Lição de vida: Ser feliz

A felicidade é tema de debate que chegou à sala de aula e virou matéria, em Brasília, para ajudar alunos esmorecidos pelo tempo. Em outros casos, ela foi aprendida de maneira autodidata. E você, é feliz?

Criado em 22 de Fevereiro de 2019 Capa
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O PAI DA PSICANÁLISE, Sigmund Freud, definiu a felicidade como um “problema individual” e alertou: “aqui, nenhum conselho
é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz”. Ciente de que, de fato, tal busca é subjetiva, mas disposto a contribuir com aqueles que estão nessa jornada, um grupo de professores do campus Gama da Universidade de Brasília (UnB) – onde estão concentrados cinco
cursos de engenharia – resolveu ofertar uma nova (e inusitada!) disciplina, intitulada “Tópicos Especiais em Engenharia de Software – Felicidade”, no segundo semestre de 2018.
O professor Wander Pereira tornou-se o titular da matéria. Doutor em psicologia, foi ele também quem levou a proposta para o território acadêmico, inspirado em uma iniciativa semelhante e bem-sucedida de duas conceituadas universidades dos Estados Unidos. “Fiz o curso de happiness [felicidade, em inglês] em Yale e conhecia o livro ‘Jeito Harvard de ser feliz’. A coordenação do meu curso [engenharia
de software] havia criado uma comissão de saúde mental, e, dentro dela, propus a oferta da disciplina. A princípio, achei que haveria resistência, mas ela foi muito bem aceita pela direção do campus e por outros professores. Ofertamos 240 vagas, que foram preenchidas rapidamente”, diz Pereira. A matéria, que continuará sendo ministrada neste ano, é optativa e não tem pré--requisitos: qualquer aluno, de quaisquer semestre, curso e campus pode cursá-la. A ideia, segundo o professor, veio da percepção da necessidade de oferecer aos
universitários um espaço no qual eles possam aprender a lidar com as adversidades da fase que estão vivendo. “A disciplina foi
pensada para tentar extrair desse momento da vida deles aquele impulso inicial de felicidade que eles têm quando veem os nomes na lista de aprovados no vestibular, porque, passados os semestres, eles ficam tristes e adoecem”, explica o docente.
 
NA PRÁTICA
Mas como lecionar algo tão individual a centenas de jovens distintos? “Diferindo um pouco de outras experiências no mundo, não queria ensinar o que é felicidade, mas como ser feliz”, responde Pereira. “A mim não interessa passar dados e pesquisas sobre felicidade. Existe
literatura sobre o assunto, e eu poderia indicá-la aos alunos para eles chegarem a uma definição e tornarem-se especialistas do ponto de vista teórico-conceitual, mas isso não garantiria que eles fossem felizes”, emenda.
O professor, então, optou pela vivência, por meio do autoconhecimento, cujo ponto de partida foram perguntas simples, como “o que me faz feliz?” e “por que não estou alcançando isso?”. Na sequência, foram abordadas questões estressantes dentro do universo acadêmico, como depressão, dificuldade de suportar frustrações e afetividade, por exemplo. Para isso, a disciplina tinha uma agenda com dez
atividades, e elas remetiam a alguma ação que deveria ser desempenhada fora da sala de aula, registrada e, mais tarde, relatada em grupo. Os alunos aprendiam parte dos conceitos, para alinhar a proposta, e, depois, partiam para a prática no trabalho, no namoro, na família.

 
AFINAL, O QUE É A FELICIDADE?
 
Uma questão tão complexa – ou multifacetada, como retrata o professor da UnB – não tem nem poderia ter uma resposta simples. Wander Pereira reitera que a felicidade não é determinada por uma causa ou um fator na vida das pessoas, e, justamente por essa razão, não quis que apenas os alunos com problemas psicológicos ou dificuldades se sentissem atraídos pela nova disciplina da instituição de ensino.
“Desde o começo, não quis me comprometer com dados objetivos. Queria atrair todos que quisessem ser felizes, mostrando alternativas comportamentais e cognitivas para que isso ocorresse no ambiente acadêmico. Feitas essas considerações, os resultados foram excelentes no relato dos alunos, e 100% dos que permaneceram indicam para outros”, afirma.
 
MANEIRAS DE SER FELIZ
 
Um dos pioneiros da chamada psicologia positiva (que trata das motivações e das capacidades humanas), o psicólogo norte-americano Martin Seligman aborda a felicidade a partir de três dimensões: do prazer, do engajamento e do significado. A primeira delas é acessível a todos, porque é alcançada quando ganhamos um presente, temos um aumento de salário ou fazemos uma viagem, por exemplo. “Mas é muito efêmera, porque o prazer se vai. Viver a felicidade só nesse nível não é aconselhável, mas, infelizmente, a sociedade de consumo nos obriga a isso”, avalia Pereira. Por isso, é necessário avançar para a segunda dimensão, buscando ser feliz com coisas que fazem sentido, como praticar um esporte ou tocar um instrumento. Por fim, o grau mais elevado de felicidade apresentado por Seligman vem com ações que têm significado: ter uma crença ou realizar um trabalho social. Os três conceitos associados ao autoconhecimento, de acordo com o professor da UnB, resultam em reflexões UnBque devem ser feitas por todos: sou capaz disso? Por que não consigo alcançar? “Descobrindo as respostas, você tem a obrigação de se engajar em coisas que te façam feliz”, ressalta.

