Um soldado a serviço da paz

ENTREVISTA l TENENTE-CORONEL ANDRÉ LEÃO

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Criado em 08 de Outubro de 2014 Conversa Refinada
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Íntegro e dedicado ao trabalho e à família, ele tem aversão a pessoas desonestas, fofoqueiras e bajuladoras. Empossado o novo comandante do 33º Batalhão da Polícia Militar de Betim há cerca de um mês, André Agostinho Leão de Oliveira, 45, antes de entrar para a polícia, há 27 anos, quase se tornou padre e, hoje, com sua vasta experiência, luta para combater a criminalidade e proteger a sociedade 

Lisley Alvarenga

REVISTA MAIS - Betim tem um dos mais altos índices de criminalidade de Minas Gerais e do país. Qual é sua estratégia para combater a violência na cidade?

TENENTE-CORONEL ANDRÉ LEÃO – Em primeiro lugar, atuar com inteligência, fazer uma repressão pontual, onde é ne­cessário. O segundo ponto é trabalhar em conjunto com outros órgãos, porque segurança pública não é só feita pela Po­lícia Militar. Ela é uma corrente e a PM é apenas um elo nisso tudo. Na segurança pública você perpassa pela Polícia Civil, pelo Ministério Público e pelo Poder Judi­ciário. Em terceiro lugar, precisamos par­ticipar de reuniões comunitárias, saber da população qual a sua necessidade e conscientizá-la do seu papel no combate a violência. A própria Constituição Fede­ral diz: “Segurança é dever do Estado, di­reito e responsabilidade de todos”. Então, a pessoa não pode simplesmente exigir e não fazer a sua parte.

De que forma a sociedade pode contri­buir?

Adotando medidas autoprotetivas e participando da “Rede de Vizinhos Pro­tegidos”, que muitos consideram ser uma medida paliativa. Na verdade, trata-se de uma alternativa de segurança, em que um vizinho protege o outro, um cuida do ou­tro. Temos de mostrar para a sociedade que estamos trabalhando, mas que de­pendemos dela para denunciar, dar apoio, enfim, ser os olhos da polícia nas ruas.

Existe uma relação conflituosa, uma es­pécie de disputa, entre Polícia Militar, Civil e Justiça?

Não. As funções de cada um estão bem delineadas no Constituição Federal. O que pode existir, sim, são relações confli­tuosas entre algumas pessoas, mas entre as instituições, jamais. Todos nós traba­lhamos pelo bem comum da sociedade. As parcerias que existem entre a PM e os demais órgãos só servem para nos fortale­cer e ampliar o nosso poder de dar uma resposta positiva à sociedade.

Mas muitos militares se dizem desmoti­vados, porque têm o trabalho de prender um suspeito e, logo depois, ele é solto. O que é preciso ser feito?

Essa é a nossa função, não interessa quantas vezes seja preciso prender o in­divíduo. Existem falhas de estrutura, sim, mas não cabe a mim comentá-las, mas, sim, tentar corrigi-las. Em minha opinião, o que mais precisamos é melhorar as leis, o que será conseguido com uma exigên­cia maior da sociedade com os seus po­líticos, que são representantes do povo. Por isso, precisamos nos conscientizar na hora de votarmos e escolhermos quem serão nossos representantes.

Qual será seu maior desafio no comando de Betim?

Além de reduzir a criminalidade, será ter uma tropa mais capaz e consciente da nossa função, que é de dar proteção à população. Isso é muito importante e, ao mesmo tempo, difícil. Por isso, tentarei, primeiramente, motivar a tropa, para que ela assim faça um bom trabalho. Não adian­ta ter uma tropa em número e não ter em qualidade. E isso nossos homens têm, bas­ta tirar isso do seu íntimo, que, às vezes, foi esquecido.

Qual o significado da Polícia Militar na sua vida?

Ela é a minha segunda família. É daqui que sai o meu sustento hoje e que sairá até o resto da minha vida. Pretendo, de­pois que eu aposentar, viver mais uns 50 anos e, por isso, tenho de cuidar para que ela dure mais esses 50 anos.

O que o influenciou a ingressar na Polícia Militar?

Minha família é oriunda de policiais militares. Além do meu pai, que foi sar­gento a vida inteira, ele tem cinco irmãos que também são policiais. Ao todo, de­vem ter cerca de 20 policiais na família por parte do meu pai. Na minha infância, eu morava perto do quartel em que meu pai trabalhava e estudei no Colégio Tira­dentes de Diamantina. Fui criado nesse meio. Lembro que eu estava estudando para o vestibular quando meus irmãos disseram que iam fazer uma prova de Curso de Formação de Oficiais (CFO). A princípio, não sabia o que era, mas fiquei curioso e resolvi tentar também. Passei em todas as fases e, no dia 31 de janeiro de 1988, me tornei um policial. Foi pai­xão à primeira vista. 

