Religião X Estado

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Criado em 19 de Dezembro de 2012 Comportamento
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POR Lucas Fortunato Carneiro*
 
A “confessionalização” da política brasileira é preocupante. Isso partindo do ponto de vista prático, já que, do ponto de vista teórico, tudo pode ser entendido como um clássico conto, como “Alice no País das Maravilhas”. Nas últimas eleições, a temática da religião ganhou força dentro do jogo político. Pastores, bispos da Igreja Católica e demais líderes religiosos participaram de grandes embates para defender bandeiras políticas e ideologias massificantes.
 
Ao longo da história, a modernidade acabou separando Estado de Igreja, mas, agora, o Estado é “laico”. Isto é, não pode ser direcionado por nenhuma prática ou doutrina religiosa. Todas as formas e expressões religiosas têm o mesmo espaço para difundir sua mensagem e sua doutrina, além de promover manifestações públicas, desde que se respeite o espaço do outro.
 
A função primordial do Estado é estar a serviço dos cidadãos - sejam eles crentes ou não crentes - e não aceitar, em sua soberania, ser dominado por alguma Igreja ou denominação religiosa. E o perigo que se apresenta é justamente uma miscelânea de ideias que, no fundo, confunde o que realmente é a ideologia do Estado e o que é a doutrina religiosa.
 
Uma leve pincelada no passado nos mostra que a mescla de poder religioso com poder estatal fatalmente gera  o fundamentalismo e, com ele, o preconceito , a descriminação, a violência e a exclusão. Quando se misturam  Bíblia, Constituição Federal e exercício de poder, corre-se o risco de presenciar cenas não muito agradáveis. Um velho ditado popular ensina: “Quer saber quem é a pessoa, dê poder e dinheiro a ela”.
 
Creio que essa mensagem realmente pode nos dizer muitas coisas. Poder e religião, geralmente, não resultam em boas atitudes porque, por detrás desses dois temas, existe um ser humano que, no seu proceder, pode ser manipulado pelos mais
nobres, tristes e per versos sentimentos.
 
Cito aqui um trecho escrito em 25 de agosto de 1944, em Belo Horizonte, por Frei Betto, um escritor religioso dominicano brasileiro, que diz: “Temo que também no Brasil esteja sendo chocado o ovo da serpente. Denominações religiosas apontam seus pastores a cargos eletivos; bancadas religiosas se constituem em casas legislativas; fiéis são mobilizados segundo o diapasão da luta do bem contra o mal; igrejas se identificam com partidos; amplos espaços da mídia são ocupados pelo proselitismo religioso”.
 
Assistimos de camarote a uma gestação muito perigosa, na qual poder e religião se fundem. As lutas, os ideais, as buscas intermináveis pelos direitos garantidos e o cumprimento dos deveres em igualdade, tudo isso está caindo no esquecimento da memória popular, como afirma o filósofo Luiz Felipe Pondé (Recife, 1959): “O povo é sempre opressor”. Mas será que essa opressão já não cedeu lugar ao comodismo e à apatia? Partidos, ideologias, lutas, manifestos populares, isso já não importa mais. O que vale são a crença professada, a fidelidade a uma determinada denominação ou líder religioso (midiático ou não) que apresenta “anjos voando aqui” ou até mesmo convida para “entrar na minha casa e na minha vida”. O que importa são a fé que move montanhas, uma servidão voluntária que hipnotiza o coração e a mente, e não mais a luta por um mundo melhor. Talvez a fé ao louvor, e não à ação e ao compromisso de fé, nos apresente um novo caminho .
 
*Educador, graduado em filosofia pela PUC-Minas, graduando em teologia e Pós-graduando em psicopedagogia pela Fumec - [email protected]
 

 




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