Precisamos aprender com a crise hídrica

ENTREVISTA l RUIBRAN DOS REIS

Criado em 04 de Abril de 2016 Conversa Refinada
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Da Redação 
 
Quando menino, ele gostava de analisar as nuvens. Coisa de criança, mas não para Ruibran Januário dos Reis, 59 anos, o meteorologista que tem espaço garantido, todos os dias, na Rádio Itatiaia e subsidia os boletins meteorológicos da imprensa mineira. Nascido em Jequiá, no Espírito Santo, bem na divisa com Minas Gerais, município de menos de 4.000 habitantes, Ruibran cresceu perto da natureza ímpar da Serra do Caparaó. Saiu de casa jovem para estudar no Rio de Janeiro, onde se formou em meteorologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rodou o mundo para fazer cursos em centros de pesquisa e tem inúmeros trabalhos apresentados em congressos internacionais e nacionais, além de artigos publicados em revistas científicas. Casado, pai de três filhos, com idades de 27, 30 e 33 anos, Ruibran é professor da PUC Minas há 18 anos e aposentado da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), onde trabalhou por 27. Considera a meteorologia não só sua profissão, mas uma paixão e um hobby. Tem opiniões fortes sobre como as estatais e as empresas ainda não se atentaram para a importância das previsões nos seus processos de trabalho e é taxativo ao falar sobre a crise hídrica pela qual passou o país em 2014/2015. Para este ano, Ruibran dá boas notícias. Diz que haverá chuva suficiente para agradar aos reservatórios, mas faz um alerta: 
“ Precisamos aprender com a crise hídrica” 
 
Como se tornou meteorologista? Qual sua formação? 
Sou formado em meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em Minas, não tem curso até hoje. Trabalhei na Aeronáutca, no Centro Técnico Aeroespacial, por cerca de seis anos, e, depois, tive um convite para vir traba­lhar na Cemig, onde fiquei 27 anos. Montei toda a parte de meteorologia para operação de reservatório, planejamento e construção de usina. E acabei fazendo isso para todo o se­tor elétrico. As empresas não tinham a área de meteorologia bem-definida, e eu fui implantando juntamente com a Eletro­bras e, posteriormente, com o Operador Nacional do Sistema (ONS). Cerca de 80% da nossa energia depende da água. Por isso, as previsões de curto, médio e longo prazos têm um im­pacto muito grande na compra e na venda de energia. Em São José dos Campos (SP), fiz os créditos do mestrado no ITA. Em seguida, defendi pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Departamento de Saneamento e Meio Ambiente. Posteriormen­te, fiz doutorado em geografia. 
 
O que identificou nos estudos acadêmicos? 
O assunto específico do mestrado foi de­senvolvimento de modelo para estimativa de evaporação de lagos, o qual passou a ser usado por todo o setor elétrico do Brasil. Já o doutorado foi sobre raios. Elaborei um es­tudo utilizando mais de 15 milhões de raios que caíram em Minas e fiz a distribuição para ver onde ocorriam mais, se havia influência do aquecimento global, dos fenômenos El Niño e La Niña, se a quantidade estava aumentando. Daí, identifiquei que os raios estão ficando mais frequentes, aumentando muito. Em um ano de La Niña, eles caem menos porque as chuvas são mais bem-distribuídas e chove durante vários dias seguidos. Já nos anos de El Niño, os temporais são mais frequentes devido ao aquecimento muito grande do ar. 
 
Os fenômenos El Niño e La Niña têm um ciclo? 
Sim, eles têm um ciclo de cerca de sete anos, mas o El Niño pode acabar num ano, e, no outro, começar o La Niña, como também um deles pode ficar por um período de três anos e, depois, ter um tempo neutro. Não há uma explicação científica de como surgem os dois: existem métodos, pela temperatura da água do mar, para determinar se vai ser um ou outro. Mas não se consegue saber exatamente o que causa os fenômenos. São os dois que mais impactam no Brasil e no mundo. 
 
A rede de pesquisadores, hoje, no Brasil é fortalecida ou pre­cisa de investimentos? 
Precisamos muito de investimentos. Nos últimos anos, os governos federal e estadual têm insistido bastante na criação de redes, mas sentimos falta de profissionais capacitados para fazerem esse tipo de parceria dentro das universidades. 
 
