O dom de incluir com amor

Entrevista - Natália Inês Costa

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Criado em 19 de Setembro de 2014 Conversa Refinada

Fotos: Hilário José

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Mãe coruja, esposa apaixonada e mulher de fibra. Essa é Natália Inês Costa, uma mulher que dedica sua vida a promover qualidade de vida e socialização aos familiares e alunos do Centro Especilizado Nossa Senhora D'Assumpção (Censa), renomada instituição de Betim, fundada há 50 anos, que tem como missão atender as necessidades de pessoas com deficiência mental, associada ou não a outros transtornos 

Lisley Alvarenga

REVISTA MAIS – Como a senhora entrou para o Censa?

Depois de vários estágios e em diver­sas áreas da psicologia, curso em que me formei, eu me especializei em psicologia organizacional e do trabalho, que era o que eu fazia na White Martins (subsidiária de uma das maiores empresas de gases industriais e medicinais do mundo, a Pra­xair). Quando saí de lá, participei de uma seleção para entrar no Censa e passei. Iniciei na instituição como analista de RH, em 1996. Em 2000, fui convidada a geren­ciar a área de educação e desenvolvimen­to e fiquei nessa função por 10 anos. Só assumi a diretoria da instituição em 2010, após as ex-diretoras se aposentaram.

O Censa é seu maior orgulho?

Vejo o Censa como um privilégio. Trabalhar com pessoas com deficiência e com suas famílias é um desafio muito grande. Um dia nunca é igual ao outro. Vivemos um momento em que a socie­dade tem muita dificuldade de aceitar o que é diferente, em que as minorias estão lutando por reconhecimento. Aqui, além do atendimento a essas pessoas, temos a possibilidade de educar a sociedade para aprender a conviver com a diferença. O Censa é uma oportunidade de trabalho, de desenvolvimento pessoal e espiritual muito grande.

Ainda existe muito preconceito com as pessoas com deficiência?

Sim. E esse preconceito vem muito mais da ignorância de não conhecer o tipo de vivência dessas pessoas. Muitos de nós não tivemos o privilégio de convi­ver com essas pessoas na escola, no nosso ambiente de trabalho, não temos amigos assim. Então, não sabemos como cuidar deles. Ainda somos uma sociedade mui­to consumista, que só pensa na estética. Tudo que foge da normalidade é visto com estranheza.

Como deve ser o convívio com uma pes­soa com deficiência?

Precisamos saber que as limitações co­existem com as potencialidades. É preci­so reconhecer o que essa pessoa tem de bom e respeitar seus limites. Ignorar isso é uma imensa falta de respeito.

O que é necessário ser feito para melho­rar a inclusão dessas pessoas?

Primeiramente, a sociedade tem de es­tar aberta para a pessoa com deficiência. Os estabelecimentos públicos e privados precisam garantir a acessibilidade deles, tanto arquitetônica como na atitude. Não adianta construir um prédio que tenha acessibilidade se nesse local as pessoas não estão dispostas a acolher o deficiente.

Como você avalia a acessibilidade em Betim e no país?

Não consigo ver Betim melhor ou pior. No Brasil como um todo, existem locais que caminharam mais e outros menos. Aqui, vejo que as pessoas estão atentando mais para isso, indo pelo caminho certo. Em Betim, o Ministério Público tem uma promotoria específica para a proteção e defesa dos direitos da pessoa com defici­ência e do idoso. Isso é muito relevante para a cidade.

O que os alunos do Censa significam para a senhora?

Nestes 18 anos de trabalho aqui, tenho uma afeição por eles como se fossem meus filhos. Tantos os educandos quantos os profissionais permanecem aqui por muito tempo, então, criamos uma ligação familiar muito grande. Conheço a história de cada um. Muitas mães vêm aqui e confiam seus filhos a nós. Isso é uma responsabilidade e tem um significado muito grande.

Em seus 18 anos de atuação, acredita que a instituição evoluiu?

Certamente. O Censa é uma instituição de vanguarda, que nasceu sob o paradig­ma de assistência e, hoje, está sob o para­digma de suporte, do apoio à pessoa com deficiência.

