Uma fé sem ostentações

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Criado em 17 de Maio de 2013 Capa
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Após a eleição do pontífice Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, o mundo conheceu um novo pastor da Igreja Católica, mais doce e simples. Uma escolha surpreendente, que nos fez refletir sobre quem são e como vivem esses seguidores de São Francisco de Assis, um santo que renunciou a posse de todos os seus bens e que defendia o cristianismo voltado para uma doutrina purificada

 
Lisley Alvarenga
O mundo parou ao reverenciar na noite do dia 13 de março de 2013 as primeiras daquele que assumiria o posto de 266º papa da Igreja Católica. Sob o balcão da basílica na praça de São Pedro, no Vaticano, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, ou melhor, o papa Francisco, como assim escolheu ser chamado, saldou milhares de fiéis de todas as nacionalidades e demostrou, já naquele primeiro instante, sua personalidade divertida e, ao mesmo tempo, de alma simples.
A escolha de Bergoglio pelo nome pode trazer consigo uma simbologia mais rica do que se supunha. Apesar de ter se formado na Companhia de Jesus ( jesuítas), o nome do pontífice faz uma referência óbvia a São Francisco de Assis, um santo que viveu entre o fim do século 11 e início do século 12, criou a ordem dos franciscanos, levava e pregava uma vida despojada e dedicada à fé cristã.
Ainda jovem, o santo, filho de um rico comerciante da região de Úmbria, na Itália, converteu-se quando renunciou à vida confortável da casa do pai. Ele passou a atrair seguidores descontentes com a Igreja Católica, que, cada vez mais rica, se afastava dos pobres. Ao contrário dessa realidade vivida pela Igreja, na época, São Francisco de Assis, em seus 44 anos de vida, sempre olhou pelos mais modestos e nunca deu valor às riquezas e às ostentações do mundo.
 
Além de uma rotina de estudos e de orações, os frades do Convento Santa Maria oferecem à população um curso gratuito de fé política e de teologia para leigos
 
Agora, diante de Sua Santidade, o papa Francisco, muitas perguntas se voltam sobre quem são e como vivem os homens que carregam o legado de São Francisco de Assis. Homens que se vestem com hábitos marrons e chinelos, têm vocação evangelizadora e são conhecidos por sua modéstia e proximidade com o povo. Em Betim, inúmeros são os exemplos de franciscanos que optam por dedicar suas vidas a Cristo e ao irmão.
No Convento Santa Maria dos Anjos – fundado no município desde 1965 – , todos os dias, os frades estudantes que moram no local acordam às 5h, participam de orações durante cerca de 20 minutos e, às 6h, partem para Belo Horizonte para dedicar parte do tempo a
estudos de filosofia. À tarde, voltam para o convento, onde realizam trabalhos domésticos e fazem estudo pessoal. Já às 17h, mais um ciclo de orações, que é retomado a partir das 21h. No intervalo, novamente uma bateria de estudos para aprender inglês, espanhol e italiano.
Às segundas-feiras, os frades do convento oferecem um curso gratuito de teologia para leigos e, uma vez por mês, promovem
uma capacitação em fé política para a população. “No convento também funciona a pastoral vocacional franciscana. Nos encontros, fazemos a pré-seleção vocacional. Já nos fins de semana, os frades vão às comunidades paroquiais, onde realizam um trabalho de catequese e de celebrações eucarísticas”, explica Oton da Silva Araújo Júnior, 35, frade franciscano desde 1997.
Nascido em Manhuaçu, no Leste de Minas Gerais, frei Oton conta que a vivência franciscana em sua vida começou ainda jovem. “Sou de uma família tradicional e muito religiosa. Acho que por isso, desde criança, sempre quis ser padre. Mas somente em 1991, quando eu tinha 15 anos, é que conheci a missão franciscana. Isso despertou em mim o desejo de participar da ordem. Desde então, nunca mais saí. Hoje, sou um irmão, e minha principal vivência é como professor. Fiz mestrado e doutorado em teologia, em Roma”, revela Oton, que por dois anos também atuou como coordenador do Convento Santa Maria.
 