Esse profissional sairia de qual graduação? 
Hoje em dia, pode sair de qualquer área: geografia, enge­nharia, biologia. Enfim, mudança climática é muito interdis­ciplinar. Embora essa questão não seja nova – no século 19, já havia sido provado cientificamente que o efeito estufa iria aumentar a temperatura do planeta –, temos poucos profis­sionais se dedicando a ela. Nas graduações, isso ainda é pouco incentivado. A nossa ideia é fazer um trabalho dentro da PUC, onde dou aula há 18 anos – na graduação e no mestrado –, para promover esse interesse. 
 
Recentemente, tivemos a Conferência do Clima, em Paris. A comunidade científica está otimista com o resultado? 
Estive em Portugal na época. Estão todos muito otimistas. Realmente, está sendo um marco histórico em termos de cons­cientização de todos os governantes. Agora, precisamos elaborar um documento para pro­piciar a diminuição dos gases do efeito estufa. Isso deve ocorrer a partir de 2020. Se as metas forem cumpridas, a temperatura do planeta su­birá menos. O máximo delimitado no acordo foi de 1,5 grau. Os cientistas acreditam que su­bir acima de 2 graus será catastrófico e que te­remos problemas seríssimos. A seca em Minas tende a ficar mais severa e constante; muitas re­giões terão chuvas de forte intensidade. A Nasa publicou documento recentemente mostrando que 2015 foi o ano mais quente da história do planeta; em relação a 2014, a temperatura subiu 0,13 grau, e isso é muita coisa. Quando falamos em mudança climática, falamos em variabilida­de, ou seja, pode haver anos muito chuvosos e anos extremamente secos. É aprender a conviver com esses extremos é muito complicado. 
 
A expectativa é que EUA e China cumpram efetivamente o acordo? 
A comunidade científica está bem otimista, considera o novo protocolo semelhante ao de Kioto. Esse estabelecia que os países deveriam diminuir a emissão dos gases de efeito es­tufa entre 2008 e 2012 em relação aos anos 90. E o acordo precisava ser ratificado. No último momento, a Rússia ratificou, mas os grandes poluidores, como Estados Unidos e China, não fizeram nada. Agora, os dois se comprometeram a concentrar todos os esforços para diminuir a emissão de gases. Vai ajudar pouco se os dois principais não agirem. Mas, desta vez, eles estão comprometidos. 
 
Os países estão preparados para os impactos da mudança climática? 
Grupos de pesquisa na Europa já fizeram os estudos de im­pacto das mudanças climáticas. Agora, eles estão investindo re­cursos em adaptações. Aqui, no Brasil, não temos praticamente nada em termos de estudo de impacto. 
 
É preciso envolver governo e academia? 
É necessário o governo investir mais e as universidades terem pesquisadores nessa linha de mudança climática. Em Minas, tivemos uma seca severa no Norte do Estado, mas, se você procurar, na internet ou em outro lugar, o impacto da mu­dança, verá que não há nenhum trabalho. Economicamente, o impacto é muito grande. 
 
Seria uma forma de prevenir?
O Estado tem de ter uma visão de prevenção. Não pode ficar contando com São Pedro. É necessário estudar para verificar as variações, lugares que precisam de mais água, outros, de me­nos, diversificar as culturas. É preciso incentivar muito, senão, rapidamente, vamos sofrer muito impacto.
 
Então, a crise hídrica, a queda no nível dos reservatórios, não era para ter sido uma surpresa. Certo?
Não foi surpresa. Essa situação foi avisada muito tempo antes de acontecer. Já havia estudos, já mostramos que teríamos dimi­nuição na precipitação. Infelizmente, não foi feita a adaptação ne­cessária. Sempre falei, alertei que não iria chover todo ano da mes­ma forma, mas ficavam esperando a coisa acontecer, esperando a chuva. Nunca acreditavam que poderia haver uma crise hídrica. Cheguei a trazer pesquisadores de fora para falar e alertar. 
 