Mas o senhor já pensou ser padre, é ver­dade?

Na verdade, meu sonho era ser frei franciscano. Tanto que meu santo de devoção é São Francisco de Assis. Minha família sempre foi muito católica. Tive, inclusive, vários parentes padres, alguns irmãos fizerem seminário e eu também fui seminarista. Já fui até coroinha na igreja. Quando entrei para o seminário, tinha apenas 15 anos. Fiquei lá por dois anos. Saí, mas não sei explicar os motivos. Lem­bro apenas que estava fazendo faxina e, de uma hora para outra, decidi deixar o seminário.

Arrepende-se?

Em momento algum. A polícia é a minha vida. Penso que deixei de fazer o bem na parte espiritual para fazer o bem para a sociedade.

Então o senhor é católico praticante?

Sim, tanto eu como minha família. Vou à missa todos os domingos, acom­panhado da minha mulher e das minhas duas filhas. A minha filha de 14 anos, inclusive, frequenta dois grupos de jo­vens e a de 6 anos já vai entrar para a catequese.

Como foi sua infância em Diamantina, sua terra natal?

Foi a melhor possível. Passei a infância brincando de carrinho, de rolimã, bola de gude, de pegador, nadando nos rios e ca­choeiras de Diamantina, jogando futebol e torcendo pelo meu Galo, desde sempre. Penso que tive uma infância de verdade. Mas também tinha minhas responsabili­dades, meus pais eram muito exigentes. Minha infância foi mais pura, podíamos sair de casa e brincar na rua que não ha­via problema algum. Hoje, isso não é mais possível.

Suas filhas tiveram a mesma infância?

Acredito que elas também tiveram uma infância boa, porém, com muita in­fluência de eletrônicos, longe da pureza das brincadeiras infantis. Desde cedo, elas querem mexer no tablet, no com­putador, celular. Hoje os brinquedos são mais eletrônicos e, como os pais fi­cam mais longe de casa, passando gran­de parte do tempo no trabalho, às ve­zes, erroneamente, procuramos suprir nossa ausência com brinquedos e pre­sentes, quando o mais importante é a nossa presença. Por isso, procuro estar sempre presente, levando-as a parques, clubes, para que elas tenham contato com a natureza, sem deixar de contro­lar e disciplinar os horários delas, para elas saberem quando é o momento de utilizar o computador, o celular, e quan­do é a hora de estudar e cumprir suas obrigações.

Considera-se um pai enérgico?

Sou mais permissivo, minha mulher é mais exigente que eu. Acho que é preciso ter esse contrapeso. Sou rígido na medida do necessário. Acredito que quando os pais dão uma boa formação a seus filhos, desde pequenos, depois, não precisarão cobrar demais, somente controlar e super­visionar o que eles fazem, pois hoje, no mundo, infelizmente, há mais pessoas para nos arrastar para o mal do que para o bem.

Com tantas obrigações, como o senhor consegue conciliar trabalho com família?

Minha dedicação a minhas filhas é em tempo integral. O celular e os aplicativos, como o WhatsApp, facilitam esse diálogo. Quando elas precisam conversar comigo, me ligam, mandam mensagens. À noite, por exemplo, chego em casa e não vemos televisão. Busco conversar com elas, sa­ber como foi o dia de cada uma, brincar, sair para jantar fora. Nos fins de semana, estamos sempre juntos. Coloco minhas filhas para dormir todos os dias.

Elas não assistem à televisão?

Sim, mas apenas programas culturais e desenhos. Elas não assistem a novelas, por exemplo. Para mim, informação tem de ser algo que vai acrescentar, trazer co­nhecimento, e não algo fútil. Desde cedo, se você ensinar seus filhos a assistir esse tipo de programa, depois, não precisará mais cobrar. Eles se acostumam e passam a gostar dessa programação.

Falta hoje na sociedade uma estrutura familiar mais forte e unida?

Sim, e muito. A família é o embrião de tudo. Hoje avalio que os filhos es­tão sendo deixados de lado, educados para ter como prioridade o consumis­mo, esquecendo-se do ser. O caráter da criança, segundo estudiosos, é formado até os 7 anos de idade. Se os pais não dão o devido valor e orientação até essa idade, podem estragar a formação dessa criança. Hoje, vejo que muitas delas es­tão sendo arrastadas por amiguinhos e, geralmente, esses são do mal. A família hoje, independentemente de condição financeira, está moralmente desestru­turada, seja por omissão, seja por ação demais, de dar tudo aquilo que o filho quer. É preciso ter um meio-termo, e as pessoas perderam esse parâmetro. Preo­cupam-se muito em dar coisas materiais e esqueceram que o filho precisa de ca­rinho, atenção e de orientação, de saber receber um não. Filho você precisa ter controle, senão, o mundo toma conta, e ele, às vezes, é perverso.