 
Resgate de vidas
Outro exemplo de franciscano que tem uma vida de dedicação ao próximo, de obediência e sem prosperidade é frei Saulo Duarte, 27. Morador da Colônia Santa Isabel, na região do bairro Citrolândia, ele já esteve por um ano em uma missão africana em Angola. “O que mais me marcou nessa jornada é ver que o povo angolano nos acolheu com alegria e, apesar da pobreza e da miséria do país, tem estampado no rosto um grande sinal de esperança”, recorda o frade.
Atualmente, além de fazer parte de uma equipe que coordena as atividades da Educafro – instituição sem fins lucrativos que prepara negros para o ingresso nas universidades públicas – e de realizar a assistência espiritual a uma fraternidade da Ordem Franciscana Secular, frei Duarte desenvolve um trabalho social junto à Pastoral Carcerária de São Joaquim de Bicas, na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria.
Segundo Duarte, apesar de nunca ter desenvolvido um trabalho social na área prisional, esse tema sempre despertou seu interesse. “Em 2012, recebi um convite para atuar junto aos detentos e aceitei. Trata-se de um trabalho que, aos olhos de muitos da nossa sociedade, é insignificante e desprezível. Entretanto, aquele que o desempenha é capaz de sentir a riqueza interior que emana do mesmo. Nosso trabalho consiste numa presença humanitária da Igreja junto àqueles que têm sua dignidade ferida. O despertar para essa atividade tem sua gênese no próprio Evangelho: ‘estive preso e me visitastes’ (Mt 25,36)”, cita.
O frei explica que a pastoral não tem a pretensão de converter os detentos, mas, sim, isentá-los de seus delitos. “Queremos estar próximos a eles. Com certeza, por meio dos diálogos que estabelecemos, essa presença leva muitos deles a um questionamento
de sua vida e atitudes”, pondera.
Nascido em Pará de Minas, frei Saulo Duarte também ingressou na ordem ainda cedo. Sua família era pertencente à paróquia São Francisco de Assis e, por longos anos, ele conviveu com os frades franciscanos em sua cidade natal. “Desde criança tive contato os franciscanos. O modo de vida deles sempre me chamou a atenção, o que, aos poucos, despertou em mim o desejo de ser como eles. Quando tinha 17 anos, manifestei essa vontade ao pároco da nossa comunidade, que, acolhendo-me fraternalmente, me convidou a participar dos encontros vocacionais franciscanos. A cada encontro me deixava questionar acerca daquilo que almejava. Ao final de 2003, iniciei meu processo de formação e, em 2004, fui admitido pela ordem dos frades menores no Postulando Franciscano da Cruz de São Damião, em São João del-Rei”, recorda frade Duarte.
 
A primeira fraternidade de São Francisco de Assis, conhecida como movimento dos “penitentes”, possibilitou o surgimento de três ordens franciscanas: a Franciscana Secular, as Clarissas e a Ordem dos Frades Menores
 
Colônia Santa Isabel
Já na Fraternidade São Boaventura, localizada na Colônia Santa Isabel, na região do bairro Citrolândia, os franciscanos estão inseridos há mais de 40 anos. Atualmente, o espaço abriga oito frades, dos quais três são sacerdotes e cinco, estudantes. “Estamos a serviço da comunidade. Como frades menores, vivemos o Evangelho e anunciamos a palavra de Cristo junto aos moradores da região. Estou aqui há apenas quatro meses, mas já percebo como essa é uma comunidade que precisa de auxílio e que nos acolhe muito bem”, afirma frei Luís Fernando Nunes, 24.
Além do trabalho pastoral, com a celebração de missas na comunidade, a fraternidade da Colônia Santa Isabel realiza um trabalho social na região. Um deles é a participação de alguns frades da fraternidade no Centro de Ecologia Integral de Betim (Ceib), um projeto que tem, entre algumas de suas diversas preocupações ecológicas, prevenir as constantes enchentes que acometem a região.
 
 
O movimento franciscano
O movimento dos “penitentes” – termo que remete à primeira fraternidade de São Francisco de Assis, onde homens e mulheres renunciavam a todos os seus bens e abandonavam o mundo por amor a Cristo – possibilitou o surgimento de três ordens franciscanas: a terceira ordem, hoje, a ordem franciscana secular; a segunda ordem ou ordem de Santa Clara de Assis (clarissas); e a primeira ordem ou ordem dos frades menores.
A partir daí, nasceram os três ramos da primeira ordem dos franciscanos, que ainda hoje existem: ordem dos frades menores, ordem dos frades menores conventuais e ordem dos frades menores capuchinhos. O carisma franciscano, contudo, não se restringe a essas três ordens, mas a muitas congregações, irmandades e institutos que estão filiados à terceira ordem regular.
A ordem dos frades menores é a que tem o maior número de integrantes. Normalmente, é chamada pelo povo simplesmente de “ordem dos franciscanos”, “franciscanos” ou, ainda, “observantes” e “bernardinos”. Em 1517, ocorreu a separação da ordem dos conventuais. A sua reorganização subsequente foi novamente introduzida pelo papa Leão XIII. Já a ordem dos frades menores conventuais, também conhecida como “minoritas”, é a menor das três.
A ordem dos frades menores capuchinhos surgiu a partir da ordem dos frades menores. A comunidade dos capuchinhos foi originalmente concebida como uma comunidade puramente contemplativa. O nome é derivado de um longo e pontudo capuz usado por seus integrantes.
Já ordem de Santa Clara, isto é, as clarissas, nasceu em 1212. Durante décadas, Clara teve de lutar pelo direito de seguir essa forma de vida franciscana e, sobretudo, sua exigência central: a pobreza absoluta. Porém, não era costume e não estava previsto pelo direito canônico que uma comunidade de mulheres pudesse receber a aprovação eclesiástica sem possuir bens e sem poder garantir os fundamentos materiais necessários para sua subsistência. Com isso, a Igreja Católica achava-se obrigada a impor às irmãs uma
forma de vida pré-franciscana, monástica e beneditina.

 




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