Quero ser grande

Infância precoce

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Criado em 08 de Outubro de 2014 Comportamento

Fotos: Hilário José

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Imitar a vida adulta faz parte da infância da maioria das crianças, porém, é preciso saber impor limites e buscar ajuda necessária

Luna Normand

FOI-SE O TEMPO em que meninos e meninas de 8 anos de idade se divertiam com bonecas, jogos de tabuleiro e brincadeiras de rua como pique-esconde. Hoje, o passatempo é outro. A vai­dosa Athina Georgandy Roussos Isaac, 8, por exemplo, prefere ocupar o tempo livre com a produção de vídeos de maquiagem. Há um mês, ela lançou um site no qual dá dicas de moda e be­leza para meninas da sua idade.

Athina é um retrato da precocidade in­fantil cada vez mais comum nos dias atuais. Lançadas cada vez mais cedo no mundo adulto, as crianças de hoje são facilmente expostas ao consumismo e à erotização pre­coce. E a televisão, antes tida como grande vilã, deu lugar à internet com o advento dos tablets e smartphones. Pesquisa recente da AVG Technologies, fabricante de softwares de segurança, revelou que a internet foi apontada como um dos maiores respon­sáveis pela adultização infantil, mas outros fatores, como o convívio só com adultos e as agendas extracurriculares apertadas, tam­bém contribuem para isso.

Cursando o 2º ano do ensino funda­mental, Athina se divide entre escola, aulas da natação e de inglês. A agenda atribulada, quase de gente grande, é su­pervisionada de perto pelos pais, que impõem horários e alguns limites. “Tem a hora certa de fazer dever e de brincar, por exemplo”, garante o pai da menina, o fotógrafo Túlio Isaac, 37.

Há um mês, ele comprou o domínio iamathina.com para atender a um dese­jo da filha, que queria dividir com outras pessoas os seus segredos de beleza. “São dicas para meninas da minha idade. Gos­to muito dessas coisas de menina: passar rímel, batom vermelho, pentear o cabelo. Teve uma época que eu passava sombra e batom para ir para a escola, agora, eu só passo blush e batom”, conta Athina.

O processo de produção dos tutoriais é todo feito por ela, que tem as ideias, escreve e grava os vídeos com o próprio iPhone e iPad. As inspirações vêm de ca­nais no Youtube direcionados para crian­ças, como Dope 2111 e Emma, e da mãe, a administradora Iriny Roussos, 34, uma vaidosa de carteirinha.

Segundo a psicóloga e pedagoga Cleu­za Prata, hoje as crianças convivem muito com adultos, uma vez que geralmente as famílias possuem um ou dois filhos, no máximo. “Essa convivência contribui para a precocidade da criança, que não apren­de com as palavras, mas com o exemplo. Ela observa o que o adulto faz o tempo todo e assim acaba querendo ser ou fazer igual”, afirma.

Athina, que foi filha única até pouco mais de um ano atrás, quando nasceu a única irmã dela, Marina, não surpreende os pais com o seu jeito expansivo e ma­duro de ser. Iriny diz que desde pequena ela sempre foi assim. “Por causa da con­vivência com os tios e os primos adultos, acho que realmente a minha filha se tor­nou precoce em muita coisa. Ela é muito curiosa, entra no Youtube, assiste a víde­os e cria os seus tutoriais de maquiagem, tudo isso sozinha”, garante.

NOVOS TEMPOS

Crianças usando maquiagens, com­prando celulares e indo à academia não são, atualmente, ocorrências incomuns na sociedade. E a culpa não é dos pais nem da escola, mas, sim, da evolução natural da humanidade, de acordo com Cleuza Prata. “As crianças de hoje estão naturalmente muito mais maduras do que as de antigamente. E não são apenas elas que estão mudando: hoje está tudo muito rápido. O ser humano trabalha em uma velocidade rápida para tudo”, afirma.