Para este ano o que podemos esperar?
Estamos em pleno El Niño, que já foi considerado um dos mais intensos dos últimos 60 anos. Ele começou a atuar em meados do ano passado e vai perder intensidade a partir de março. Os mo­delos estão mostrando que, após julho, terá início o La Niña. Isso significa que, antes, havia um bloqueio para a chegada de frentes frias aqui, na região Sudeste. Por isso, choveu pouco nos últimos três anos. Mas isso acabou. Estamos esperando fevereiro e março com chuvas dentro do normal e vamos ter um fim de outono e de inverno mais frio. O ano passado foi muito quente. Na primavera, a temperatura na Grande Belo Horizonte chegou a 37,7 graus, a mais alta desde 1912, quando começaram as observações. Neste ano, estamos esperando temperaturas mais baixas nesse mesmo período e chuvas mais cedo, já no fim de setembro.
 
Mas teremos chuvas para resolver o problema do nível dos reservatórios?
Para os reservatórios e para a agricultura, vai ser excelente. Mas, para recuperarmos de forma excelente, vamos demorar umas duas estações chuvosas muito boas. A boa notícia é que poderemos dar adeus à crise hídrica. Contudo, precisamos aprender com ela. 
 
E o senhor acredita que estamos aprendendo com a escas­sez de água?
Tem algumas coisas no meio do caminho que atropelam as ações. Estávamos na década de 90, num pique bom de cons­cientização, trabalho e investimentos. De repente, aconteceu o atentado às Torres Gêmeas, em Nova York. Fatos como esse acabam desviando o foco e também os recursos. Em 2005, ti­vemos um furacão no Atlântico Sul que atingiu Santa Catarina. Foi o primeiro no Brasil, abaixo do trópico de Capricórnio, um ciclone extratropical. Os cientistas brasileiros ficaram pre­ocupados. Todo mundo achou estranho, mas a temperatura da água do mar estava muito alta. Com o furacão Catrina, que atingiu os Estados Unidos em 2005, voltou a discussão. Nesse ano houve uma temporada de furacões: foram mais de 21. Em Minas, o desastre de Mariana vai desviar o foco da crise hídri­ca. A Fapemig já está começando a disponibilizar quantidade de recursos para pesquisas sobre o Rio Doce, e a questão do aquecimento global acabará sendo esquecida. 
 
E nossos planos de contingência são suficientes?
Não estamos preparados para nada, nem para a chuva. Tra­balhei mais de 20 anos dando apoio para a Coordenadoria Es­tadual de Defesa Civil e ministrando cursos e palestras. Mas a Defesa Civil atua geralmente depois que o evento aconteceu. Quando há uma catástrofe, o órgão vai ao município e oferece todo tipo de apoio. No entanto, dos 853 municípios do Estado, no máximo 715 têm coordenadorias municipais de Defesa Ci­vil. Dessas, até cinco são atuantes. Belo Horizonte é uma delas, porém ainda tem muitos problemas. 
 
Em todos esses anos, o quanto a tecnologia evoluiu para as previsões?
A evolução foi fantástica a partir de 1995, quando foi instala­do o primeiro super-computador no Brasil. Ele fica no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em Cachoeira Pau­lista, e faz 700 trilhões de operações por segundo, sendo capaz de identificar um fenômeno na Argentina, nuvens, frentes frias, saber como é o solo, a interação com o mar, além de simular gotículas. O Climatempo, por exemplo, pega essa grade e apli­ca em seus modelos de mesoescala. E os centros regionais do Climatempo rodam modelos para todos os Estados, criando previsões específicas.
 
O senhor representa o Instituto Climatempo em Minas. O que ele faz? Qual tipo de cliente tem? 
O Climatempo é a maior empresa privada de meteorologia da América do Sul. São quase cem funcionários, entre progra­madores e meteorologistas, recebendo dados do mundo intei­ro. A empresa disponibiliza essas informações para operadoras de celular, tem um canal próprio de TV, jornais e clientes bem interessantes, que vão desde agricultores, os quais precisam saber quanto vão irrigar, a grandes shows musicais. 
 
