar nesse assunto. Nesses casos, eu prefiro sair devagar da vida das pessoas”, revela. Para Rosane Ruela, o comportamento imaturo do carente afetivo pode permitir que não haja um desenvolvimento da relação. “A exigência do excesso de cuidado e de dedicação exclusiva provoca um distanciamento da outra parte”, explica.




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