“Segurança pública não é papel somente da polícia”

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Criado em 19 de Fevereiro de 2013 Conversa Refinada
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Atuando na Polícia Militar há 24 anos, o tenente-coronel Júlio Cézar Rachel de Paula, 41, conta que seguiu os passos do pai quando escolheu a profissão; casado e pai de dois filhos, ele, que mora no município há 15 anos e deixou, temporariamente, desde o início deste mês, o comando do 33º Batalhão da Polícia Militar de Betim, afirma que, mesmo acreditando que a cidade possa ser mais segura, isso não depende apenas da polícia.
 
REVISTA MAIS – Como o senhor decidiu ser policial militar? Teve alguma influência quando escolheu essa profissão?
 
JÚLIO CÉZAR – Entrei na Polícia Militar por influência do meu pai, que também era policial militar, assim como meu avô e meus
tios. Por isso, quando surgiu a oportunidade de fazer o concurso, eu me inscrevi. Quando você vê seu pai indo trabalhar e chegando em casa de farda, todos os dias, isso acaba incentivando. Ainda criança, eu frequentava muito o quartel, participava
das colônias de férias e também estudei no Colégio Tiradentes. Isso tudo me influenciou muito. Quando decidi ser policial militar, meu pai ficou extremamente feliz. Entrei para a corporação, em 1988, e me formei aspirante a oficial, em 1992. Um ano
depois, fui promovido a segundo-tenente e, em 1994, já era primeiro-tenente. Em 1996, tornei-me capitão, onde permaneci até 2007, quando fui promovido a major. Quatro anos depois, fui promovido a tenente-coronel e me tornei comandante do 33º Batalhão da Polícia Militar de Betim, posto do qual me afastei temporariamente, desde o início deste mês, para fazer um curso de especialização.
 
Como o senhor veio para Betim?
Vim para cá em 1997, porque minha esposa passou em um concurso na rede pública de ensino do município. Nessa época, nós morávamos em Belo Horizonte e, para encurtar a distância para ela vir trabalhar, preferimos nos mudar para Betim. Em 1999, consegui ser transferido para a cidade. Eu e a minha família adotamos Betim. Em 2012, tive o prazer de receber a cidadania honorária. Meus amigos estão aqui. São 15 anos de cidade. Estou muito feliz aqui. Betim é uma cidade acolhedora
e me recebeu muito bem.
 
O senhor também é professor de direito penal. Por que decidiu lecionar?
A profissão nos incita a isso. Desde 1993, eu sou professor nas escolas de soldado que existiam na época. Sempre ministrei aulas de direito, área em que me formei. Depois, dei aulas na academia da PM para cursos de oficiais. Também ministro aulas para o curso de formações de sargentos. Tudo isso foi despertando em mim o interesse em lecionar. Aí, surgiu a oportunidade da carreira acadêmica em faculdades. Há quatro anos trabalho como professor na Unipac Betim. Para tanto, concluí o mestrado, em 2009, e tenho especialização em direito penal.
 
Quais as diferenças de uma pessoa que está ingressando na Polícia Militar hoje para a época em que o senhor começou?
São muitas. Já começa pelo nível de exigência para entrar. Hoje, é necessário ter curso superior. Na minha época, fiz o segundo grau e o curso superior quando já estava na academia militar. Além disso, nossa formação era mais militar. Eu entrei na PM em 1988, quando a Constituição Federal começava a engatinhar. A partir dela, a questão dos direitos humanos passou a ser vivida em nossas atividades e nos nossos cursos, de maneira que, atualmente, temos conhecimento em questões de direito humanos, que é o cerne da nossa atividade. Hoje, o policial está muito mais bem preparado e mais consciente do que deve fazer. A polícia perdeu um pouco do aspecto militar e ganhou muito em formação moral e ética, bem como em relação ao conhecimento dos direitos do cidadão.
 
Quais conselhos o senhor daria para quem está pensando em fazer o concurso da Polícia Militar?
A primeira coisa é se esforçar para passar na prova, porque, mesmo com as dificuldades da profissão, é muito concorrido. O candidato também deverá ter muita disciplina e força de vontade, já que os cursos são puxados e têm toda uma carga militar, que vem junto com a carga policial. É preciso muita dedicação, pois são exigidas várias disciplinas durante o curso de formação.
 
