Tire seus filhos da bolha!

DA REDAÇÃO

MÁRCIA NÃO CONSEGUE DORMIR. Levanta da cama de minuto em minuto. O coração palpita a cada carro que ouve passar na rua. Anda de um lado para o outro, deita na cama sem pregar os olhos, levanta-se novamente e vai fazer a ronda. Márcia espera pelo seu filho, Pedro, de 20 anos, que saiu para uma festa. Coisa de mãe ou exagero? Ela mesma se define: é superproteção. A preocupação, por vezes excessiva, repete-se no cotidiano da família desde que Pedro nasceu. Hoje, ele se sente preso, e ela admite que poderia ter dado mais liberdade Ao filho.  

Não é raro encontrar famílias que se encaixam nesse perfil. O discurso inicial é o medo da violência, mas o trato com os filhos extrapola, a ponto de os pais não permitirem que eles façam as atividades cotidianas, como arrumar o próprio quarto e lavar a louça. “Nunca deixei que ele fizesse nada sozinho, nem quando cresceu. Aos 15 anos, os amigos andavam sós, iam ao centro da cidade, mas Pedro não. Fui junto com ele fazer sua carteira de identidade, abrir conta no banco, enfim, tudo”, relata a relações-públicas Márcia das Graças Teixeira, de 37 anos, sobre o filho, o estudante Pedro Henrique.

A bolha ao redor da criança e do adolescente se forma de tal maneira que alguns aspectos ficam comprometidos no futuro, como a independência e a iniciativa. O significado da superproteção varia entre as famílias e depende de valores, da criação, de como os pais veem o mundo e seus filhos nele, segundo a psicóloga e professora da PUC Minas Márcia Stengel. Uma família, de acordo com ela, pode considerar tranquilo o fato de deixar uma criança de 10 anos sair de casa sozinha; já outra, não, o que também não significa que neste caso está havendo uma proteção exagerada. “Não há fórmulas prontas, mas os pais precisam observar algumas atitudes”, afirma.

Um exemplo é o esforço feito por muitos para buscarem os jovens de madrugada numa festa com o argumento da violência. “Esse discurso é uma tentativa de controle da vida dos filhos. Temos visto pais que vão além e acabam impedindo que eles vivam por conta própria”, argumenta a psicóloga. Conforme acrescenta Márcia Stengel, eles se esquecem de que também correm riscos ao saírem de madrugada e aproveitam o momento para conhecerem os amigos, o ambiente em que os filhos estavam, se havia bebida etc.

O alerta é que os adultos que protegem demais seus filhos estão criando pessoas com menos iniciativa, menos capacidade de lidar com o mundo. “Sem dúvida, esta geração que se está formando é mais dependente. O que vemos, desde a infância, são filhos despreparados para enfrentarem o mundo”, analisa a psicóloga. Márcia, a mãe do Pedro, sente isso na pele e se culpa. Até hoje, ela arruma o quarto dele, coloca o jantar no seu prato e, agora, quando tenta, não consegue um retorno para que ele faça sozinho as tarefas em casa. “Mãe nunca se acha superprotetora, mas muitas pessoas que estavam em volta sempre me falaram. Quando ele era pequeno, eu não o deixava comer sozinho para não se sujar, para não fazer bagunça, assim como, depois de adolescente, não podia sair sozinho mesmo quando os amigos dele já saíam. Acabei treinando todas as pessoas de minha casa a também superprotegerem o Pedro”, diz Márcia. Na escola, ela chegou a pagar uma quantia extra para a professora cuidar do filho com mais atenção, para ele não se machucar, não deixar que nada dele sumisse e ajudá-lo a se alimentar bem. “O pai sempre falava para eu deixar o Pedro viver. As outras mães dizem que colocam nas mãos de Deus, mas eu fico desorganizada quando ele está na rua”, confessa.

