Sejam vigilantes. Políticos trabalham para o povo. Não o contrário.

Criado em 21 de Julho de 2016 Papo sobre Política
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Daniele Marzano

Provavelmente, o nome do diretor Marcelo Antunez será muito falado no ano que vem, quando o tão aguardado longa-metragem brasileiro “Polícia Federal – A Lei é para Todos”, filme que retratará os contornos da Operação Lava-Jato, entrará em cartaz em todo o país. Em entrevista exclusiva à Mais, Marcelo nos revela detalhes dessa megaprodução, além de nos contar mais sobre sua relação com o cinema, que é bem antiga. Antes de ter estreado assinando como diretor principal a comédia “Qualquer Gato Vira-Lata 2”, ele atuou como diretor-assistente e de segunda unidade dos filmes “Até que a Sorte nos Separe 2”, “O Candidato Honesto” e “De Pernas pro Ar 1”. Apesar de ter um repertório recheado de comédias e de achar estimulante fazê-las, Antunez sempre desejou fazer outro gênero, tanto que, em 2003, chegou a escrever um roteiro de filme policial, que, infelizmente, acabou não emplacando na época. A Operação Lava-Jato surgiu então como o casamento perfeito da “fome com a vontade de comer”, segundo ele mesmo define bate-papo.

Antes de atuar na direção de filmes, você trabalhava com o quê?

Antes de começar no cinema, fui diretor de filmes publicitários e de clipes musicais. Dirigi comerciais para grandes agências de publicidade e videoclipes para algumas das grandes gravadoras na época em que era divertido fazer esses produtos.

Direção é sua grande paixão?

Sempre foi. Comecei montando comerciais. A montagem é um momento em que temos oportunidade de criar outro filme com o material filmado, totalmente diferente do que o diretor havia criado em sua cabeça. Eu sentia uma força interna, cada vez mais forte, que me levava a querer contar a história de maneira diferente. Um olhar que, para mim, fazia mais sentido. Frequentemente, eu me deparava com a sensação de falta de enquadramentos de minha preferência ou de interpretações diferentes dos atores para que o filme fizesse mais sentido na minha cabeça. Isso foi despertando minha vontade de dirigir, e, em muito pouco tempo, foi o que aconteceu. Aos 24 anos, dirigi meu primeiro comercial. Eu queria contar histórias em um formato mais longo, mas a produção de longas-metragens na década de 90 estava adormecida. Poucas iniciativas, como “Carlota Joaquina”, em 1995, e “Central do Brasil”, em 1998, ainda não indicavam que a indústria de cinema brasileiro despertaria desse sono profundo e sombrio iniciado com o fechamento da Embrafilme. Publicidade sempre foi minha válvula de escape, pois eu amo estar no set de filmagem, dirigindo atores, definindo movimentação de câmera, e a publicidade te dá essa oportunidade. Toda semana, produtos diferentes que te desafiam e estimulam a pensar em soluções novas e a renovar seus truques guardados na manga. Mas, enquanto eu estava nessa correria, sempre esboçava roteiros e argumentos de longas-metragens, além de conversar muito com alguns atores sobre fazer cinema.

Como nasceu o projeto  “Polícia Federal - A Lei É para Todos”?

Eu venho de uma série de filmes de comédia em conjunto com meu amigo e parceiro criativo Roberto Santucci. Estamos juntos desde muito antes desse boom das comédias, batalhando para fazer cinema. Em 2003, escrevemos um roteiro de filme policial para dividirmos a direção, pois ambos gostamos muito do gênero. Tentamos fazer esse filme acontecer. Escrevemos em vários editais, mas nunca conseguimos emplacar. A justificativa do mercado era que o público não se interessaria por filmes sobre “segurança pública”. Logo veio “Tropa de Elite”, que provou o contrário. Fizemos juntos quase todas essas comédias, e foi divertidíssimo e muito estimulante. No fim do ano passado, depois de trabalharmos em “Até que a Sorte nos Separe 3”, tanto ele quanto eu queríamos nos dedicar a criar projetos também em gêneros diferentes da comédia. Eu estava escrevendo um argumento de um thriller de época que está na minha cabeça há anos. Seria meu próximo projeto até o Roberto me dizer que o Tomislav Blasic estava atrás de um diretor para um filme sobre a Operação Lava Jato e que o produtor e a distribuidora haviam cogitado meu nome. Foi o casamento perfeito da “fome com a vontade de comer”. O projeto já estava em andamento, em pesquisas profundas e entrevistas, e mergulhei de cabeça no processo, pois esse é o meu gênero preferido no cinema.

Quanto há de ficção e realidade nessa trama?

