O DESEJO DE CHEGAR AO TOPO

Esportes

Criado em 19 de Outubro de 2015 Esportes

Ciro Thielman

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Para alguns, chegar ao topo significa tornar-se o próprio chefe e ter sucesso. Para outros, é alcançar um padrão de vida com abastança e tempo para gozar os prazeres materiais. Para uns, é casar e ter filhos. E, para outros, chegar ao topo é... chegar ao topo! Estamos falando de quem gosta de ver tudo, literalmente, de cima. São os adeptos da escalada.
 
Julia Ruiz
 
“HÁ MUITO TEMPO, DOIS IRMÃOS – um de 14 e outro de 12 anos – se interessaram pela escalada e começaram a praticar o esporte sob minha orientação. O mais velho era muito talentoso, mas o mais novo estava acima do peso, era um pouco desengonçado e muito tímido, ou seja, poderia ter facilmente abandonado a atividade. No entanto, ele persistiu e foi evoluindo. Ficamos próximos, e eu conheci sua família. Até que, um dia, a mãe dos garotos relatou que a escalada os ajudou muito a superarem um momento extremamente difícil, o falecimento do pai”. Quem narra essa história é o atleta e professor de escalada Jean Lages Ouriques, de 29 anos, que conhece diversos exemplos de superação. Para ele – e para os inúmeros adeptos desse esporte pelo mundo –, chegar ao cume é muito mais do que subir ao topo de um paredão de formatos variados. “Quando você escala, rompe, primeiramente, os limites e os obstáculos de dentro de você, enfrentando temores muitas vezes guardados lá no fundo. Então, é algo que te faz ser melhor em todos os sentidos”.

Escalar não é tarefa das mais simples. E, talvez por isso, seja tão sedutora. Ela exige força dos músculos, foco e concentração, além de controle de emoções “Está entre os esportes mais completos. Para se escalar bem, é necessário ótimo preparo físico, mas, ainda assim, considero uma atividade muito mais mental do que física, pois a cabeça está no comando. É uma prática em que se desenvolvem autoconfiança e autocrítica, e com a qual se aprende a lidar com pressão e a resolver problemas de forma mais prática”, explica Jean. “Na escalada, você assume riscos controlados. Isso te ensina a ter responsabilidade”, acrescenta o professor, que se tornou técnico em escalada e route setter (pessoa responsável pela criação e pela montagem de vias de escalada em locais fechados).
 
Modalidades mais tradicionais no Brasil, a escalada esportiva (feita com o auxílio de corda e outros equipamentos em falésias – formações geográficas íngremes – ou em paredes de academias, podendo chegar a 80 m) e o boulder (mais “explosivo”, em que o atleta ascende blocos de pedra com altura de até 7 m, contando apenas com um colchão de proteção na base do local) são as especialidades de Ouriques. E não demorou muito entre o primeiro contato com esse esporte e a decisão de fazer dele seu meio de vida. “Foi natural me tornar técnico em escalada. Com 14 anos, eu já ajudava meu irmão a formar novos escaladores. Então, foi um caminho que me permitiu ter também a vida de atleta”.
 
Dos 14 anos em diante, ele não só construiu um currículo invejável, como colecionou viagens, fez grandes amizades e preencheu todo o espaço que, nas palavras dele, seria um “grande vazio” caso a escalada fosse apenas algo de que ouviu falar. Para se ter ideia, ele é pentacampeão mineiro de escalada esportiva; campeão brasileiro de boulder; vice-campeão brasileiro de escalada esportiva e vice-campeão latino-americano de boulder.
 
Colega profissional de Jean Ouriques, a educadora física Maíra Vilas Boas, 31, também conhece bem a palavra “conquista”. Recentemente, ela deixou sua marca no país ao ser a primeira mineira a fazer a ascensão de um boulder de grande dificuldade, graduado como V10 (o nível de graduação vai até V16). Diferentemente de Ouriques, ela não aprendeu a escalar ainda criança, mas também nutre pelo esporte uma grande paixão. Hoje, ambos são professores na mesma academia, em Belo Horizonte. “Comecei a escalar há sete anos. Meu primeiro contato com a atividade foi durante a faculdade, quando fui fazer um trabalho sobre o assunto e, desde então, soube que era o caminho que gostaria de seguir. Comprei logo uma sapatilha e fui escalar com um amigo em uma rocha. De lá, não parei mais”, conta Maíra.
 