Quais os principais desafios da Polícia Militar nos dias de hoje?
A Polícia Militar de Minas Gerais, por ser o braço armado do Estado e por atuar em todos os municípios e distritos, é muito cobrada, muito vista. Um dos nossos principais desafios, basicamente, é conseguirmos nos aproximar da comunidade e, para isso, já existe uma forma, que é o policiamento comunitário. Com isso, visamos ganhar a confiança das pessoas e das comunidades, para que elas vejam a Polícia Militar como uma aliada, e não como uma ameaça. Betim é considerada uma cidade violenta, de acordo com pesquisas de segurança.
 
Para o senhor, trabalhos desenvolvidos com a comunidade podem ajudar a reverter esse quadro?
Acredito que sim. Mas é preciso ser dito que segurança pública não é papel somente da polícia. Nós tentamos fazer nossa parte, mas não é suficiente. É necessário todo um envolvimento do poder público, principalmente do municipal, porque é no município que as coisas acontecem. É preciso ter políticas públicas voltadas para a prevenção. Um exemplo claro disso é o programa Fica Vivo, que já está funcionando no Jardim Teresópolis, desde 2005. O bairro se transformou em um mito em Betim como uma região violenta, mas hoje o quadro não passa nem perto do que era há cerca de dez anos. Atualmente, o número de homicídios lá é baixíssimo. Também consideramos o bairro uma região sob controle, não só por causa da polícia, mas em função dos programas educacionais e preventivos realizados lá. Eles ocupam o tempo da criança e do jovem, que poderiam estar na rua, à mercê da criminalidade.
 
No período em que foi comandante do 33º Batalhão da PM, como o senhor lidava com as cobranças que vinham dos diversos setores da sociedade?
Lidava com naturalidade, lembrando o que acontecia de bom, não escondendo o que estava ruim e sem colocar panos quentes
em nada. Por isso, era importante ter transparência nas relações com a imprensa e com a própria sociedade. Até porque, hoje, existem diversos órgãos públicos e privados que fiscalizam o trabalho da polícia. Então, somos muito cobrados. Quando você maquia a informação ou os dados, você está se autoapunhalando. Eu vivo em Betim, meus filhos moram aqui. Ninguém mais do eu quer o bem-estar da população daqui.
 
Por estar envolvido nas duas áreas, o senhor acredita que a questão da segurança pública está diretamente relacionada
à educação?
Não tenho dúvidas disso. Uma pessoa que é bem-educada e bem instruída, geralmente, tem uma formação moral mais sólida. Você tira a criança e o adolescente da rua e oferece educação. A possibilidade de eles se envolverem com coisas erradas é muito pequena. 
 
O que falta para Betim ser uma cidade onde as crianças possam brincar nas ruas? Isso ainda é possível?
Sim, é possível. Mas muitas coisas precisam ser mudadas. Tanto no aspecto da estrutura policial, que vai necessitar de mais contingente, como em relação ao poder público, que terá de se mobilizar, como tem se mobilizado, para desenvolver políticas públicas voltadas para a prevenção. Se fosse simples, já teria sido resolvido. Se você perguntar qual é a solução para resolver o problema da segurança pública, só vai agregar mais questões. Não depende só de um fator. Mas precisamos ter fé. Não podemos perder a esperança. 
 
O senhor é pai de dois filhos, um menino e uma menina. O que acharia se eles decidissem ingressar na Polícia Militar?
Meu filho, Gustavo, já está fazendo o preparatório para entrar para o Exército. É o sonho dele. Já Giulia não pensa em seguir essa carreira. Ela quer fazer faculdade e seguir outra área. Mas, com certeza, ficaria muito orgulhoso se ela ingressasse na polícia.
 
Se pudesse voltar no tempo, o senhor escolheria a mesma profissão?
Sim. Tenho paixão pelo que faço, principalmente pela possibilidade de contribuir para melhorar a vida das pessoas. Além disso, fiz muitas amizades durante a carreira.
 
O senhor é uma pessoa muito respeitada e querida pelos colegas da polícia e pelos alunos do curso de direito. Como acha que conquistou isso?
Eu resumiria isso em uma palavra: respeito. É você tratar as pessoas bem, procurar ajudar, ser um facilitador. Com isso, você acaba ganhando o respeito das pessoas e elas escutam o que você diz.

 

 




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