Pequenos executivos

Comportamento: Filhos

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Criado em 13 de Março de 2015 Comportamento

Fotos: Hilário José

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Atividades extracurriculares para crianças e adolescentes são importantes para o desenvolvimento psiquicossocial, porém, é preciso que os pais fiquem atentos aos excessos
 
Pollyanna Lima
 
O MERCADO PROFISSIONAL ESTÁ cada vez mais competitivo, e, para vencer os diversos desafios impostos por ele, muitos pais têm preparado seus filhos, desde cedo, matriculando-os em aulas esportivas e cursos dos mais variados. Isso faz com que crianças e adolescentes tenham rotinas parecidas com as de um adulto, tornando-se verdadeiros executivos mirins. Além da escola regular e dos deveres de casa, que não são poucos, eles ainda precisam conciliar essas atividades com aulas de natação, dança, inglês, música, dentre outras.
De acordo com a psicóloga e psicoterapeuta Simone Sena, as atividades extracurriculares são saudáveis enquanto a criança e o adolescente não demonstram resistência em praticá-las. “Existem muitas aulas interessantes e que trazem grandes benefícios para o desenvolvimento infantil. O esporte também é de extrema importância para a saúde e a socialização, mas o exagero pode se tornar prejudicial. Por isso, é preciso ouvir a criança, perceber quando ela está cansada e, assim, diminuir a rotina. O ideal é que, em um ano, ela faça um tipo de atividade e, no ano seguinte, troque por outra, para sobrar tempo livre para brincar”, orienta a especialista.
Os irmãos Maurício e Letícia Fontes, ambos com 10 anos, têm uma agenda de atividades bem cheia. Além das aulas regulares, durante a semana, Maurício faz futebol, judô, inglês e piano. Já nos fins de semana, vai ao catecismo. Com Letícia não é diferente. Ela estuda, faz balé, sapateado, judô, inglês e piano, e, assim como o irmão, frequenta as aulas de catecismo. Porém, mesmo com tantos afazeres, eles afirmam que possuem tempo livre suficiente para brincar. “Adoro todas as atividades que faço, em especial o judô, porque o papai faz as aulas comigo”, conta Maurício. “A aula que eu mais gosto também é o judô. Amo fazer esportes e, inclusive, estou tentando uma vaga no time de handebol da escola”, acrescenta Letícia.
A fisioterapeuta e professora Patrícia Lemos, mãe dos gêmeos, conta que a rotina dos pequenos começou cedo. “Os dois entraram para a escola com 2 anos, e, com o passar dos anos, fomos acrescentando outras práticas. Eles são excelentes alunos, e o bom rendimento escolar é nossa exigência para que permaneçam nas atividades. Todas elas foram oferecidas por nós e escolhidas por eles. Portanto, eles só fazem coisas de que gostam muito. O pai deles e eu acreditamos que o esporte e a música são essenciais para a construção do caráter de uma criança, e a socialização promovida pelos esportes é fundamental para o desenvolvimento da vida em coletividade. Já o inglês é algo hoje natural e necessário. Para nós, nada do que fazem está em excesso, e muitas das aulas são realizadas em casa, para que eles não percam tempo com deslocamentos. Mas eles também brincam bastante, têm muitos brinquedos e vários coleguinhas. Às vezes, temos até que dar uma segurada, principalmente com os eletrônicos”, revela Patrícia.
Mesmo com os cuidados, em alguns casos, a rotina de estudos da criança é tão atribulada que não sobra tempo para outras atividades. É o caso de Gabriel Cardoso. Ele está se preparando para ingressar na escola militar e, para isso, além das aulas regulares, está fazendo um cursinho preparatório. Ele também frequenta academia, faz atletismo, hip hop e, aos domingos, ainda vai ao catecismo. “Gosto de estudar e quero muito passar no concurso, mas não gosto de ter a agenda cheia, pois não me sobra muito tempo para ficar em casa”, confidencia.
Adriana Cardoso, mãe de Gabriel, diz que, ao perceber que a agenda do filho esta va cheia demais, decidiu tirá-lo da natação. “Antes, sobrava apenas o domingo para ele descansar. Apesar de ele ter muitas horas de estudo, tento coordenar seu tempo da melhor maneira, fazendo com que almoce com calma e descanse, pelo menos, por meia ou uma hora. Mas Gabriel tem consciência dos benefícios que isso trará no futuro e, assim, pratica com gosto suas atividades. Às vezes, demonstra insatisfação pelo fato de o irmão mais novo poder ficar em casa e ele não, mas, no fundo, sabe também que isso é passageiro e, após o concurso, terá mais tempo livre. O seu desenvolvimento intelectual é notável; ele só tem como se dar bem no futuro”, elogia a mãe.
 
