Vai virar meme!

A tecnologia mudou até mesmo o jeito de se fazer piada. Saiba como funciona a fábrica de conteúdos que divertem internautas sobre os mais diversos assuntos e viralizam em poucos minutos.

Criado em 09 de Agosto de 2017 Comportamento
A- A A+
VIRAIS, os memes divertem, criticam, mostram realidades e estão em cada canto do universo online. Há páginas específicas só para produzir esses materiais – muitas com milhares ou até milhões de seguidores. E por trás delas há uma verdadeira “fábrica de memes”.
Quase tudo pode ser “memetizado”: acontecimentos políticos ou esportivos, interações cotidianas, animais nas mais diversas situações, entre outras possibilidades. Caiu na rede e viralizou virou meme. Na página Capinaremos da rede social Facebook, que, até o fechamento desta edição, contava com 1.382.870 de curtidas (número equivalente a mais da metade da população de Belo Horizonte), os memes fazem sucesso.
De acordo com o analista de telecomunicações Sandro Sanfelice, de 28 anos, para produzir o conteúdo da página há dois grupos: o Capinaremos 2.0, com mais de 60 mil membros, e o Capina Meme Factory, com cerca de 15 mil integrantes. Esse último, como diz o próprio nome, é a fábrica de memes da marca. Lá, os colaboradores criam um novo meme e postam no grupo para avaliação dos demais. Caso atinja uma quantidade pré-determinada de reações e comentários, torna-se apto a ir para a página. “Ou seja, além de criarem o conteúdo, os ‘mememakers’ atuam nesse ‘controle de qualidade’ prévio”, explica. 
Sandro destaca que pode até parecer que tudo vira meme, mas não é bem assim. Existem regras, e elas precisam ser obedecidas. “Pedimos para as pessoas terem alguns cuidados, entre eles não criarem nada ofensivo ou discriminatório. Se isso ocorre, a postagem é apagada, e a pessoa, banida do grupo", diz.
Atualmente, os memes são um dos principais conteúdos da Capinaremos, que nasceu do blog de mesmo nome, criado em 2007. Lá, são postados conteúdos diversos na área de entretenimento, pets, séries, entre outros assuntos. “O termo ‘capinaremos’ vem de nossa proposta, que é “capinar” a internet e só trazer para nossos seguidores conteúdo de qualidade”, conta. 
 
FORÇA-TAREFA
Outro grupo muito famoso no meio da criação de memes é o South America Memes (SAM), também do Facebook e com mais de 930 mil integrantes. O que era um passatempo entre amigos acabou se tornando um dos grupos mais fortes com esse fim. “A ideia era criar uma página para fazer brincadeiras internas, mas algumas montagens tomaram proporções virais e fizeram o grupo expandir para assuntos diversos”, conta o dono da página, Gabriel Félix, de 18 anos. 
Por lá, a todo minuto dezenas de pessoas postam memes em fotos, vídeos e gifs (imagens muito usadas na internet), que são analisados por 30 moderadores antes de irem para exibição pública no grupo. Segundo Gabriel, há até quem envie foto de pai, mãe ou irmãos sugerindo memes. O principal aspecto a ser observado também é a amplitude que o meme pode tomar. “Primeiramente, vemos sua capacidade de viralização, se todos podem entender e rir da situação. Depois, verificamos se não agride nenhuma classe ou raça. Mas não existe fórmula: é algo que vem do nada muitas vezes”, acrescenta o administrador geral da SAM, Gabriel Hakkinem, de 21 anos.
 
