Se meu Fusca falasse

Comportamento: Amantes de fusca

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Criado em 27 de Abril de 2015 Comportamento

Foto: hilário José

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O fascínio que o carro mais popular do Brasil exerce sobre as pessoas é tão grande que ele já se transformou em peça de coleção e motivou a criação de diversos clubes de admiradores e fãs em Minas e na capital; conheça aqui os xodós de alguns aficionados pelo Besouro
 
Lisley Alvarenga
 
CARRO MAIS VENDIDO no mundo e o mais popular entre os brasileiros, ele já foi transformado em quase tudo, desde aviões, motos, barcos até bombas d’água ou geradores. Sua versatilidade é tamanha que modificações feitas em sua estrutura perduraram por gerações inteiras. Há inclusive um dia mundial e um dia nacional em sua homenagem, comemorados em 22 de junho e 10 de janeiro, respectivamente.
Seu sucesso é tanto que também foi estrela, por vários anos, em Hollywood, no filme “Herbie: Se Meu Fusca Falasse”, de 1969.
Quem nunca teve ou não conhece alguém que já tenha sido dono do bom e velho Fusca? Mesmo tendo sido lançado ainda na década de 30, na Alemanha, o Besouro, como é chamado pelos íntimos, ainda provoca frenesi em muitos dos amantes do modelo, que conservam esse pequeno “tesouro” com muito carinho e dedicação.
 
Um desses apaixonados é o aposentado Geraldo Magela dos Santos, 55, conhecido também como Geraldo do Fusca. É em sua casa, no bairro Arvoredo, em Contagem, que ele conserva Alencar (1962), Nicolau (1963), Ulisses (1978) e Aquilis (1981). Isso mesmo: cada um dos seus quatro Fuscas foi batizado por ele com um nome. “Normalmente, todo Fusca tem histórias, e os proprietários as associam
a um nome. Eu resolvi batizá-los com nomes mais raros”, conta Geraldo. O primeiro filho, como ele se refere aos seus Fusquinhas, foi Horácio, que, por questões pessoais, teve de ser vendido. “Ele é responsável pela admiração que tenho por esses carrinhos. O Horácio tinha duas cores, pintadas como ‘saia e blusa’, como falavam na época. O nome quem sugeriu foi minha filha mais nova, pois ele era verde e branco, como o dinossauro Horácio da Turma da Mônica”, explica.
 
Mais um entre os muitos brasileiros aficionados por veículos antigos, Magela, que também é proprietário de uma Kombi 1975, restaurada por ele, revela que o amor pelos Besouros surgiu apenas na idade adulta. “Quando conheci minha esposa, não tinha muita admiração pelo modelo, mas ela sempre me incentivava a comprar um. Eu dizia que só compraria se ela o dirigisse em um dia de chuva e com mais quatro ocupantes, pois o para-brisa é muito perto do rosto e embaça facilmente com a respiração. Até que, com nosso primeiro Fusca (Horácio), um dia fizemos uma viagem para o interior de Minas para visitarmos uma amiga. À noite, ao sairmos para uma pizzaria, com um casal de amigos, caiu uma chuva muito forte, e, então, aconteceu. Parecia que havia sido aplicado um jato de areia nos vidros, pois estavam totalmente embaçados. Isso para nós, naquele momento, virou farra. Alguém gritou: ‘Ninguém respira aqui dentro’. Enfim, nos divertimos muito com esse episódio”, relembra o aposentado ao revelar que, transitando no dia a dia pelas ruas da cidade, não perde a oportunidade de admirar e, quem sabe, negociar mais um Fusquinha para sua coleção. “Percebo esses modelos nas ruas facilmente e, então, paro, pergunto se querem vender e se não me deixam pelo menos admirar. Quando alguém tem um para vender, sempre vou dar uma olhadinha”, brinca.
 
Segundo o psicólogo João Carlos Alchieri, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o ato de colecionar é manifestado desde a infância, com coisas, brinquedos e lembranças. “Um misto de afeto e curiosidade deflagra a manutenção desse comportamento, que pode ter diferentes intensidades por objetos de interesse (selos, moedas, tampinhas) e ocorrer em idades diversas do desenvolvimento humano, estando mais frequentemente associado ao sexo masculino”. Com a mudança de interesses e de valores atribuídos ao ato de colecionar, pode-se verificar a migração para outros alvos, estando, entre eles, os carros. “Não é infrequente verificar que o que iniciou com coleção de calotas, espelhos ou outro acessório passou para veículos mais tarde. Assim, com um interesse oriundo da juventude e com uma independência financeira de adulto, o colecionador pode ampliar seu leque”, diz o especialista.
O fascínio pelo Fusca também é partilhado por Luiz Paulo Barros, 62. Secretário de Fazenda da Prefeitura de Betim, ele cuida de sua pequena relíquia, um Fusca 1500 azul-claro, de 1974, com todo apreço. O veículo, adquirido de um parente no Alto Rio Doce, cidade do interior de Minas, onde ele nasceu, é 100% original. “Mantive até a placa de lá, e sou o segundo dono. O valor sentimental dele para mim é indescritível. Se tivesse que comparar, eu o faria com um filho querido”. “Fuscamaníaco” assumido – expressão utilizada para designar os apaixonados pelo modelo –, Barros já gastou entre R$ 15 mil e R$ 20 mil para reformar seu automóvel. “Durante o período da reforma, é como se eu estivesse em uma sessão de psicanálise. O Fusca tornou-se para mim uma terapia, me desligo de todos os problemas quando o estou dirigindo. É uma sensação de liberdade”, desabafa.
 