Como o senhor conheceu a sua mulher?

Por indicação familiar. Ambos tínha­mos saído de noivados conturbados. Uma prima minha que era amiga dela combi­nou um encontro entre nós. Na época, eu tinha 29 anos e ela, 23. Entre nos co­nhecermos, namorarmos, noivarmos e casarmos foram apenas um ano e meio. Foi muito rápido. Ela é uma ótima pessoa, o amor da minha vida. Não poderia ter conhecido uma pessoa melhor, em todos os aspectos. O único defeito dela é ser cruzeirense, mas ninguém é perfeito (ri­sos). Ela foi a pessoa certa e, de tempo de casados, fizemos 15 anos em maio deste ano. Espero que nossa relação dure mais uns 50 anos.

Sua paixão pelo Atlético é herança de família?

O pior é que não. Meu pai, por exem­plo, é cruzeirense. Mas acho que todo mundo nasce atleticano, só que no ca­minho algumas pessoas se desvirtuam e viram para o outro lado. A vida inteira fui atleticano. Até minha mãe acha isso uma incógnita, pois toda a minha família é de cruzeirenses. Somos oito filhos e somente eu e um irmão somos atleticanos. Porém, ele, ao contrário de mim, é vira-folha. Para você ter uma ideia, fui batizado no dia 25 de março, dia do aniversário do time, en­tão, acho que foi o Espírito Santo que fez com que eu torcesse desde sempre para o Atlético.

O que gosta de fazer nos momentos de lazer?

Adoro cozinhar, é uma paixão. Gosto de receber os amigos em casa, preparar um prato para eles. Meu próximo obje­tivo, inclusive, é fazer um curso de gas­tronomia. Não pretendo virar chef, mas quero fazer isso por hobby. E, modéstia à parte, cozinho muito bem.

Nesses 27 anos como policial, o senhor já viveu alguma situação de risco?

Risco nós corremos desde que en­tramos para a polícia, mas somos cons­cientes e treinados para lidar com isso. Porém, já participei de troca de tiros, e um disparo chegou a “queimar a mi­nha orelha”, mas acho que meu anjo da guarda é muito forte. Deus protege os bons. Uma vez, houve um roubo a ban­cos quando eu atuava em Varginha. Na época, a polícia tinha uma estrutura bem precária e, na troca de tiros, estávamos com revólveres calibre 38 e os bandidos, com submetralhadoras. Graças a Deus, tudo terminou bem, morreram alguns marginais e nenhum policial foi atingido. Mas você ser metralhado não é uma situ­ação agradável.

Tem medo da morte?

Não, e penso que ninguém vai fora da hora, mas considero o medo um aliado para você procurar ter mais precaução, agir com mais técnica. Mas esse medo tem de ser controlável, não pode ser confun­dido com covardia na hora de se comba­ter o crime.

O que o senhor não suporta em uma pes­soa?

A primeira coisa é a desonestidade. E isso abrange tudo, desde a desonestidade com o colega, em termos de confiança, até a desonestidade em termos financeiros. Somos de um lado e é inadmissível passar­mos para o outro. A nossa vida é uma linha tênue, em que é preciso ter muito cuida­do para não sair dela. Se você cai para um lado, acaba sendo omisso e, se cai para o outro, também pode ser um criminoso. Também detesto intrigas, fofoquinhas. Isso não acrescenta em nada, só puxa as pessoas para baixo. E não gosto de puxa-saco. Isso é falsidade, e eu não gosto de pessoas falsas.

Qual a sua qualidade?

Para uns, é defeito e, para outros, é uma qualidade, mas sou uma pessoa mui­to sincera. Minha sinceridade não é para atingir ninguém, é mais construtiva.

É um homem vaidoso?

Acho que não. Mas penso que hoje as pessoas precisam se cuidar. Não é uma questão de vaidade, mas de necessidade. Por isso, acordo todos os dias às 5h e às 5h30 vou para a academia. Faço muscu­lação, abdominal e exercícios aeróbicos. Não podemos relaxar, ainda mais na mi­nha profissão, em que precisamos estar fisicamente bem. Hoje, administro um ba­talhão, mas também preciso estar na rua, junto da tropa.

Algum projeto futuro?

Vivemos de sonhos, mas meu sonho maior é ver minhas filhas bem formadas, bem casadas. Ter um netinho para jogar no Galo e, quem sabe, ser um Tardelli ou um Reinaldo da vida. 




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