 
 
GATILHO DA MUDANÇA
Foi exatamente assim, após refletir sobre uma resposta, que a vida de Roberto El Check, de 46 anos, mudou completamente de direção para seguir a rota da felicidade, há 15 anos. Estável e entusiasmado com a profissão de repórter policial do extinto jornal mineiro “Diário da Tarde”, ele ouviu da mãe, certo dia, uma pergunta que alterou o rumo de tudo: “Quando você vai trabalhar, você vai cantando ou contando os dias para o fim de semana?”, ela questionou.
“Foi aí que eu percebi que era empolgado, mas não feliz na minha essência, e comecei a ver que alguma coisa estava errada na minha vida. Eu contava os dias para o fim de semana”, relembra El Check.
Como ele já praticava yoga e era vegetariano naquela época, a própria mãe sugeriu que ele procurasse uma ocupação dentro dessa linha natural, porque era algo de que o filho gostava. El Check, então, buscou escolas em Belo Horizonte e fez um curso de instrutor da prática milenar. Mas não se engane: a mudança não foi nem um pouco romântica ou sublime, como naqueles roteiros de filmes com os quais estamos acostumados.
“Não foi nada fácil, porque mexe muito com a gente, e isso me fez ver que eu realmente estava precisando mudar. A transição foi gradativa, porque eu ainda precisava do jornalismo, e, no começo, foi conflitante. Meus amigos me recriminaram muito. Não teve um que me apoiasse, na verdade. Então, eu usei meu lado jornalista para manter os pés no chão e meu lado do yoga para enxergar as coisas de maneira mais leve”, recorda-se.
À medida que ia conquistando mais alunos, o ex-repórter se firmava na nova profissão, até conseguir se dedicar exclusivamente a ela. Segundo El Check, ao contrário do que muitos podem pensar, ele trabalha muito – “até mais do que nos tempos de jornal”, ressalta. Hoje, o dia dele começa às 4h30min, para dar as primeiras aulas. A agenda inclui palestras sobre meditação e mindfulness, além de uma coluna em uma rádio às segundas e às sextas-feiras de manhã, na qual ele relembra os tempos de jornalista de um jeito bem mais leve.
“Sou um yogi [praticante de yoga] muito descomplicado. Como carne esporadicamente, tomo remédios homeopáticos, tenho dor de cabeça. Não tenho essa coisa muito devocional, porque sei que a realidade é diferente. Meu altar, em casa, tem fotos de pessoas que eu amo, como minha mãe e minha mestre espiritual. Não acredito em santidade”, afirma.

 
A FELICIDADE POSSÍVEL
Na avaliação de El Check, a busca pelo modelo de felicidade convencionalmente vendido gera frustração, porque não fala dos obstáculos que vão ser encontrados pelo caminho. Segundo ele, não é possível acordar e simplesmente ser feliz. “É um trabalho árduo, dia e noite. Afinal, mares tranquilos não produzem marinheiros habilidosos”, compara.
O instrutor de yoga diz que, hoje, vai trabalhar cantando e se reconhece como uma pessoa feliz, principalmente quando toma como referência o passado, quando vivia no piloto automático sem perceber. Ele reconhece que, provavelmente, só teria se dado conta disso se tivesse um “piripaque”, como ele mesmo diz. Por isso, o yogi procura ensinar os alunos a também saírem da zona de conforto, porque ela é acolhedora e, essa razão, pode ser traiçoeira.
“Felicidade é força interior, mas como ter ou conseguir essa força? Vai depender de pessoa para pessoa. Ela pode estar baMariana seada na religiosidade, na relação com aquilo que você professa, com aquilo em que você acredita. Pode estar ligada ao relacionamento com a família, pode estar ligada, principalmente, ao relacionamento com você mesmo, e isso você desperta por meio de várias práticas, como terapia, yoga, homeopatia. Práticas que enxergam o ser humano como um ser integral. Para mim, força interior é quando você consegue
despertar a força de vontade para acordar, trabalhar e se relacionar com as pessoas a seu redor”, define.
 
MODELO PADRÃO
Assim como Roberto El Check, o professorda Universidade de Brasília Wander Pereira é contrário a esses “manuais” de felicidade. De acordo com ele, nossa visão sobre o assunto ainda é muito oriental, fazendo com que a felicidade seja um estado difícil de ser alcançado dentro da realidade ocidental.
“A felicidade não é constante, porém é renovável. Momentos felizes compõem o que chamamos de felicidade. Obviamente, ela não se atém a isso, vai além. Não existe felicidade plena, mas a crença de que as pessoas são felizes. Ter uma visão geral positiva da vida ajuda a enfrentar as dificuldades do dia a dia”, orienta.
Para Pereira, as sociedades do Ocidente são tão complexas que o simples fato de podermos refletir sobre nossas existências torna-se um grande passo, já que os espaços de reflexão estão cada vez mais escassos. Atualmente, as reações é que são mais incentivadas, sobretudo nas redes sociais, segundo o professor.
 
