Violência X empoderamento

Agressões contra mulheres têm dados alarmantes no Brasil, em Minas Gerais e em Betim, de acordo com levantamentos feitos por entidades de segurança. Combate ao machismo, que ainda persiste na sociedade contemporânea, tem sido estratégia usada para revert

Criado em 23 de Agosto de 2018 Comportamento
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O “Atlas da Violência 2018”, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), traz um retrato da triste realidade enfrentada pelas mulheres brasileiras em pleno século XXI. Conforme apontado pelo levantamento, em 2016, o país registrou 49.497 estupros contra pessoas do sexo feminino, uma média de 137 por dia ou de cinco por hora. No mesmo ano, Minas Gerais contabilizou 1.531 vítimas, sendo 47 delas em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, segundo dados do Observatório de Segurança Pública Cidadã, informados pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MG).

Já no ano passado, foram 1.538 mulheres estupradas em Minas e 43 em Betim. Somente nos três primeiros meses deste ano, o Estado registrou outros 371 casos, sendo 15 deles no município da região metropolitana, conforme a Sesp-MG. Embora sejam assustadores, os números ainda estão longe de representar a realidade devido à subnotificação de registros. Pelas estimativas do Ipea e do FBSP, caso as taxas nacionais fossem mais críveis, haveria “uma prevalência de estupro no Brasil de 300 mil a 500 mil a cada ano”.

“A maior marca da violência contra a mulher é o silêncio, e ele vem por múltiplas razões: vergonha, impossibilidade, falta de acesso. Vemos casos até de vítimas que tentam esconder o que aconteceu com elas”, afirma a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenadora do projeto “Para elas, por elas, por eles, por nós”, Elza Melo.

Há aproximadamente cinco anos, ela realiza esse trabalho de promoção da saúde e de prevenção da violência. Há dois, a iniciativa ganhou um reforço, o Instituto Jenny de Andrade Faria, no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, para atendimento a mulheres violentadas. Apesar de envolver profissionais de diversas áreas, o projeto tem uma linguagem universal: o empoderamento.

“A não ser a violência física, que deixa hematomas, as outras, muitas vezes, não têm sinais. Algumas mulheres só se sentem à vontade para falar sobre o que aconteceu cinco meses depois. Por isso, o suporte precisa ser duradouro e multidisciplinar, de maneira que elas adquiram confiança para enfrentar a situação”, pontua a professora. 

Barbárie

O feminicídio é outro crime com estatísticas alarmantes no Brasil. Em março deste ano, a população brasileira se comoveu com o assassinato brutal da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, morta a tiros dentro do veículo em que estava. Até hoje, os autores não foram presos ou nem sequer identificados.

Perto daqui, em Contagem, também na região metropolitana, outro caso chocante e recente: o homicídio de uma servidora dentro da Câmara Municipal, em maio último. Inconformado com o fim do relacionamento, o ex-companheiro, um policial civil, atirou na cabeça da assessora parlamentar. A mulher morreu no mesmo dia em que mãe e filhas também vítimas de feminicídio foram sepultadas em Santa Luzia, na mesma região. O assassino fugiu da Casa de Custódia, onde estava preso havia cerca de um ano pelo estupro das duas adolescentes assassinadas por ele, para cometer o triplo homicídio.

Hoje, todas essas vítimas engrossam as estatísticas, que têm revelado um cenário cada vez mais desolador. Segundo o “Atlas da Violência 2018”, foram registrados 4.645 assassinatos de mulheres no país em 2016, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Em dez anos, o aumento foi de 6,4%, conforme consta no balanço do Ipea e do FBSP.

Em Minas Gerais, também vem sendo observado um crescimento progressivo nos casos de feminicídio. Em 2015, de acordo com a Sesp-MG, houve 335 registros; em 2016, 397; e, no ano passado, 433. A Região Integrada de Segurança Pública (Risp) 02, da qual Betim faz parte, foi a mais violenta do Estado em 2017, com 50 assassinatos.

Agravante

Nessa soma de crimes cometidos contra mulheres, ainda entra outra parcela: a violência doméstica e familiar. Embora ela tenha apresentado ligeira redução, o total de registros feitos pela Sesp-MG no Estado continua sendo significativo. Em 2015, 148.320 vítimas foram contabilizadas; no ano seguinte, 145.645; e, em 2017, 145.029. A Risp 02 foi a terceira mais violenta no ano passado, com 12.034 casos, ficando atrás apenas da Risp 01 (Belo Horizonte) e da Risp 04 (Juiz de Fora).

A delegada responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Betim, Ariadne Elloise Coelho, ressalta a importância de combater a cultura machista, ainda muito presente nas sociedades contemporâneas. Segundo ela, é comum as mulheres pensarem que os companheiros e/ou parentes do sexo masculino estão certos quando são violentos com elas por acreditarem que ocupam um lugar inferior.

“Tento mostrar a essas mulheres que isso não deve ser aceito. Muitas vezes, o homem começa a falar em um tom mais agressivo, e elas vão deixando acontecer. Fico indignada, porque nada justifica a violência. Ninguém tem o direito de agredir o outro”, afirma a delegada.

Ariadne explica que, por causa da raiz cultural do problema, o acolhimento às vítimas no município é feito por vários profissionais. No fim de junho, foi reativado o protocolo da rede de atendimento, que inclui as polícias Civil e Militar, a Guarda Municipal, assistentes sociais, profissionais da saúde e membros do Poder Judiciário. “O crime de violência doméstica é muito complexo, porque envolve afeto, dependências emocional e econômica. Então, só a polícia não resolve o problema. Por isso, todas essas instituições têm que participar”, diz a delegada.




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