Seu Nome, Seu Bairro?

Conversa Refinada: Entrevista | Thiago Reis

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Criado em 22 de Junho de 2015 Conversa Refinada

Fotos: Augusto Martins

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Considerado, por alguns profissionais consagrados, “o maior fenômeno do rádio esportivo mineiro”, ele conquistou os torcedores de Minas com sua simplicidade e sua simpatia. Talentoso, Thiago Reis, 30, é hoje um requisitado garoto-propaganda e ganhou fama não só no rádio, como também na TV, com o bordão “Seu Nome, Seu Bairro”, criado de maneira natural e despretensiosa.
 
Lisley Alvarenga
 
REVISTA MAIS - Onde você nasceu e passou sua infância?
Thiago Reis - Nasci em Belo Horizonte e morava no bairro Santa Amélia, onde vivi até os 28 anos, antes de me casar. Mas, na
minha infância, como meus avós moravam em Cipotânea, uma cidadezinha mineira pequena, com apenas 6.000 habitantes, toda
sexta-feira, minha família viajava para lá, para passar o fim de semana. Digo que tudo o que aprendi na vida, de bom ou de ruim,
foi em Cipotânea. Em BH mesmo, eu ficava só dentro de casa ou ia jogar bola com os amigos no clube. Meu primeiro beijo, meu
primeiro copo de cerveja, tudo ocorreu em Cipotânea. Muitos dos meus amigos de infância estão lá. Alguns, inclusive, se casaram
com minhas primas e, hoje, são da família.
 
Nessa época, você era de farra ou era mais quieto?
De farra, mas a nossa farra era muito diferente da de hoje. Sempre quando aconteciam as festas em Cipotânea, nós nos reuníamos, íamos para a roça jogar bola, soltar papagaio, montar em boi, nadar no rio, fazer galinhada e tocar violão. Era isso que a gente fazia lá, não a farra de bebedeira de alguns jovens de hoje.
 
E agora? Como você é?
Hoje sou muito caseiro. Para você me tirar de casa, só se for para trabalhar.
 
Como surgiu a paixão pelo futebol?
Como todo brasileiro, tenho o futebol no sangue. Desde a época em que eu ia para Cipotânea, sempre jogava uma pelada com os amigos. Quando passei a ficar mais em Belo Horizonte, por causa dos estudos,comecei a jogar os torneios da escola e a
aparecer. Joguei em um time de futebol amador do BDMG (Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais), que ficava na rua de minha casa. Nesse clube, eu jogava com pessoas bem mais velhas, de 30, 40 anos, enquanto eu tinha 13, 14 anos.
 
E como você começou a jogar na categoria de base do Atlético?
O Marquinhos, que era conselheiro do Atlético na época, percebeu que eu tinha talento e me convidou para jogar no time infantil do Galo. Apesar de não ser atleticano, não quis perder a oportunidade.
 
Qual seu time de coração?
Sempre torci para o América. Inclusive, atualmente, sou conselheiro do time.
 
Em qual posição você jogava?
Sempre fui atacante.
 
Considerava-se um bom jogador?
Sim, mas não sou mais porque machuquei o joelho em uma lesão que só os grandes craques têm (risos). Rompi o ligamento cruzado durante o campeonato da imprensa, ocorrido no ano passado. Passei por uma cirurgia em janeiro deste ano.
 
Antes de atuar no rádio, já sonhou em ser jogador de futebol?
Sim e estive perto de realizar esse sonho. Mas o destino me levou ao jornalismo, e, hoje, amo minha profissão.
 
Quando e como você entrou para a Rádio Itatiaia?
Entrei na Itatiaia em 2003. Na época, meu pai, amigo do Milton Naves, radialista da emissora, comentou que eu precisava de um trabalho e que eu gostava e entendia muito de futebol. O Milton acabou me dando a oportunidade. Era algo mais informal, eu fazia rádio-escuta e ganhava R$ 20 por dia para acompanhar os jogos. Tinha apenas 17 anos e nunca imaginava que aquilo viraria a chance de
minha vida.
 
Como foi seu crescimento profissional na Itatiaia até atingir a fama?
Passei por todas as etapas dentro da redação. Fui estagiário, radio-escuta, produtor de programas esportivos e, finalmente, repórter.
Na época em que eu era produtor, sentia muita falta de estar no estádio, participando dos jogos. Mas, para atuar no campo, havia algumas funções específicas, como existem até hoje: ou você vai cobrir o Atlético, ou o Cruzeiro, ou o time adversário, ou então narra o jogo, ou o comenta. Todas essas funções são ocupadas por profissionais consagrados. Não era possível me candidatar para uma vaga daquela. Mas a rádio tinha um quadro, como tem até hoje, de entrevistar torcedores. A função era meio marginalizada e oferecida para algum funcionário da emissora como uma espécie de “punição”. Digo isso porque a gente tem que ficar no meio dos torcedores, levando empurrões e xingos. Comecei a perceber que havia essa lacuna na rádio. Todo mundo fazia isso contrariado. Então, num dia que não tinha ninguém para fazer, me candidatei. Fui para o campo como se estivesse indo para a Copa do Mundo. Vi ali uma oportunidade para estar no campo, tinha que fazer aquilo dar certo. Graças a Deus, deu. Mas nunca imaginei que criaria um bordão.
 