FELICIDADE COMO META
A vendedora Andresa Santos, de 40 anos, entende isso bem. Fora do padrão de corpo imposto e cobrado no universo online principalmente, ela ainda identifica alguns percalços no caminho para ser mais feliz. “As brincadeiras de mau gosto que eu
escuto doem e me deixam triste. A obesidade é uma doença, e, hoje, tem muitos brasileiros nessa condição. Não é só uma
questão de fechar a boca e emagrecer, como as pessoas pensam”, desabafa. Ela lembra que a adolescência também foi uma fase difícil, na qual chegou a ter depressão após o rompimento de um namoro e se isolou em casa. Recentemente, outra fase de afastamento das pessoas aconteceu em função da negativa do plano de saúde de cobriruma cirurgia de redução de estômago.
“De junho até novembro do ano passado, eu nem saía mais, estava cansada.
Quando ouvi o primeiro ‘não’, sabendo da minha necessidade, fiquei bem chateada. Achei um desaforo, porque a gente que é
uma pessoa boa quer um ‘sim’ para tudo. Fiz duas tentativas e levei dois ‘nãos’. Aí, engordei mais ainda”, conta. A situação se agravou depois que Andresa pegou um ônibus e teve dificuldades para se deslocar dentro dele em função do peso. “Chorei muito, queria morrer. Nem queria trabalhar”, lembra. No entanto, no dia seguinte a esse episódio, veio a tão esperada notícia: a autorização judicial para que a cirurgia seja, enfim, realizada.“O dia mais feliz da minha vida já tem data marcada. Quero ficar bela e continuar me sentindo assim, com esse incentivo para fazer as coisas sem limitações”, garante a vendedora, sem deixar de valorizar o que já tem. “Moro com meus pais,
tenho meus amigos e meu trabalho, ganho razoavelmente bem – poderia ser mais, é claro [risos]. Vendo essas matérias de tragédias na televisão, paro para pensar que sou uma pessoa realizada e feliz sim”, comenta Andresa.

 


DESAFIOS PARA SER FELIZ

 
A busca pela felicidade passa pelo caminho do autoconhecimento em direção ao desenvolvimento pessoal. Seguindo por essa rota, o chamado “Ciclo da Abundância” tem levado muitas pessoas a aderirem a uma corrente baseada no que preconiza o médico indiano, escritor e professor de ayurveda Deepak Chopra. Funciona assim: um grupo é criado no WhatsApp, e os integrantes escolhidos
pelo administrador passam a receber, diariamente, uma frase a ser mentalizada, uma meditação guiada de cerca de 20 minutos e uma tarefa a ser executada em, aproximadamente, 24 horas. Pode ser a elaboração de uma lista com nomes de pessoas que te fazem bem ou mal ou de uma relação gostaria de ter. O ‘Ciclo da Abundância’ mostra tudo que você tem. E, aí, ao invés de reclamar, você passa a ser grato”, finaliza.
 
PRÁTICA QUE VIRA HÁBITO
A também jornalista Joana Suarez foi adicionada ao Ciclo da Abundância no dia do aniversário de 33 anos dela, em 2 de janeiro deste ano. Três dias depois, ela adicionou Natália ao novo grupo que precisou criar. Apesar de nunca ter ouvido falar nessa corrente até então, ela confiou na iniciativa de uma pessoa querida, que foi quem a incluiu no desafio. “Ela não ia me propor uma coisa que não fosse legal. No fim, ficamos somente eu, ela e outra amiga nossa. A maioria das pessoas desiste”, conta.
A partir da experiência que teve, Joana acredita que seja necessário, além de disposição, sintonia com o que é proposto para concluir as três semanas. “Tem gente que não consegue se dedicar ou que não está nessa vibe. Não pode ser uma coisa muito fora de seu foco. Você tem que acreditar, embora tudo tenha muita lógica. Mas você aceita se quiser. Não é nada que te obrigue a fazer as coisas. Em algumas tarefas, eu tive mais dificuldade; outras eu fazia meio que intuitivamente”, relata.
Segundo ela, as tarefas têm um sentido que só é compreendido depois, e a grande mensagem que fica é a de que a verdadeira abundância significa aceitar as coisas boas que chegam. Sobre a felicidade propriamente dita, o ciclo mostra que o universo está pronto para nos fazer felizes, desde que saibamos lidar com cada momento.
“Acredito que a gente consegue o que quer, mas os planos vão mudando quando você estabelece uma harmonia com a natureza, a família e os amigos. É muito importante as pessoas buscarem o autoconhecimento, principalmente o familiar, do passado. É ele que mostra onde estão os problemas e a solução”, conclui Joana.

 




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