O crime a um clique de distância

Criado em 26 de Julho de 2016 Tecnologia
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JÚLIA RUIZ

Apenas em 2015, o índice de ataques cibernéticos no Brasil cresceu 274%, enquanto, no restante do mundo, o aumento foi de 38%. Para o delegado da Polícia Civil de Minas Gerais Júlio Wilke, as estatísticas refletem a conduta dos usuários, que acabam facilitando o trabalho dos cibercriminosos à medida que disponibilizam na web muitas informações pessoais.

Que dê o primeiro clique quem nunca sentiu receio de ter sua privacidade virtual corrompida. Seja fazendo uma compra virtual, seja acessando o bankline ou navegando por e-mails e redes sociais, mantermos nossas informações totalmente protegidas nos dispositivos eletrônicos é algo praticamente impossível. Prova disso é que, de acordo com pesquisa divulgada, em janeiro deste ano, pela empresa Trend Micro Incorporated, o Brasil é o quinto no ranking mundial em detecções de malwares (software capaz de corromper sistemas e obter dados sigilosos). O estudo aponta que fraudes bancárias e de cartões de crédito são práticas recorrentes no país e que, atualmente, os cibercriminosos têm os smartphones como alvo de suas práticas. A pesquisa não foi a única divulgada recentemente. Em fevereiro, a 18ª edição da Pesquisa Global de Segurança da Informação, documento publicado anualmente pela PwC – network global de empresas independentes, que atuam em mais de 150 países – mostrou que o índice de ataques cibernéticos no Brasil só em 2015 cresceu 274%, enquanto, no restante do mundo, o aumento foi de 38%. Estatísticas não oficiais divulgadas em 2012 por alguns portais de tecnologia apontavam, já naquele ano, que o país registrava 54 crimes virtuais por minuto. Se o índice for verdadeiro, a que quantia chegaremos em 2016?

Trazendo essa “realidade virtual” para o território mineiro, os números perdem força. Mas isso não significa que, no Estado, há menor incidência em comparação com o resto do país, já que são os cidadãos que levam as queixas às delegacias. De acordo com a Polícia Civil de Minas Gerais, foram registrados entre 2014 e março deste ano 3.597 crimes cibernéticos. Conforme os índices, do total de crimes reportados à autoridade policial, 37% são de estelionato; 16% são contra a honra; 8% de furto; e 6% de ameaça. Outros 33% estão distribuídos entre registros de extorsão e categorias atípicas, que não são consideradas crimes, como perda de pontos de companhia aérea. 

 A jornalista Juliana Silva, 31 anos, levou um susto quando recebeu uma ligação de seu banco para checar se ela havia utilizado o cartão de crédito em um site de jogos. “Não foi uma quantia tão expressiva, porém perceberam que aquela operação não era compatível com meu perfil, sobretudo em gastos pela internet. Confirmei que realmente não havia feito a transação, e, na mesma hora, cancelaram meu cartão e enviaram um novo. Fiquei aliviada, mas pensei que foi sorte isso ter acontecido em um site de jogos. Se fosse em um de compras coletivas de roupas e acessórios, por exemplo, poderia ter passado despercebido até por mim. De qualquer forma, alguém teve acesso às minhas informações para conseguir usar o cartão, e isso me deixou muito alerta ao navegar agora”, conta ela, que, felizmente, faz parte de uma minoria que driblou os desdobramentos negativos dos crimes virtuais.

MENOS NO BOLSO, MAIS NA IMAGEM

É claro que o prejuízo financeiro causa preocupação – e uma baita dor de cabeça. Entretanto, a internet pode possibilitar outros tipos de prejuízos, desses que o dinheiro não paga. Foi o que ocorreu com a auxiliar de administração Sônia Melo*, 37. “No fim de agosto do ano passado, recebi uma notificação no Facebook de que o sobrinho de um ex-namorado havia compartilhado minha foto de perfil. Achei aquilo estranho. Logo depois, ele começou a inserir comentários chulos e absurdos, afirmando que me pegou atrás de um muro, que eu fiz sexo oral nele e que eu era gostosa, entre outras frases caluniosas e ofensivas. Esses comentários também foram feitos diretamente na minha página, não só no compartilhamento da foto. Em seguida, comecei a receber várias mensagens diretas dele pelo próprio Facebook”, conta.

“Naquela hora, fiquei em estado de choque. Mas estava no trânsito. Então, não pude tomar nenhuma providência de imediato. Liguei para minha irmã e pedi a ela que o bloqueasse da minha conta. Quando cheguei em casa, telefonei para a mãe do adolescente e pedi ajuda. Ele me mandou outras mensagens, alegando que não havia feito isso, como se outra pessoa tivesse usado o perfil dele. O fato é que, depois dessa longa conversa com a mãe dele, o incômodo não se repetiu felizmente. Mas foi bem desgastante ter que deletar todos os comentários, além de precisar deixar uma mensagem em minha página explicando tudo o que havia ocorrido para meus contatos”, relata Sônia.

A auxiliar de administração diz não ter ideia do motivo pelo qual foi vítima do ocorrido. Todavia, garante que aprendeu a se proteger melhor na internet. “Percebi que devemos utilizar as redes sociais com o máximo possível de moderação. Modifiquei, então, as configurações de minha conta, utilizando melhor as ferramentas de proteção que o próprio Facebook oferece, além de mudar, periodicamente, minha senha de acesso”.  