Com tanta dedicação, como consegue conciliar família e trabalho?

Sou uma pessoa cuidadora. Adaptei­-me tanto ao Censa que não tenho difi­culdade de conciliar as duas coisas. Cla­ro que é muito trabalho, mas o que faço também é trazer a minha família para essa realidade.

A senhora diz que os alunos do Censa são como seus filhos. Isso gera algum atrito em casa?

Não acredito. O tipo de atenção que dispenso a cada um é muito diferente. Às vezes, o conflito que tenho é como pro­fissional, porque tenho tanto afeto pelos meus alunos que isso me cega no momen­to de fazer certas intervenções. Por isso, preciso saber administrar o meu afeto a eles, para que minhas intervenções sejam neutras. Não sou a mãe deles, sou psicó­loga, mas uma psicóloga que cuida deles há 18 anos. Já em casa, sou apenas mãe e mulher. Se meus filhos precisarem de uma psicóloga, vou buscar fora.

Como conheceu seu marido?

Hammer e eu estudamos juntos em um jardim de infância, em Belo Horizon­te, e morávamos no mesmo bairro. Na adolescência, nós nos encontramos e ele me reconheceu. Quando ele me viu disse: “Você é a Natália da sala da tia Rose?”. Até hoje acho ótima essa frase! Confesso que não o reconheci, porque, quando ele era criança, tinha os traços fortes de um japo­nês, mas, depois de ficar mais velho, isso diminuiu. Só depois que descobri que ele tem os olhos puxados porque é de origem indígena. Começamos a namorar aos 18 anos, aos 22 nos casamos e, hoje, com 43 anos, tenho 21 de casada.

Acredita que ele seja a sua alma gêmea?

É até engraçado você dizer isso, porque nosso convite de casamento teve o ines­quecível poema de Emmanuel, que fala so­bre almas gêmeas. O Hammer é uma pes­soa que não só me dá afeto, mas me ajuda a crescer, me complementa. Nós somos dois, mas inteiros. Ele é um excelente pai, mari­do e companheiro. Juntos, nós consegui­mos evoluir muito espiritualmente. Cresci muito ao lado dele. Ele é muito generoso, tolerante e paciente comigo.

E sua relação com seus filhos, como é?

Considero-me uma verdadeira leoa com meus filhos. Sou uma mãe muito presente, mãezona mesmo, mas, ao mesmo tempo, cobro muito deles. Acredito que a vida não é fácil, então, temos de preparar os filhos ou dar a eles condições para que façam as es­colhas certas. Tenho o dever de prepará-los, instrumentá-los. Não só oferecer boa educa­ção, mas ensiná-los a serem corretos, éticos, e a desenvolverem a sua espiritualidade.

Considera-se uma pessoa religiosa?

Na verdade, prezo muito pela minha espiritualidade. Fui católica muito tempo, mas, depois que fui trabalhar com saúde mental, comecei a questionar algumas coi­sas e a conhecer mais sobre a reencarnação. Foi então que me identifiquei com o karde­cismo. Não acho que seja uma religião, mas uma filosofia de vida. Sou uma pessoa muito questionadora, e o kardecismo traz muitas repostas aos meus questionamentos.

De que forma?

Convivo muito com o sofrimento. Os psicólogos, em sua maioria, fazem isso. Por isso, temos de buscar respostas para enten­der por que as pessoas passam por deter­minadas situações. Por que fulano tem um filho com deficiência e beltrano não tem? Qual é a lógica divina para que uma pessoa tenha e a outra não, para que uma pessoa perca e a outra não? Sempre perguntei isso, até sob a lógica de uma justiça divina. E, por meio do kardecismo, com a reencarna­ção, consigo enxergar o sujeito escrevendo a sua própria história. Nele você descobre que não existe crime ou castigo, uma pena ou um pecado. O que existe é você cons­truindo a sua história. Você enxerga, por exemplo, que ter um filho com deficiência não é um castigo, mas uma possibilidade de aprendizado. Talvez mais trabalhosa e dolorosa para alguns e para outros não.