CULTURAL
A professora do Departamento de Comunicação Social e do programa de pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Joana Ziller afirma que o meme está muito ligado ao humor e à ironia. Assim, ele vai ao encontro de uma percepção que não é muito positiva nas pessoas sobre os fatos que estão acontecendo, de forma a questionar a realidade.
Para ela, o ponto negativo é que muitas páginas não têm o devido cuidado e viralizam conteúdos ofensivos. “Muitas vezes, o humor é incorreto. É preciso destacar que o cuidado com o outro não significa um mundo mais chato. É necessário respeitar as pessoas”, afirma a especialista, que também é membro do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas da UFMG (NucCon).
No entanto, Ziller destaca que, respeitando os devidos limites, o meme tem tudo a ver com a cultura brasileira. “No Brasil, temos o hábito de fazer piada com qualquer coisa, e, nesse sentido, o meme se adequa bastante por olhar a realidade com humor”, diz. O criador da página Capinaremos também percebe que a mania do brasileiro de fazer graça com tudo o que acontece torna o meme um verdadeiro sucesso no país. 
“No Brasil, principalmente, os memes se tornaram bem-sucedidos devido à nossa cultura de fazer humor com coisas positivas ou negativas. Um grande crescimento do Capinaremos ocorreu durante as crises políticas, como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as etapas da operação Lava Jato, a operação Carne Fraca, entre outras”, completa Sanfelice.
Tais fatos fazem com que a pessoa se identifique e ajude a espalhar aquele conteúdo. “Se alguém vê uma imagem ou vídeo e considera divertido, faz questão de compartilhar isso com sua rede de contatos. Desse modo, o sucesso de um meme está justamente na sua capacidade de reproduzir-se, e, como a internet é um ambiente extremamente propício para isso, a tendência é que esse modo de comunicação cresça cada vez mais”, opina Thiago Schwartz, de 33 anos, um dos administradores do Site dos Menes, com mais de 788 mil curtidas no perfil do Facebook.
A página leva o nome de “menes”, com ‘n’, propositalmente, como uma forma de se diferenciar das outras quando foi criada, em 2012. Na época, os memes eram apenas blogs com tirinhas e desenhos. Então, Thiago e um amigo lançaram um perfil na rede social Tumblr e começaram a postar imagens, como conhecemos o meme atualmente. “A proposta inicial era explorar esse conceito de antimeme. Com o tempo, a página acabou adquirindo outros significados, mas a proposta sempre foi usar o meme como base e subvertê-lo”, explica.
No início, uma equipe de 15 pessoas alimentava a página com conteúdos. Depois, os internautas passaram a sugerir ideias ou a mandar material pronto, que era filtrado e postado na página com os devidos créditos. Mas, desde o começo do ano, os criadores também montaram um grupo a fim de aumentar a interação entre os seguidores e a página. Os mais populares (que ganham mais likes) e os que têm qualidade ou relação com os propósitos do site são postados. 
Na opinião de Thiago, o conceito de meme é amplo, e cada criador de conteúdo define um critério que considera melhor. Mas ele destaca: “O importante é que a postagem tenha a intenção de divertir quem está acessando a página”.
 
 
MEMES BETINENSES
Betim também possui uma página só para memes da cidade. Por lá, tudo vira motivo de piada: as características dos bairros, as principais escolas do município, fatos cotidianos e até problemas com transporte público ou segurança. A Betim Mil Grau conta com mais de 136 mil curtidas, praticamente um quarto da população betinense.
Não há ofensas, e, de acordo com o criador e administrador da página, um estudante de 20 anos que prefere se manter no anonimato, as pessoas pedem para que os bairros onde moram sejam alvos de piadas. Quem passa por lá se identifica com as situações expostas em forma de humor, algo nítido nos comentários e nas reações de cada postagem, além da interação forte em cada post. “Eu recebo muitos pedidos para que eu faça memes sobre os bairros deles. Os curtidores da página também me enviam muitas imagens e vídeos engraçados e inusitados de coisas que ocorrem na cidade. Desse material eu faço os memes”, diz. Morador de Betim há 13 anos, o criador da página diz fazer tudo sozinho. Haja criatividade!
A ideia surgiu após ele ver a página ‘Curitiba Mil Grau’ e decidir criar uma sobre Betim. A proposta deu certo. “É bom saber que muita gente gosta e apoia o que faço. No começo, eu nem imaginava que conseguiria tantos seguidores. É bom fazer as pessoas se divertirem. Esse é o objetivo”, destaca.
 
FONTE DE RENDA
Produzir memes é algo simples e acessível para quase todos. Por isso, ainda não é comum pagar para quem produz essas imagens. No entanto, as páginas com muito acesso já receberam propostas para divulgarem conteúdo. O idealizador da Betim Mil Grau conta que não ganha nada com o perfil, mas, vez ou outra, faz alguma propaganda para receber um dinheiro. 
Já na Capinaremos, os criadores trabalham com crowdfunding (financiamento coletivo), por meio do qual os fãs da página contribuem com um valor mensal. Eles também fazem algumas postagens patrocinadas, no blog ou no perfil do Facebook. “Porém, não é nosso foco. Fazemos memes para que todos possam dar risada, e isso não tem preço”, destaca Sandro Sanfelice.
Outras páginas, no entanto, ainda não exploram essa área financeira e fazem tudo de modo voluntário, como é o caso da South America Memes e do Site dos Menes.
 