Foto: Acervo Pessoal
 
Para ela, o objetivo do escalador, em princípio, é alcançar a linha que se propôs escalar. “Com o tempo, ele vai descobrindo aquilo com o que mais se identifica e o que mais o atrai, como escalar linhas cada vez mais difíceis, lugares novos ou disputar campeonatos, por exemplo. São inúmeras as possibilidades”, garante a professora.
 
Apesar de a atividade exigir muito do atleta, Maíra enfatiza que pessoas de todas as idades podem começar a praticá-la. “Conheço várias pessoas que eram sedentárias, passaram a praticar o esporte, mudaram os hábitos alimentares e, hoje, esbanjam saúde, bem-estar e qualidade de vida. É que a escalada nos leva a lugares a que não imaginávamos chegar. Isso nos motiva a testar sempre nossos limites. Além disso, o contato com a natureza nos encanta e acalma. Tudo isso faz da atividade mais do que um esporte. É um estilo de vida”.
 
 
VIDA NOVA NAS ALTURAS
Estilo de vida que cativou completamente Raiane Melo, de 23 anos. Tanto é que ela desistiu da faculdade de química e optou por um curso de fotografia. O objetivo? Ter mais tempo e tranquilidade para se dedicar à escalada. “Há três anos, durante uma aula de muay-thai, meu professor me convidou para conhecer a prática do esporte numa academia. Até então, não sabia que a escalada podia ser feita em locais fechados. Experimentei e me diverti muito. Naquele mesmo dia, já fechei um pacote, comecei a praticar e não parei mais”, conta Raiane.
 
Não mesmo. Empolgada com a novidade, ela tinha pressa para pegar o jeito. “Foi tão sensacional que eu queria aprender tudo muito rápido. Subia as vias sem medo e ficava maravilhada pelos lugares, que são fantásticos. Acabei, é claro, tendo alguns embaraços, principalmente quando fui escalar uma rocha, porque é muito diferente da academia. O importante é aproveitar a motivação que esse esporte te dá e não desistir, pois tudo se desenvolve com o tempo,” assegura.
 
Depois de um ano focando a nova atividade, ela decidiu que era hora de repensar o futuro. “Desde o começo, eu levava a sério, mas não tinha noção da imensidão desse mundo. Quando passei a escalar em rochas, fiquei ainda mais fascinada. Ter contato com a natureza, viajar, conhecer pessoas e lugares novos... Nada disso tem preço. Aí entrou a fotografia, que era algo que eu já achava bacana e, como o curso ocorre aos sábados, eu teria toda a semana para me dedicar à escalada. Interrompi a faculdade no 5º período e fui em frente”, recorda a atleta, que faz brincadeira sobre o esporte contribuir com os futuros “cliques”. “Já tenho a garantia de belíssimas paisagens para registrar”. Locais como Serra do Cipó, Ouro Preto e São Tomé das Letras, em Minas Gerais; Rio de Janeiro; Cocalzinho, em Goiás; e o país vizinho Chile estão entre os mais especiais que Raiane já percorreu para escalar.
 
Para garantir um desempenho cada vez melhor, ela treina de três a quatro vezes de segunda a sexta-feira e, aos fins de semana, corre para a natureza, nas belas rochas mineiras. “Isso é o que me vejo fazendo para sempre. Então, quero muito evoluir. Tenho sempre um novo objetivo, um novo desafio, como, por exemplo, disputar campeonatos. Sei que sou capaz, porque a escalada me possibilitou descobrir uma força interior que eu desconhecia. E, quando os resultados aparecem, é sinal de que estou no caminho certo”, crava.
 

ESCALADA PARA O SUCESSO
Amigo de Raiane, Melquior Saviotti, 25, não hesitou em concentrar, dos últimos cinco anos e meio para cá, quase toda sua atenção na escalada. Assim como a amiga, ele optou por um caminho que o permitisse viver intensamente o esporte. Técnico em administração, Saviotti ajuda o pai no negócio da família, no ramo de sorvetes. A escolha valeu a pena, pois o nome dele aparece na oitava colocação do Ranking Nacional Combinado (que inclui escalada esportiva e boulder), além de figurar também no ranking internacional. E ele quer mais. “Meus grandes objetivos são me tornar campeão brasileiro e vencer campeonatos fora do país. Para isso, treino por três horas seguidas, quatro vezes por semana. Aí, vou escalar na pedra e descanso dois dias. Essa rotina inclui pilates, corrida, exercícios específicos para escalada e a própria atividade”, diz o atleta, que, em sua primeira competição, ainda como amador, já sentiu o gostinho do primeiro lugar. “Fui o campeão de minha categoria e já pude experimentar a sensação extraordinária de superação. A partir daí, a dedicação foi extrema e, no campeonato seguinte, já competi como profissional ao lado de ‘monstros’”.
 