A psicóloga Lucinda Mendonça, colunista do blog “Na Pracinha”, faz uma comparação. Segundo ela, pais superprotetores são aqueles que não permitem que seus filhos criem independência e façam sozinhos aquilo que já são capazes de fazer. “Os pais zelosos são diferentes dos superprotetores. Cuidar do filho e ensiná-lo a se cuidar é zelo. Agora, impedir ou dificultar o desenvolvimento biopsicossocial da criança é superproteção. Os superprotetores, normalmente, não acreditam que seus filhos sejam capazes de tomar decisões, de se cuidarem e, por isso, fazem tudo para eles e por eles”, explica.

Lucinda dá um exemplo que pode ajudar os pais a perceberem o próprio comportamento: “Quando um pai ou uma mãe começam a reclamar que estão cansados de fazerem determinada coisa para o filho, é certo que, em 99,9% dos casos, eles estão fazendo algo que seus filhos já são capazes de fazer por conta própria”. Em consultório, os pais, segundo ela, listam várias razões para agirem dessa maneira: dificuldade em ter filhos, medo de a criança contrair alguma doença grave ou mesmo medo de perder o filho para outra pessoa. “Mas todos esses motivos podem ser resumidos em um: insegurança. É uma dificuldade que eles próprios têm de lidar com as adversidades da vida; não querem que seus filhos passem por algum sofrimento”.

FUTURO

O alerta principal está no futuro. Para Lucinda, filhos superprotegidos podem se tornar adultos inseguros, infelizes, extremamente tímidos, frágeis, influenciáveis, indecisos e mandões. “Uma pequena parcela dos filhos se revolta com a possessividade dos pais e procura fazer de tudo para contrariá-los. Por isso, é comum ouvirmos dos pais queixas como: ‘Poxa, eu te dei tudo e olha como você me trata’. E é exatamente por terem dado de tudo aos filhos que estes vão achar que seus pais e o mundo sempre terão a obrigação de fazerem todas as suas vontades”, esclarece. 

No ano passado, a escritora norte-americana Jessica Lahey lançou o livro traduzido no Brasil “Pais superprotetores, filhos bananas – O que podemos fazer para não criar uma geração insegura” (Editora HarperCollins). Rapidamente, o livro se tornou um best-seller. Na introdução, a autora dá boas pistas de como o assunto precisa ser avaliado e debatido pelos pais. “Nós ensinamos nossos filhos a temerem o fracasso e, ao fazê-lo, bloqueamos o caminho mais certo e óbvio em direção ao sucesso. Claro que não é esse nosso objetivo, e tudo que fazemos é inspirado nas melhores intenções, mas o resultado é outro. O amor e o desejo de proteger a autoestima dos nossos filhos nos fazem afastar todos os obstáculos da vida deles, abrindo um caminho maquiado, que deveria levá-los ao êxito e à felicidade”. A escritora complementa: “Os reveses, os erros e os fracassos que tiramos do caminho dos nossos filhos são as únicas experiências capazes de ensiná-los a serem cidadãos talentosos, persistentes, inovadores e resilientes”.

COMPENSAÇÃO

A psicóloga Márcia Stengel ainda analisa que hoje é comum haver uma compensação dos pais com os filhos, principalmente da parte das mães, por estarem menos tempo em casa. “Elas acabam se sentindo responsabilizadas, culpadas e tentam compensar isso fazendo menos cobranças”. Outro ponto importante destacado pela psicóloga sobre o assunto superproteção é referente ao papel assumido pelos pais. De acordo com ela, o discurso atual é o da juventude, de pai e mãe que querem ser tão jovens quanto os filhos, que acham chato assumir o papel de cobrança. “É careta cobrar. É o que consideram pais que não assumem a responsabilidade sobre seus filhos. Não querem ser considerados ‘velhos’ e acabam protegendo suas atitudes. Não cobram a lição de casa, que lavem a louça, que frequentem a escola e, assim, não preparam essa criança para o futuro. “Vivemos hoje no mundo do prazer, do hedonismo, e isso influencia a criação”, completa.