ATENÇÃO AOS EXCESSOS
Para a psicopedagoga e presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Luciana de Almeida, toda criança precisa ter tempo livre para fazer o que quiser. Por isso, tudo em excesso é prejudicial. “Então, é importante que haja limite de idade para qualquer prática. Além disso, a criança ou o adolescente devem participar da decisão e da escolha por qual atividade fazerem”, declara.
Crianças entre 5 e 7 anos devem desenvolver apenas uma atividade extraescolar, tendo, no mínimo, três dias livres. Na faixa etária dos 8 aos 11 anos, elas já podem participar de duas práticas extraescolares, com dois dias de descanso. A partir dos 12 anos, o recomendável é que se façam, no máximo, três atividades, deixando ao menos um dia livre para descansar.
Ainda segundo Luciana, hoje, os pais ficam tão preocupados em criar filhos competitivos para o mercado de trabalho que, muitas vezes, vão assoberbando a criança com múltiplas tarefas e acabam preterindo a necessidade de que os pequenos sejam apenas crianças, o que lhes dará condições de se tornarem adultos equilibrados. “Por isso, a orientação de nós, especialistas da aprendizagem, é que os pais permitam às crianças terem tempo de ser crianças, não as tornando fazedoras de tarefas. A criança e o adolescente precisam ser ouvidos, e suas escolhas, atendidas, de forma que eles executem atividades conforme suas habilidades, sobrando tempo livre para brincarem”, ensina a psicopedagoga.
Outro garoto que vive uma rotina atribulada é Pedro Lucas dos Santos, 13. Ele estuda, faz musculação, hip hop e futebol, treina atletismo e ainda reserva duas horas diárias a fim de se preparar para ganhar uma bolsa de estudos para um curso preparatório no Cefet ou no Coltec. “Gosto muito de fazer todas essas atividades e queria que o dia fosse maior para eu poder praticar muay thai, fazer um curso de inglês e outras coisas”, confessa Pedro.
A mãe do garoto, a professora Patrícia Dias, conta que foi ela que o incentivou, desde pequeno, a praticar esportes. “O Pedro foi para a escola com 4 anos, para que eu pudesse trabalhar e estudar. No mesmo ano, ele começou a fazer taekwondo, participou de muitos campeonatos e se tornou faixa vermelha, ponteira preta, quase um professor. Não concluiu o último exame porque era caro, e eu não tinha condições de pagar, mas, logo em seguida, por vontade própria, resolveu sair”. Patrícia lembra que decidiu colocá-lo no taekwondo porque ele gostou muito da aula experimental. “E foi muito válido. Até hoje, ele gosta de praticar esporte e de ocupar o tempo com atividades educativas”, ressalta.
Durante a semana, contudo, Pedro não tem muito tempo livre, mas, nos fins de semana, ele reserva seu momento de descanso para ficar com os colegas, jogar bola e participar de outras brincadeiras. “O Pedro sempre foi um excelente aluno, com boas notas e elogiado por todos da escola”, orgulha-se a mãe.
Telma Fulgêncio, também psicóloga e pisicoterapeuta, explica que é importante que a criança experimente as variadas modalidades de esportes para poder escolher o que mais gostar. “É comum a criança pedir para entrar numa aula e desistir, entrar em outra e desistir novamente. Essa idade é o momento certo para que ela conheça cada exercício e escolha o que realmente quer continuar fazendo. É preciso respeitar as habilidades de cada um. Preparar a criança para o futuro é estar com ela, aprender com ela, ser companheiro e andar ao seu lado, apoiando suas escolhas e a ajudando em suas dificuldades”, conclui a psicóloga.

 




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