Bem-humorado, ele conta que, entre os amigos, é chamado de Luiz Mujica, uma referência ao ex-presidente do Uruguai, que possui um Fusca da mesma cor. “Desde criança, sou apaixonado por carros antigos, e o Fusca sempre esteve presente na minha vida. Aprendi a dirigir em um e tive sete ao longo da vida. Adquiria, reformava e, por razões alheias à minha vontade, vendia. Hoje, toda a família curte essa paixão. Minha filha, Carla, e minha esposa, Stella, não com a mesma intensidade, mas meus filhos, Frederico e Conrado, herdaram minha paixão”, orgulha-se.
De acordo com o psicólogo João Carlos Alchieri, apesar de as paixões, não somente por carros, mas por qualquer objeto, serem um ato de prazer, é preciso ter atenção. “Elas acabam atrapalhando quando o prazer advindo delas não mais é compartilhável com outras pessoas, podendo transformar-se em um temor de perda, em dano ou mesmo em uma egoísta disposição de ter para si a posse. Assim, o colecionador torna-se refém e escravo de sua coleção. Ele não sai de casa, por exemplo, por medo de perder ou de roubarem seu objeto de coleção, não o compartilha e deixa de alegrar os demais e a si com a posse, o que acumula uma série de entraves interpessoais”, alerta.
 
“REI DO FUSCA”
Proprietário, há mais de 15 anos, de uma loja especializada em produtos de acabamentos, principalmente de veículos Volkswagen antigos, no bairro União, e referência em Belo Horizonte no universo que cerca o Besouro, José Augusto Silva, 59, também teve sua história tomada pelo Fusca e ganhou fama e reconhecimento com o carro. Considerado o “Rei do Fusca” na capital, ele já teve em sua coleção sete do modelo. “Mas, por questão de tempo e de espaço, tive que reduzir a frota. Hoje, possuo três: um alemão original preto, de 1955; um azul 1968, estilo hot e esportivo, que é meu xodó; e um vermelho, de 1970. Também tenho uma Kombi 74 de luxo e estou reformando um Karmann Ghia, de 1968”, conta.
 
Morador do bairro Cidade Nova, na adolescência ele passava um bom tempo cuidando do carro, aos olhos dos vizinhos, que já começaram a identificá-lo como o “Cara do Fusca”. “Quando era rapaz, sempre limpava meu Fusca. O pessoal passava e me perguntava se eu era o rapaz que limpava aquele Fusca bonitinho. Isso acabou se tornando a minha marca”. Mas o batizado veio mesmo do atendente do delivery de sanduíche preferido. “Em um dos pedidos, o rapaz perguntou: “’Zé, o do Fusca”’? Achei interessante, por ser um nome simples e fácil, e acabei adotando o apelido”, revela.
 
Contagiado pelo vírus do Fusca, como ele mesmo diz, o empresário relembra algumas loucuras que fez por amor ao carro. “Já cheguei a seguir um Fusca sem perceber porque fiquei encantado pelo modelo. Em outra ocasião, vi um Fusca tão bonito em Araxá que comecei a chorar. É um amor inexplicável”, desabafa.
 
Atualmente, Zé do Fusca circula pelos mais variados clubes de admiradores e fãs do carro. “Fui pioneiro e participei ativamente da criação do Clube do Sedan, em BH, há 25 anos, quando também levava a minha Kombi, que servia como escritório do clube para cadastrar novos sócios. Eles se sentiam cada vez mais incentivados a participar e a reformar seus carros. Batia de porta em porta para convidar as pessoas com VW antigos a visitarem um encontro no Mineirão, que tinha seis, dez veículos. Na época, levava minha Kombi. Depois, o clube trocou de nome. Acho que, nesse movimento, fui o pioneiro. Após isso, surgiram o Portal do Fusca e o Clube do Fusca, do qual já fui vice-presidente”, finaliza.



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