É verdade que seus estudos foram custeados pela Itatiaia?
Em boa parte, sim. Minha mãe me pressionava muito para fazer uma faculdade. Cheguei a tentar direito pela UFMG, mas, é claro, não passei. Como eu estava na rádio, o proprietário da emissora disse que enxergava em mim um potencial e perguntou se eu não me interessava em fazer jornalismo. Aceitei e fiquei livre de dois problemas agradando à chefia e à minha mãe.
 
Identificou-se com o jornalismo?
Sim, fomos feitos um para o outro. Não me imagino fazendo outra coisa. 
 
Como surgiu “Seu Nome, Seu Bairro”?
Eu sentia a necessidade de identificar o torcedor que entrevistava, porque, como, na época, o Atlético e o Cruzeiro estavam com uma campanha ruim, os torcedores davam entrevistas muito calorosas, xingando muito. A rádio é contra qualquer tipo de censura, mas não se pode falar palavrão nem denegrir a vida pessoal de alguém. Resolvi perguntar o nome e o bairro de cada pessoa. Porque, assim, identificando-se, a pessoa se responsabilizaria por seus comentários. Só não pensei que isso iria se tornar um bordão. Foi algo natural.
 
Por que você resolveu patentear essa marca?
Percebi que as pessoas gostavam, e, daí, começaram a surgir muitos convites para eventos e para o mercado publicitário. A patente veio com o aumento da exposição da marca, até para me resguardar. Mas foi um processo muito longo e trabalhoso, que durou cinco anos.
 
Já passou por alguma situação constrangedora e/ou perigosa enquanto entrevistava um torcedor após o fim da transmissão dos jogos?
Sempre passo por isso. Quando um time perde, algumas pessoas acham que eu tenho culpa. Mas eu contorno bem. Lembro-me de uma ocasião em que um torcedor jogou um copo de cerveja no meu rosto. Nessa época, era autorizado vender cerveja no Mineirão. Algumas pessoas brincam até hoje que era xixi, mas era cerveja mesmo porque estava geladinha. Posso garantir (risos).
 
Como lidou com essa situação?
Fiquei por um tempo sem acreditar no que havia acontecido. Ainda consegui entrevistar umas quatro pessoas até minha ficha cair. Então, chamei a polícia, e o homem foi preso. Mas foi a primeira e a única vez que sofri algum tipo de agressão. A partir desse dia, passei a andar com um segurança particular. Mas acho que essa situação só ocorreu em função do álcool. As pessoas ficavam muito bêbadas. Como proibiram a venda de bebidas alcoólicas no campo, os torcedores agora estão menos exaltados.
 
Qual sua opinião sobre o fanatismo de alguns torcedores?
Acho que tudo em excesso é prejudicial. Recordo-me de um torcedor que define muito bem esse sentimento, que, exagerado ou não, é uma paixão. Fui entrevistá-lo, e, no braço dele, havia uma tatuagem com os dizeres “Eu amo o Galo e torço pela Michele”. Fiquei curioso e perguntei a ele o porquê daquela frase. Ele me respondeu: “a Michele é minha esposa. Se ela encher muito o saco, dou um pé no traseiro dela, mas o Galo eu não troco jamais”. Desde que não prejudique ou machuque ninguém, que não atrapalhe as relações
familiares, a paixão é muito boa. Fui, inclusive, padrinho de casamento de um rapaz que entrevistei no “Seu Nome, seu Bairro”. Ele namorava há 12 anos e disse que, se o Atlético ganhasse algum título nacional, ele se casaria. Dois anos depois, o Galo foi campeão da Série B. A atual esposa dele, então, fez questão de cobrar a promessa no programa. Daí, passado um ano, eles se casaram. Espero que estejam juntos até hoje.
 
É verdade que os presidentes do Cruzeiro e do Atlético já se uniram para pedir sua demissão?
Na verdade, não pediram minha demissão. Mas, como, na época, os dois times estavam com uma campanha muito ruim, é natural que os torcedores descontassem isso na diretoria dos clubes. Como o quadro era uma novidade, eles viram os comentários dos torcedores como um exagero. Então, pediram à direção da rádio que houvesse um controle dos comentários, pois os torcedores estavam pegando muito pesado. Mas a rádio, que sempre me deu total liberdade para trabalhar, disse que não haveria nenhuma censura. Somente me pediram para evitar que os torcedores dissessem palavrões. 
 