 
A RAINHA DOS MEMES NA SALA DE AULA
A cantora Gretchen ganhou fama mundial após memes com a própria imagem terem se espalhado pela internet. As fotos chamaram a atenção até da cantora americana Katy Perry, que convidou a artista para gravar um videoclipe da música “Swish Swish”. “Ela é incrível. Ela é icônica, ela é a internet”, disse Katy em entrevista à revista “Vogue Brasil”. 
Por aqui, os memes de Gretchen já faziam sucesso há muito mais tempo. E quem identificou neles uma forma de descontrair o ambiente de sala de aula foi o professor de matemática e pedagogo Alan Raniel Borges da Cruz, de 28 anos. Lecionando para o oitavo e o nono anos do ensino fundamental na Escola Municipal Gilberto Alves da Silva, em Betim, ele começou a usar os memes com o rosto da cantora expressando diversos sentimentos para ilustrar a nota da prova dos alunos. Pontuação baixa? Gretchen chorando. Pontuação alta? Gretchen comemorando. E por aí vai.
A ideia surgiu após conversas com o irmão por redes sociais, onde eles se marcam com frequência em publicações que envolvem algum meme da Gretchen. “Um dia ele me marcou em uma animação onde ela estava saindo de uma porta completamente arrasada e escreveu “- Seus alunos depois da prova, Alan!” e me sugeriu fazer algo assim. Eu gostei da ideia. Na verdade, sempre tentei descontrair minhas provas, pois testes, em geral, principalmente de matemática, são momentos muito tensos. Receber a nota então...”, conta. 
Um amigo, professor de Belo Horizonte, gostou tanto da ideia que aderiu a ela e decidiu fazer o mesmo. Um dos alunos postou na internet, e a história viralizou, mas Alan garante que quem começou foi ele. “Ele é meu amigo, viu minhas publicações em redes sociais e me pediu o arquivo. Eu o enviei, e ele passou a utilizar também. Mas ele sempre foi muito honesto, dizendo que a prática começou comigo. Tanto eu quanto ele postamos fotos das provas na internet, mas só foi uma explosão quando uma aluna dele postou no Twitter”, diz ele, que conheceu a cantora no fim de junho por meio de um programa de TV. 
 
ACEITAÇÃO
As reações dos alunos, de acordo com Alan, não poderia ser melhor. Segundo ele, muitos riem e ficam comparando seus memes aos das provas dos colegas. Outros, antes mesmo de realizarem o teste, comentam que vão receber uma Gretchen rindo ou triste. Para ele, a estratégia é uma forma de estreitar a relação entre professor e aluno, além de levar até a sala de aula a cultura da internet e das redes sociais, que eles consomem bastante, mas normalmente não estão presentes no ambiente escolar.
“A educação não pode seguir o mesmo modelo de anos atrás. Temos que acompanhar as inovações e a tecnologia, pois a escola não é mais a única fonte de informação. E, sim, (os memes) os motiva a estudarem. Escuto bastante: “Desta vez, minha Gretchen vai vir sorrindo. Estudei muito!””, comenta. 
Além dos memes, Alan ressalta usar sempre diferentes iniciativas para facilitar o aprendizado da matemática, extrapolando o padrão dos livros didáticos. Ele já fez suco de inhame com o contexto de combate à dengue e aproveitou para trabalhar regra de três na receita; elaborou um jogo digital que envolve Pokemon, fatos fundamentais de multiplicação e teorema de Pitágoras. Além disso, ele usa as sombras para medir construções muito grandes ou instrumentos como um teodolito (que mede ângulos horizontais e ângulos verticais) e um relógio de sol. “Eu faço de tudo para mudar bastante as aulas. Matemática é uma disciplina com muitos horários de aula e pesada para os estudantes”, finaliza.
 

 




AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Mais. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Mais poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.