A Lava Jato é um prato feito para o cinema. Ela já é recheada de reviravoltas, forças “ocultas” atuando para alterar seu andamento e desdobramentos inimagináveis. Por isso, todos os fatos da investigação são verdadeiros. A opção pela ficção nos dá a liberdade de intensificar conflitos internos e interpessoais dos investigadores. A equipe real deles é muito harmoniosa. Há poucas discordâncias. O cinema precisa de conflito para grudar o espectador na cadeira e permitir que ele torça para os protagonistas superarem as dificuldades, e é isso que estamos fazendo. Eu abordo a história pelo viés dos investigadores, pois é o que o público desconhece. Ninguém sabe como foi montado esse quebra-cabeça do maior esquema de corrupção do Brasil e segundo maior do mundo.

Se há mais realidade, houve cooperação/autorização da Polícia Federal para o trabalho de pesquisa? Conte-nos como foi esse processo.

A Lava Jato está nos jornais diariamente. Tem sido o assunto na boca do brasileiro há muito tempo e promete ser ainda por um bom tempo. Não adiantaria trazermos o que o público já sabe. Queremos mostrar os bastidores dessa investigação em detalhes, como alguns fatos surgiram de modo espetacular e quais estratégias foram criadas para impedir que a operação acabasse em pizza. Para isso, foi criado um acordo exclusivo de consultoria com a Polícia Federal. Eles nos deram acesso direto e amplo à força-tarefa em Curitiba. Conversamos com todos os delegados do chamado “núcleo duro”, os responsáveis pela investigação. Conversamos também com os procuradores do MPF (Ministério Público Federal) de Curitiba e com o Juiz Sérgio Moro. Além disso, busco sempre outros pontos de vista, como de jornalistas investigativos políticos, analistas financeiros e empresários dos setores de óleo, gás e elétrico.

Todos os investigados na Lava Jato estarão presentes no filme? Os nomes serão os mesmos?

A história é muito grande, e, por isso, priorizamos as principais fases da investigação, as que foram mais relevantes para os incríveis desdobramentos e que ampliaram o entendimento sobre a dimensão do esquema. A utilização dos nomes reais está em análise pela nossa consultoria jurídica.


É um desafio relatar fatos e personagens políticos da atualidade mantendo certa isenção, isto é, sem tender favoravelmente para a esquerda ou para a direita? Você acredita que o filme conseguirá transmitir essa isenção ao público ou essa não é uma preocupação de vocês?

É uma preocupação, sim. Eu tenho como missão perseguir a posição mais isenta possível, e a estratégia para isso é o que os advogados mesmo costumam dizer: “Não interessa o que sei, só interessa o que posso provar”. Portanto, só mostramos fatos comprovados ou opiniões de personagens. Nunca coloco minha opinião pessoal como fato. Não posso usar o poder de ter uma ferramenta de difusão em massa, que é um longa-metragem, para levantar uma bandeira ou manipular a opinião pública.


Antes mesmo de ser lançado, o filme já repercute bem. A que você atribui esse sucesso prévio?

A repercussão vem de uma grande conquista resultante dessa operação: a reaproximação do povo com a política. Bem ou mal, a população tem debatido sobre os políticos e suas posturas. Não importa de que lado cada um esteja. A democracia se fortalece quando há o debate, por mais difícil que ele seja. Costumo dizer que o problema não é o povo estar dividido. Em 2000, os EUA estavam divididos. Bush ganhou de Al Gore por 1%, mas não se via o que há hoje no Brasil: a beligerância, que não é característica nossa por natureza. Minha sensação é que esse sentimento está sendo estimulado deliberadamente, assim como nas eleições deste ano nos EUA, entre Hillary e Trump.

Acho que estamos vivendo uma janela de oportunidade, um momento de vigilância sobre os políticos, mas, na minha opinião, essa deve ser a nossa conduta permanente. O voto não pode ser um cheque em branco para os políticos. Campanhas devem ser mais objetivas, com propostas claras, para que possamos cobrá-los durante seus mandatos. Porém, é necessário que haja interesse da população de acompanhar e pressioná-los.

Que tipo de reação você espera das pessoas que serão retratadas no filme (os acusados de envolvimento nos crimes)?

Não é minha preocupação. Estou apenas relatando a realidade dos fatos, sem juízo de valor. Deixo para o público, que os colocou no poder, a função de julgá-los.

Tem algum outro projeto paralelo em andamento? E para o futuro? Pode nos revelar?

Depois desse filme, quero me voltar para o meu projeto anterior, do thriller de época. É um projeto que, de certa forma, também aborda a política e seus limites.

Caso queira deixar alguma mensagem aos nossos leitores, fique à vontade neste espaço.

Sejam vigilantes. Políticos trabalham para o povo. Não o contrário. 

 

PERFIL

Marcelo Antunez Braz

Idade: 44 anos

Família: casado e com um filho

Formação: engenharia e publicidade

Onde vive: Rio de Janeiro




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