Guiado pela paixão por escalar, Melquior Saviotti conheceu encantos de várias partes do mundo. “É até difícil destacar um ou outro local, porque há tanta maravilha por aí! Mas Rocklands, na África do Sul, foi um lugar verdadeiramente mágico. Aqui, no Brasil, eu guardo com muito carinho locais como Sabará, Araxá, Ouro Preto, Serra do Cipó e Conceição do Mato Dentro, pois, além de serem lindíssimos, possuem grande afloramento rochoso, o que é perfeito para escalar”.
 
As viagens, inclusive, são para ele um dos pontos altos da atividade. “Acho que todos deveriam experimentar a escalada, deixando, ainda que por um tempo, as academias tradicionais. Esse esporte te leva a lugares tão surreais que chega a ser inacreditável. Isso sem mencionar as pessoas que você conhece e, principalmente, a lição que se aprende de que não há limites para corpo e mente. Os que existem você supera. Isso é muito mais do que apenas um corpo bonito e saudável”. Apesar de ajudar o pai, Saviotti afirma que a escalada é sua verdadeira atividade. “É minha vida. Se me perguntarem o que sou, direi ‘escalador’. E assim o serei enquanto puder”.
 
Foto: Acervo Pessoal
NA COMPANHIA DE GAIA
Juliana Fuzari, de 26 anos e moradora de Ouro Fino (MG), é outra encantada pela atividade. E a essa paixão aliou outra: Gaia, sua vira-lata de apenas 3 meses, que, até hoje, por conta da idade e de uma queda que Juliana sofreu, fez apenas umas “escalaminhadas” com Juliana, literalmente a tira-colo. Mas a meta de ambas é enfrentarem, em novembro, a Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí (SP), com 350 m de altura. “Nós duas já estivemos lá há pouco tempo, mas subimos pela escadinha que o local tem. Mesmo assim, curtimos bastante a aventura, que, da próxima vez, será completa”, diz Juliana, que pratica a escalada há quase dois anos.
 
Ela conta que o esporte mudou completamente sua vida. “Num certo fim de semana, um amigo me convidou para escalar. Eu me encantei tanto que não quis mais parar de praticar. Na época, perdi uma tia com câncer. Houve muitos problemas, que mexeram comigo. Resolvi trancar a faculdade de fisioterapia. E, desde então, passei a viver fazendo o que gosto de verdade. Quero escalar até o fim de minha vida”, relata Juliana, que pretende viajar todo o Brasil a bordo de seu Fusca 68 e, claro, na companhia de Gaia. Para financiar seu sonho, a esportista ganha dinheiro vendendo peças de crochê e mandalas – estas produzidas por ela mesma – através de uma loja online (Manga Rosa Crochê) e durante suas viagens.
 
Juliana já praticou as escaladas esportiva, clássica e também o boulder. Dentre seus planos está encarar uma big wall e, quem sabe, disputar campeonatos. “Tenho vários projetos, mas meu foco é subir os paredões da Chapada Diamantina e do Rio de Janeiro”, revela. “Não quero acumular bens, apenas sabedoria. Escalando, sinto-me mais em contato com Deus, perto do céu e de tudo que ele deu para nós”.
 
PRINCIPAIS TIPOS DE ESCALADA
 
ESCALADA ESPORTIVA
(feita com o auxílio de corda e outros equipamentos em falésias – formações geográficas íngremes – ou em paredes de academias, podendo chegar a 80 m);
BOULDER
(mais “explosivo”, em que o atleta ascende blocos de pedra com altura de até 7 m, contando apenas com um colchão de proteção na base do local).
ESCALADA DE ALTA MONTANHA
(feita em locais como Monte Everest ou Aconcágua);
BIG WALL
(grandes paredes de pedra, com altura acima de 300 m);

 




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