As pessoas estão se preocupando mais com a meteorologia? 
As pessoas não têm noção de que as mudanças climáticas se devem a um comportamento delas. As informações meteoro­lógicas estão disseminadas, e quase sempre nem imaginamos quem as usa e com qual finalidade. Brinco muito que as pesso­as que não têm essa visão se dão mal. No Caribe, os meses de setembro e outubro têm furacões com maior frequência. Inclu­sive, já tivemos casos de brasileiros presos no país por causa desses fenômenos naturais. Com isso, as passagens aéreas para esses destinos ficam mais baratas, e as pessoas desconhecem o verdadeiro motivo do barateamento. A meteorologia é ampla­mente utilizada na aeronáutica, pois a aviação precisa de todas as informações meteorológicas em sua trajetória.
 
Tem algum setor que ainda precisa usar mais a meteorologia nos seus processos?
O setor elétrico precisa usar muito. A construção civil utili­za, mas não da melhor forma possível. É preciso otimizar mais. O empresário já tem essa preocupação, mas poderia aproveitar melhor os processos de acordo com a meteorologia. Vejo que eles não estão sabendo usar essa informação, que é valiosa. Já instituições como a Petrobras utilizam muito bem esses dados. 
 
Como é a preparação para os boletins da Itatiaia?
Somos uma regional da Climatempo, e o instituto tem toda a modelagem, que gera vários produtos. Abro os mapas de Minas em meu celular e, dia a dia, fico sabendo como estará a distribui­ção de chuva no Estado, com quantidade, volume, vento e raios. Consigo também saber, com três meses de antecedência, onde vai chover mais. Levanto às 4h todos os dias e dou uma passeada pelas imagens do Estado, vejo todos os dados, as imagens de satélite e a distribuição dos fenômenos. Gravo da minha casa mesmo. O grau de acerto é muito grande.
 
Como a sua experiência pesa na previsão?
Hoje, os modelos já te dão muitas informações. O que pesa é a análise de cada um, pois são muitos dados. Sei interpretar bem uma imagem de satélite. Se, por exemplo, um mapa mos­tra uma frente fria e há várias massas de ar, eu consigo ‘bater o olho’ e entender o que está acontecendo. Tem nuvens que provocam chuva; outras, não. Nessa hora, a experiência conta muito. É como ser um clínico geral. Faço previsão para Minas e tenho certeza dela porque conheço a topografia do Estado. Quem erra não é a meteorologia, é o meteorologista. 
 
Neste ano teremos surpresas?
Teremos a volta do La Niña, que diminui as chuvas no Sul e aumenta no Nordeste do Brasil. Este ano vai ser excelente para a agricultura porque teremos um número menor de quei­madas, temperaturas mais baixas, estações bem-definidas. Isso está raro. Temos feito estudos e percebido que as temperaturas realmente têm subido. Com isso, as pessoas não sabem mais o que é verão, o que é primavera. 
 
Como influenciamos diariamente o clima? 
Temos uma equação que explica muito bem: toda radiação do sol que chegar a qualquer parte do planeta será utilizada para aquecer o ar, aquecer o solo e provocar evapotranspiração. Se a vegetação diminuir, seja por qualquer motivo, automaticamente, diminuirá a quantidade de energia a ser usada para a evapotrans­piração. Se houver pouca disponibilidade de água, haverá baixa umidade relativa do ar. Em Belo Horizonte, no ano passado, ela chegou a 9%, sendo que, no deserto, é 12%. Isso porque a cada dia o homem está urbanizando mais. Precisam-se criar mais par­ques, mais áreas verdes. Imagine como será BH daqui a uns anos: teremos temperatura de 40, 41 graus em pouco tempo. Um car­ro se locomovendo consome combustível fóssil, o que influen­cia o efeito estufa. Por isso, precisamos de mais transporte com energia limpa. A energia solar só de Minas geraria para o Brasil inteiro. A eólica também poderia estar sendo muito mais usada. Gastamos muita energia sem necessidade, com ar-condicionado, iluminação artificial etc., mas precisamos de investimento. 
 
PERFIL 
Ruibran Januário dos Reis 
Idade: 59 anos 
Naturalidade: Jequiá (ES) 
Formação: meteorologia, pela UFRJ 
Estado civil: casado e pai de três filhos



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