Já cometeu alguma gafe ao vivo?
Sim, a gente comete gafe todos os dias. Mas teve uma que me marcou mais porque foi no início de minha carreira. Tinha um jogador do Atlético muito famoso, o Amaral. Eu fazia a cobertura de um dos meus primeiros clássicos e, como estava muito nervoso, fui entrevistá-lo e troquei o nome dele, chamando-o de Ataliba. Ele ficou bem irritado e disse que esse não era o nome dele. Para piorar a situação, eu ainda disse a ele que ele não havia jogado nada, assim como o Ataliba. Depois do jogo, ele me chamou para conversar no vestiário. Como Amaral estava com quatro seguranças, recusei, é claro. Fiquei umas três semanas sem ir para a concentração do Atlético e
nunca mais o vi. Nem quero ver mais.
 
Fez muitas amizades durante suas coberturas?
Muitas. Desde torcedores a até jogadores e dirigentes.
 
Considera-se uma espécie de psicólogo das torcidas?
Na verdade, são eles que me consideram assim. Mas a única coisa que faço é dar voz à galera.
 
Qual seu segredo para interagir com os torcedores?
Acho que é a simplicidade. Trato todos da mesma forma, como se fossem meus amigos. Sinto e compartilho a dor e a felicidade deles. Isso abre um espaço que deixa o torcedor bem à vontade.
 
Como faz para lidar com os mais exaltados?
Mostro a eles que eles podem falar o que quiserem desde que não ofendam o rival ou qualquer outra pessoa.
 
Com tantos anos de estrada, recorda-se de algum jogo especial, que te marcou?
Sem dúvida, a goleada que o Brasil sofreu para a Alemanha, no ano passado, no Mineirão. Eu estava no estádio, e aquilo me doeu na alma.
 
Qual avaliação você faz do futebol mineiro?
Estamos vivendo, nos últimos anos, um momento muito especial com o Atlético e o Cruzeiro. Só falta agora o América engrenar e ganhar alguma coisa também.
 
Acredita que a cobertura do futebol mineiro é preterida em relação à de São Paulo e à do Rio de Janeiro?
Acho que não. Cada praça faz sua cobertura como tem que ser feita. Isso, pra mim, é dor de cotovelo. Se você for a Poços de Caldas, por exemplo, eles vão reclamar que, na capital, a imprensa não fala da Caldense. É claro que isso não vai acontecer. Afinal, o mercado publicitário, o grande público, está aqui. E, no mercado nacional, o grande público é do Flamengo, do Corinthians, do São Paulo...
Não adianta você querer competir com isso. Mas, se o time, qualquer que seja, estiver com uma boa campanha em campo, vai ter espaço na mídia.
 
Para você, qual o grande diferencial da cobertura esportiva do rádio?
O rádio, além de mais interativo, traz uma emoção inigualável, tanto nos grandes, como nos pequenos eventos.
 
Você recebeu o título de cidadão honorário e as chaves da cidade de Cipotânea.Como é saber que seu trabalho é reconhecido?
Isso é motivo de muito orgulho e só faz aumentar nossa responsabilidade.
 
É casado? Tem filhos?
Sim, me casei em 2012, com a Alessandra Reis. Temos um filho de quase 2 anos, o Bernardo.
 

 
Além da Itatiaia, onde você também atua ou já atuou?
Já trabalhei na TV Alterosa, mas saí, no ano passado, pois estava sobrecarregado e sobrecarregando a rádio, que é minha família. Agora, estou apenas na Itatiaia.
 
Sua rotina diária é muito corrida. Como consegue conciliar vida pessoal com trabalho?
Não é fácil. Mas, depois que meu filho nasceu, procuro me dedicar mais à minha família.
 
Tem algum hobby?
Atualmente, apenas assistir a filmes e jogar pôquer com amigos.
 
Quem é seu grande ícone no jornalismo esportivo?
Emanuel Carneiro. Vejo-o como o proprietário e o diretor-presidente de uma das maiores empresas de comunicação deste país (a Rádio Itatiaia), mantendo-se fiel às origens, ao respeito aos ouvintes e ao direito do ouvinte de dizer o que quiser. São características que também pauto em minha carreira. Fico muito feliz de fazer parte dessa equipe.
 
Segundo uma declaração feita pelo radialista Milton Naves, “do ponto de vista individual”, você é, hoje, “o maior fenômeno do rádio esportivo mineiro”. Concorda com ele?
Acho um pouco exagerado. Mas fico feliz pelo reconhecimento dele, que é um dos mentores de minha carreira.
 
Sonhava fazer tanto sucesso? Considera-se uma estrela?
Não acho que faço sucesso. Existe, sim, um reconhecimento pelo meu trabalho, mas ainda tenho muito a percorrer. As estrelas são os torcedores que entrevisto, sou apenas um intermediador.
 
Para quem está começando ou tem vontade de ingressar nesse ramo profissional da comunicação, qual é seu conselho?
Acho que a pessoa não se deve deixar abater por conta das poucas oportunidades. É um mercado muito concorrido, mas não se pode desistir.

 




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