Segundo sua espiritualidade, como a se­nhora vê Deus?

Estou aprendendo a ver Deus como pai, um benfeitor, alguém que está mais pró­ximo. Porque, até então, eu o via apenas como um criador. Inclusive, acredito que o Censa seja para mim uma dádiva espiritual, um presente de Deus na minha vida.

Que avaliação faz de si mesma?

Posso citar como exemplo a tatuagem que tenho nas costas. Sou como uma borboleta, tenho fases, possibilidades de crescer. Em alguns aspectos da minha vida, ainda sou lagarta, estou me arras­tando. Em outros, estou hibernando num casulo. Já em outros aspectos, estou al­çando voos como uma borboleta.

A senhora se considera muito rigorosa e inquieta, mas tratar de pessoas com de­ficiência requer muita paciência. Como lida com isso?

Sou rigorosa em casa, mas tolerante no Censa. A instituição me ensina a ser assim, mas ainda estou aprendendo e evoluindo.

É muito nervosa?

Não. Considero-me uma pessoa inquie­ta. Mas isso não me atrapalha no Censa, ao contrário, me ajuda a ir sempre para frente. Nunca estouro com ninguém. Para eu xingar uma pessoa, precisa de muito. Essa minha inquietação é que me faz pensar que tudo pode melhorar mais. O que me move é a minha inquietude. O Hammer me chama muito a atenção nesse sentido. Ele sempre diz que quando nós achamos que uma coisa está boa, eu já logo quero buscar mais.

O que faz para se divertir?

Adoro viajar. Gosto de conhecer lu­gares novos, mas, acima de tudo, pes­soas diferentes. Não sou de ir a pontos turísticos, se viajo a algum lugar, quero saber como aquele povo vive, a cultura, o dia a dia daquelas pessoas. Também malho duas vezes por semana e faço hidroginástica. Gosto bastante de ler, estar com a minha família. Sou uma pes­soa muito caseira.

Tem algum hábito de que não abre mão?

De ler. Sou viciada em leitura. Leio uns três livros ao mesmo tempo e de gêneros diferentes. Também gosto muito de pre­ce, ela me acalma. Em qualquer momento da minha vida, acho importante fazer uma prece. É um hábito do qual não abro mão.

É devota a Maria de Nazaré?

Sou apaixonada e uma profunda admi­radora de Maria. Ela é um modelo de mãe, de mulher.

Ela é sua maior inspiração?

Sim. Sou encantada e grata a ela. O Censa leva o nome de Senhora da Assun­ção, que é um dos nomes de Maria. Por isso, ao trabalhar no Censa, sinto que tra­balho para ela.

É uma mulher vaidosa?

Não, mas preciso ser. A vida e as pes­soas me cobram isso, apesar de eu não dar muito valor. No dia a dia sou muito prática. Passo batom sem me olhar no espelho, escovo os dentes andando pela casa. Acredito que é muito mais impor­tante cuidarmos da nossa alma. O corpo é perecível. O mais importante é você encontrar-se com uma alma boa. Chico Xavier falava uma coisa importante que é: “Quando uma pessoa sair da presença da gente, que ela saia tão bem quanto en­trou”. Por isso, eu me preocupo em tratar as pessoas bem, em escutá-las, acolhê-las. As pessoas não precisam de mim arruma­da, precisam de mim disposta a ajudar. Mas, claro, a vaidade faz parte, principal­mente, para agradar ao marido.

É feliz?

Sou uma pessoa muito grata. Tenho uma imensa gratidão a Deus, aos meus pais, enfim, a todas as pessoas que passa­ram na minha vida. Sou grata até àquelas que me fizeram sofrer, porque aprendi com elas. Ser grata nos traz felicidade.

Algum sonho?

Quero viajar mais. Meu grande sonho é tirar um ano sabático só para viajar pelo mundo. Tenho vontade de colocar uma mochila nas costas e andar. Acredito que, um dia, vou realizar esse sonho, mas, como sou uma pessoa muito comprome­tida com minha família e com o Censa, sinto que ainda não chegou a hora de fa­zer isso. 




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