Diante disso, muitos pais não sabem como agir com os novos desejos da meni­nada. A publicitária Adriana Marques, 45, mãe da pequena Larissa Salem, 7, conta que a filha não aceita mais brincar de bo­necas. “Até pouco tempo atrás eu com­prava Barbie e bonecas para ela. Hoje, a Larissa não quer mais. É só Monster High, iPhone. Eu comprei um iPad para mim, mas acabou que ela tomou conta e sabe usar muito mais do que eu”, diz. A menina também tem Facebook, que é monitorado de perto pela mãe. “Se tem um vídeo, ela sempre me pergunta se pode ver e nunca acessa sem me pedir. Eu explico que tem coisa que não é para a idade dela, e ela entende e não desobedece”, garante.

Mãe de Lucca Castro Milagres, 5, a es­tudante Flávia Castro, 26, também se sur­preende com algumas atitudes do filho. “Ele tem muitas respostas que assustam a gente. Ele é muito observador e, para a idade dele, acho-o muito maduro. O Lucca conversa como uma pessoa adul­ta”, conta. Recentemente, o menino dis­se que queria fazer motocross e assustou os pais. “Ele não gosta muito de brinca­deiras da idade dele. Pediu de Natal uma moto de motocross e não tira isso de ca­beça”, conta a estudante, lembrando que o filho não desgruda do tablet, um dos seus brinquedos prediletos. “Gosto mui­to do meu tablet e da minha bicicleta”, afirma o menino.

Cleuza Prata é a favor do uso de tec­nologias como o tablet na educação de crianças, mas tudo com limite. “Nós não podemos ter um retrocesso. Hoje, esses recursos existem e fazem parte do nosso dia a dia, mas devem ser utilizados com moderação, sabendo que, além deles, nós temos os recursos passados, que foram muito bons e que nunca saem de moda”, explica.

É PRECISO DIZER “NÃO”

Há pouco tempo, Larissa pediu à mãe um sapato de salto alto, mas Adriana Mar­ques disse que não era hora de a menina usar esse tipo de calçado. “Já teve época de falar que queria ficar loira como eu, usar minhas roupas, meus sapatos. Não proíbo nada, mas lógico que tem os seus limites. Não vou deixar ela sair de casa como um adulto. As maquiagens dela, por exemplo, são todas para adolescente”, ga­rante a publicitária.

Cleuza destaca a importância de se di­zer “não” em determinados momentos. “Isso é muito difícil para alguns pais, mas é necessário, pois é uma forma de educar. E na maioria das vezes, com as atribula­ções do dia a dia, muitas mães e pais aca­bam ficando ausentes ou não conseguem suprir todas as necessidades da criança, surgindo essa dificuldade em dizer o ‘não’”, afirma.

A estudante Flávia Castro acredita que o segredo é a conversa. “Acho que os pais devem explicar sempre o porquê do ‘não’. O Lucca tem uma opinião e uma personalidade muito fortes e para tudo ele tem uma resposta. Então, é preciso conversar muito para ele poder enten­der, não ficar frustrado e achar que so­mos ruins”, garante.

PRECOCIDADE, ATÉ CERTO PONTO, NÃO É UM PROBLEMA

Segundo estudiosos e especialistas no assunto, a precocidade infantil, até certo ponto, não é um problema. Mas é importante buscar orientação com especialistas para saber quando a criança está passando dos limites. Flávia, por exemplo, procurou a ajuda de um profissional para descobrir se as atitudes do filho eram normais para a idade dele. “A psicóloga relatou que realmente o Lucca é uma criança precoce, mas disse que até o momen­to isso é normal. Segundo ela, algumas crianças se desenvolvem mais cedo do que outras”, diz.

A psicóloga Cleuza Prata afirma, no entanto, que a precocidade se torna algo que deve ser levado a sério quando a criança passa a viver, o tempo todo, uma vida de adulto. Dessa forma, isso pode acabar sendo prejudicial no futuro, porque é na infância que se constroem o caráter e os valores. “A criança acaba matando algumas etapas da vida, gerando adultos rebeldes, infratores, que não conseguem manter relações saudáveis e respeitar limites. Criança precisa ser criança”, enfatiza. O ideal, portanto, é tentar estender ao máximo o período da infância, pois quanto mais intenso e proveitoso for, mais equilibrado e saudável será o adulto.




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