PERDA TOTAL

A dor de cabeça de Sônia foi forte, mas, felizmente, não durou muito. Não teve a mesma “sorte” a jovem blogueira Vitoria Dutra Gomes, conhecida como Victoria Blacher, 17.  Com milhares de seguidores, a blogueira de moda usava sua conta no Instagram para dar dicas de estilo e também divulgar seu trabalho realizado em parceria com grifes de roupas e acessórios. Tudo ia bem até que, em março deste ano, hackearam o perfil dela. Além dos danos pessoais, Victoria teve muito prejuízo profissional. “Certo dia, uma garota de 15 anos que me seguia nas redes sociais começou a conversar comigo e me pedir conselhos sobre como trabalhar no mundo da moda. Após vários dias trocando mensagens, ela acabou descobrindo qual era minha operadora de telefonia celular e, com isso, invadiu minha conta. Pelo que descobrimos, ela tinha um amigo que trabalhava nessa mesma operadora e, por meio dele, conseguiu uma espécie de portabilidade do meu chip, apropriando-se do meu número. Ela acessou o Instagram, solicitou o envio da senha da minha conta via SMS, entrou no meu perfil e mudou as configurações. Além de sem telefone, fiquei também sem acesso à minha conta. Ela apagou do perfil todas as fotos, ou seja, todo o trabalho de anos, e começou a fazer postagens sem que meus seguidores notassem que era outra pessoa”, narra Victoria.

A blogueira conta ainda que, diante do enorme choque, não sabia como recomeçar ou resolver todas as pendências, uma vez que os patrocinadores aguardavam trabalhos pagos que deveriam ser vistos por mais de 60 mil pessoas. “Para alguns deles, eu precisei devolver dinheiro e peças que haviam chegado para mim, pois não tinha mais a ferramenta de divulgação com todas aquelas pessoas para ver. Acabei perdendo grandes patrocinadores e ainda não consegui suprir o prejuízo financeiro, pois muitas marcas não quiseram mais levar adiante a parceria comigo. Por outro lado, muitos que souberam da minha história se comoveram e acabaram me ajudando, divulgando meu trabalho”.

“Desmascarei a garota porque ela colocou o nome dela na bio da minha conta [área do perfil em que o usuário insere informações pessoais e compartilha, se quiser, alguns links, emojis, entre outros recursos]. Fui à Delegacia de Crimes Cibernéticos, em Belo Horizonte, e à operadora de telefonia, consultei advogados e abri um processo contra a operadora e também contra o Instagram. Já contra a garota não valeria a pena pela idade dela. Agora, estamos aguardando a primeira audiiência”, informa Victoria.

Ela recorda também que, depois de um tempo com a conta hackeada, os seguidores mais assíduos perceberam que alguém estava se passando por ela. “Alguns deixaram comentários acusando a garota, muitos pararam de segui-la. E foi assim até que eu fiz uma nova conta”.

A experiência amarga deixou lições valiosas. “Hoje, procuro ao máximo não me envolver com pessoas pela web. Nunca sabemos a real intenção de quem se aproxima. Então, tento ser sempre profissional e muito cuidadosa, sem deixar emoções ou impulsos falarem mais alto, ainda que seja para ajudar. Tive que recomeçar, mas, desta vez, mais forte, madura, racional e com um desejo maior de vencer por mérito próprio”, pondera a jovem.

FOI LESADO? PROCURE AS AUTORIDADES

Pode ser que alguns leitores tenham estranhado quando Victoria mencionou a Delegacia de Crimes Cibernéticos, que fica em Belo Horizonte. Muitos ainda não sabem, mas existe um órgão específico para investigações no campo virtual. “A Delegacia Especializada em Investigações de Crimes Cibernéticos começou a ser desenhada em meados de 1999, funcionando, na época, dentro de uma das delegacias de falsificação”, explica o delegado da Polícia Civil de Minas Gerais Júlio Wilke, que diz também que o órgão, com sede própria hoje, é responsável por apurar o delito reportado.

Para Wilke, as estatísticas refletem a conduta dos usuários, que acabam facilitando o trabalho dos cibercriminosos à medida que disponibilizam na web informações pessoais que jamais repassariam a estranhos. “Por acreditarem que estão em um ambiente seguro, divulgam-nas para um número incontável de pessoas, que podem fazer uso de tais dados para o cometimento dos mais variados tipos de crimes”. 

O delegado orienta que, caso seja lesado, o cidadão deve observar o tipo de crime antes de tomar as primeiras providências. “Na situação mais incidente, que é a de estelionato, por exemplo, o primeiro passo é contatar a referida instituição e comunicar a fraude. Na sequência, é imprescindível comparecer à delegacia para registrar a ocorrência. Após isso, os trabalhos da Polícia Judiciária serão realizados. Já o crime de invasão foi tipificado, recentemente, com a alteração do artigo 154-A do Código Penal Brasileiro. As vítimas devem registrar o crime também por meio do boletim de ocorrência para se dar início às investigações”.

Wilke afirma que, para se prevenirem dos crimes cibernéticos, é necessário, primeiramente, que os usuários da web tenham ciência de que o ambiente virtual não é seguro e está repleto de pessoas mal-intencionadas. “É preciso que haja uma mudança de hábito no trato das informações pessoais. Em sites oficiais, sabemos que a segurança é boa, mas devemos ter em mente que nada é absoluto, ou seja, não existe segurança total na rede, da mesma maneira que fora dela. Não há um perfil específico de cibercriminoso. Tal como no mundo real, existem pessoas com personalidades diversas, que praticam os mais variados crimes. Daí a importância da conscientização de quem navega. Quem não tem reservas quanto à exposição das informações pessoais facilita muito a vida de quem está propenso a cometer crimes nesse meio. À medida que os usuários se conscientizarem, esses crimes, de um modo geral, serão dificultados”. 

 

*O nome verdadeiro da personagem foi preservado por questões de segurança.




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